HOBBYECTS
para o consumidor emancipado
glossário da autonomia

Allotment
Parcela de terra arrendada ou ocupada para agricultura comunitária.
Nas comunidades de Transição , é frequentemente associado o squatting ao cultivo da terra, ocupando parcelas sem utilização e expectantes.

Appropriate Technology (AT)
Appropriate Technology (AT) é um movimento ideológico cujo horizonte objectiva a autarquia através da redundância e do DIY .
Foi inicialmente delineado por Ernst Schumacher em Small is Beautiful como intermediate technology. A sua aplicação verifica-se tanto em países subdesenvolvidos por questões de mercado como em países desenvolvidos por questões de identidade. Hoje, a AT é frequentemente implementada com recurso aos princípios Open Source .

Arquitectura directa
Envolvimento físico do arquitecto na construção da obra.

Arquitectura participativa
Envolvimento da população no planeamento, construção e posterior gestão da obra.

Autarquia
Do grego autarkeia, onde significava auto-suficiência.

Autonomia
Do grego auto+nomus onde significava lei própria.
Immanuel Kant conferiu-lhe o seu entendimento contemporâneo na sua filosofia da moral através da adição da racionalidade. Recentemente, alterou o seu significado para distância percorrida (por um automóvel com determinada quantidade de combustível) ou para duração (de uma bateria de telemóvel).

Autonomia discursiva
Discurso separado do seu autor; pode verificar-se por ocultação da assinatura ou pelo plano perspéctico adoptado.
Referem-se, como exemplos, A Utopia de Thomas Moore, As Viagens de Gulliver de Jonathan Swift ou o desenho de Leon Battista Alberti sob a pintura Città Ideale de Piero della Francesca.
A autonomia discursiva é, acima de tudo, uma questão de sobrevivência.

Barracas
Tipologia de construção actualmente mais difundida em termos globais.
A sua diversidade terminológica é referida num relatório da UN-Habitat: shanty town, favela, rookery, gecekondu, skid row, barrio, ghetto, bidonville, taudis, bandas de miseria, barrio marginal, morro, loteamento, musseque, tugurio, solares, mudun safi, karyan, medina achouaia, brarek, ishash, galoos, tanake, baladi, hrushebi, chalis, katras, zopadpattis, bustee, estero, looban, dagatan, umjondolo, watta, udukku, chereka bete.

Bidonville
Termo francês para referir os bairros de barracas . O recurso a bidon na construção deste termo indica a materialidade metálica destes bairros.

Biosfera
Este planeta não devia ser chamado Terra mas Água.
Não existe um só ponto do planeta Terra onde falte água, pelo menos até umas centenas de metros de profundidade e mais de quarenta quilómetros de altitude. Chama-se a esta fina película Biosfera e tudo nela funciona à base de água (esta condição é única no universo conhecido).

Bricolage
Processo de construção com aquilo que está disponível.
Em La pensée sauvage, a dialéctica de Claude Lévi-Strauss processa-se entre o bricoleur e o engenheiro. Para ele, a magia antecede o raciocínio científico mas são ambas formas autónomas de entendimento do real.
A diferença de procedimento entre o engenheiro e o bricoleur encontra-se no facto de este ser simultaneamente engenheiro. Para todos os efeitos, são ambos mágicos.

Casco
Processo de construção usado em squats . Consiste em remover o máximo de componentes interiores do edifício e manter a estrutura e paredes exteriores, para posteriormente intervir no espaço. A intervenção é então entrosada com a implícita manutenção dinâmica do espaço.

Corpus loci
O espírito do lugar conhecido através do corpo, em lugar de ser conhecido através do espírito (genius loci).

Decrescimento
Este termo não pressupõe um retrocesso no crescimento mas uma alteração dos seus objectivos. A raiz desta postura é de natureza ética. Referem-se conceitos de dois dos seus mentores:
"Anyone who believes exponential growth can go on forever in a finite world is either a madman or an economist." _ Kenneth Boulding.
Serge Latouche cunhou a sigla dos “8 Rs” no seu Petit traité de la décroissance sereine (2007) que referem Revaloriser, Reconceptualiser, Restructurer, Redistribuer, Relocaliser, Réduire, Réutiliser, Recycler.

Demodiversidade
Boaventura de Sousa Santos refere-se a demodiversidade contrapondo-a à hegemonia da democracia capitalista que, segundo Francis Fukuyama, significaria o fim da História. O Estado onde a situação de demodiversidade se verifique é denominado nesta investigação como Estado hetero-político .

Do it yourself (DIY)
Faça você mesmo.
As motivações por detrás desta abordagem podem ter origem no mercado (produção mais económica, falta de disponibilidade daquilo que é pretendido) ou por questões de identidade (aptidão para trabalhar materiais, autarquia , unicidade).

Ecologia
Oikos, que em grego significava "casa com os habitantes incluídos", está na raiz da palavra Ecologia. Assim, Ecologia é a ciência que estuda a nossa casa como um todo.

Ecovillage
Comunidade em meio rural com princípios ecológicos.

Estado heteropolítico
Aquele Estado que inclui dentro da sua área geográfica outros intra-Estados (endotopias).
Estes intra-Estados podem ter ou não ter continuidade territorial. As sua ligações com áreas geográficas que se encontrem dentro do mesmo ou de outros Estados heteropolíticos são feitas no domínio das ideias e são comunicadas pelos media (cada vez mais virtuais). Os intra-Estados recorrem à redundância produzida pelos Estados-útero, nomeadamente ao seu território (principalmente às suas áreas interiores, sejam rurais ou urbanas), às suas infra-estruturas (viárias, académicas, de saúde) e ao seu conhecimento. Também podem recorrer parcialmente ao circuito da indústria alimentar e da indústria energética, mas estes são dois dos principais pontos onde procuram afirmar a sua autarquia.
Dentro dos seus limites geográficos, procedem à manutenção do território (ao nível friático e de biodiversidade em meio rural; ao nível habitacional em meio urbano). Nunca alegam a razão de manter a economia em movimento para procederem à construção de novas estruturas ou infra-estruturas; tal é feito apenas por estrita e confirmada necessidade. Como paradigmas limite podem definir sistemas monetários próprios e costumes. Os costumes podem ser apenas implícitos do grupo ou podem chegar a ser definidos em Constituições próprias (como no caso das Transition Towns).
Normalmente, a escolha das lideranças e das opções comuns não é feita por sufrágio universal nem por sufrágio tout court, optando pelo debate de ideias até ao consenso ou separação. Estes processos apenas podem ser implementados em comunidades cujo número de indivíduos permita a audição da voz olhos nos olhos.
Podem incluir estruturas pedagógicas (normalmente de raiz Montessoriana), de saúde (normalmente com a inclusão de diversas práticas de medicinas não-convencionais) ou centros de investigação científica (normalmente ligados a questões da Sociologia, da Agricultura ou da produção de energia). Nunca dispõem de forças da ordem. A solidariedade social e a sua dimensão afectiva são a força de ligação de todos estes elementos.
Estes fenómenos incluem-se no legado das sempre existentes formas de auto-organização, mas que agora dispõem de inscrição Histórica.

Gaia
Gaia era um Deus primordial grego que personificava o planeta Terra. Foi recuperado para a ecologia moderna por James Lovelock em Gaia: A New Look at Life on Earth (1979).

Hacker
Aquele que sabe entrar. Implicitamente, aquele que sabe impedir os outros de entrar.


Inscrição
Aqui, inscrição é entendida no seu sentido literal e original, de escrever (do latim in+scriptio, v. in+scribere).
O entendimento que José Gil faz deste termo é alargado à acção pública, no sentido em que o indivíduo inscreve e se inscreve quando reage e se manifesta, ainda que tal não seja feito por escrito.
A Internet, mais do que permitir uma comunicação global, proporcionou as plataformas para inscrições paralelas.

Manifesto
Do latim manifestum, onde significava palpável, claro, simples, evidente, manifesto.

Materiais vernaculares contemporâneos
Aqueles materiais mais acessíveis, disponíveis, intuitivos e apropriáveis do meio urbano contemporâneo. Configuram a materialidade dos bairros de barracas, favelas, musseques, bidonvilles, slums e shantytowns, mas as suas oportunidades na arquitectura e na sociedade são diversas.

Meta-materiais
Primeiro grupo dos materiais vernaculares contemporâneos .
Aqueles materiais que são utilizados na construção da obra de arquitectura mas que, após esta finalizada, a abandonam. Incluem andaimes, cofragens, contentores de entulho, casas de banho portáteis e todo o estaleiro de obra.

Metabolismo urbano
Trata-se de um processo e não de um estado.
Em Karl Marx referiu fluxos sociais. Em Patrick Geddes referiu fluxos produtivos. Nos arquitectos metabolistas japoneses referiu literalmente a cidade como um corpo vivo.
Em termos energéticos, refere-se à gestão do I/O de uma cidade. Nessa gestão são considerados, por um lado, a eficiência de equipamentos e sistemas e, pelo outro, os processos e os hábitos de consumo.

Moto-contínuo ou motor perpétuo
Fascínio dos inventores desde a Antiguidade, é o equipamento que materializa a autarquia . Refere um sistema ao qual, após ser aplicada uma força inicial, nunca mais cessa o seu movimento. Por mais engenhosas, estas máquinas paravam sempre devido ao atrito. Mais tarde, mesmo com sistemas sofisticados de eliminação do atrito, esbarraram sempre em uma das Leis da Termodinâmica.
Não são consideradas experiências científicas porque não podem ser testadas: levaria uma eternidade.

Musseque
Em Kimbundu significava "areia vermelha". Mais tarde, passou a referir-se a um grupo de palhotas em madeira, barro e palha no meio rural de Angola. Recentemente inclui os bairros suburbanos de Luanda e a sua construção recorre a materiais vernaculares contemporâneos .

Open source
A abordagem Open Source, apesar de ter nascido a propósito do software de código aberto, ràpidamente foi traduzida pela sociedade como fonte de soluções; na electrónica em geral (do conteúdo digital à robótica), na saúde e na ciência (da farmacêutica aos componentes para painéis solares), foram adoptadas estas formas de partilha de conhecimento sem as quais os seus benefícios residiriam nas mãos de poucas grandes empresas. As Ciências Sociais e toda a investigação teórica, fazem-no através dos blogs. Mas também a Arte quando recorre à apropriação.

petit tour
Revisão da grande narrativa em Arquitectura através da reformulação da sua visita. Em lugar do decimonónico Grand Tour, revela-se hoje mais adequado este posicionamento, que marca a escala do pequeno, do quotidiano e do comum.

Periurbanidade
Na periferia da urbanidade. No entanto, não refere um espaço estritamente geográfico pois, diferentemente da suburbanidade, é definido por relações internas, virtuais e culturais. Particularmente as relações virtuais, desterritorializam estes espaços.

Permacultura
Sistema operativo holístico. Desde hortas a abrigos, de sistemas económicos globais a exercícios de respiração, pretende-se constantemente aberto a nova informação.
A permacultura nasceu associada ao Rural e em oposição à Cidade, apesar de poder ser aplicada nas hortas dos allotments urbanos e na moral de conduta de qualquer indivíduo.

Redundância
Produto consciente da máquina capitalista, que se exprime em conhecimentos, infra-estruturas, artefactos e território.

Rizoma
Originalmente, rizoma é um termo da Botânica e refere-se ao caule de determinadas plantas.
Gilles Deleuze e Félix Guattari apropriaram-se deste termo para o âmbito da Filosofia em 1980, a partir de Mille Plateaux, como analogia para a sua epistemologia.
O rizoma é caracterizado por heterogeneidade, conectividade e não-hierarquia. É um sistema aberto, no sentido em que não busca um estado mas um processo. Não é ecuménico, no sentido em que não representa uma totalidade mas um ponto de vista.

Serendipidade
Em 1754, Horace Wallpole cunhou o termo serendipity na tradução de Os Três Príncipes de Serendip. Este conto Persa tratava das desventuras de três Príncipes "que estavam sempre a fazer descobertas, por acidente e sagacidade, de coisas que não procuravam". Não se trata do mero acaso pois implica o juízo.
A Ciência encontra-se repleta de exemplos deste processo, sendo a descoberta da penicilina por Alexander Flemming um caso paradigmático.
Serendip foi o nome de uma ilha, posteriormente chamada Ceilão e hoje conhecida por Sri Lanka.

Squat
Edifício ou terreno sujeitos a ocupação temporária.

Terrain vague
Conceito desenvolvido em 1995 por Ignasi de Solà-Morales.
Lugar expectante. Forma de ausência na cidade contemporânea que desperta a vontade de apropriação.

Transição
Fenómeno gerador de berços comunitários eminentemente associado à Cidade, apesar de requerer quase sempre um pouco de terra para ser implementado. A sua postura é autónoma e autárquica . A sua autonomia moral provém da consciência ecológica. Como moralistas têm códigos de conduta. A montante, os 7 Princípios (código moral) e os 12 Ingredientes (passos de uma metodologia). Para além destes códigos, cada grupo tem a sua própria Constituição.

Upcycling
Reutilização criativa de um objecto, descontextualizando a sua origem e recontextualizando a sua finalidade.

Utopia
Do grego u+topos onde significa "não-lugar".
Este termo foi cunhado por Thomas More no seu livro homónimo de 1516. Pela sua original referência a uma comunidade ideal continuou a ser adoptado com esse significado.
No entanto, é no confronto entre a sua idealização e a sua construção, com os respectivos cunhos depreciativos ou de esperança, que reside o seu tom.

Vernacular
Aqueles materiais e técnicas de construír que recorrem ao mais disponível, barato e intuitivo. Pedra, madeira, argilas.
Mas hoje em dia, estas caraterísticas encontram-se preferencialmente no excedente e no redundante e os seus modus operandi encontram-se no YouTube. Estes são os vernaculares contemporâneos .
O percurso etimológico e semântico de vernacular iniciou-se no etrusco verna, onde significava “nascido escravo”. No latim, a expressão vernacula vocabula tinha o significado de “língua nativa” com denotação pejorativa.