Que mais-valias para o debate
público pode trazer o desafio lançado
a arquitectos e pensadores para desenharem soluções
mais ou menos utópicas para os “Vazios
Urbanos” de Lisboa?
Na realidade não se pediu aos arquitectos para
desenharem propostas mais ou menos utópicas.
Foi deixado ao critério dos arquitectos os seus
projectos estarem mais ou menos próximos de soluções
possíveis de pôr em prática. A principal
mais-valia tem a ver com o facto destes arquitectos
não estarem a produzir estes estudos de forma
comprometida como estariam se tivessem sido contratados
por entidades que beneficiariam financeiramente com
o produto desse estudo. Os estudos produzidos não
estão distorcidos por uma lógica em que
o lucro financeiro é um objectivo primordial.
De que instrumentos dispõe a sociedade
civil como contrapoder à especulação
imobiliária?
Os Plano de pormenor e PDMs são normalmente sujeitos
ao escrutínio da população, e,
nesse momento, o cidadão pode manifestar-se.
Infelizmente, estes momentos de exposição
dos planos são por vezes mal divulgados.
Como é que acha que o cidadão
com opções cada vez mais folclóricas
de espaço, essencialmente incutidas pelos media,
percepciona a arquitectura contemporânea?
Isso é difícil de avaliar, embora por
vezes me pareça que o faz de maneira superficial,
baseada na percepção de imagens sem entender
o seu significado ou os conceitos que lhe possam estar
subjacentes. Há também o problema de que
actualmente as pessoas são “bombardeadas”
com imagens sem que estas sejam descodificadas. As pessoas
assistem a uma realidade muito fragmentada, que dificilmente
entendem. Nem mesmo a maioria dos arquitectos entende.
Qual o papel da Trienal de Arquitectura de
Lisboa, com o seu público ligado directa ou indirectamente
à arquitectura, na sensibilização
para estas questões?
A Trienal apresenta estudos para problemas e espaços
da cidade de Lisboa que as pessoas conhecem. Porventura,
ajudará a que as pessoas tenham uma consciência
maior do potencial da arquitectura, e da multiplicidade
de hipóteses que existem para transformar um
dado contexto.
Qual é a dimensão educacional
do espaço público?
O espaço público é por natureza
o reflexo do estado cultural de uma cidade ou de um
país. A forma como o tratamos, ou não
tratamos fala sobre nós e produz sentimentos
de pertença à comunidade. Se esses espaços
forem tratados num sentido positivo, com qualidade e
sofisticação, a própria comunidade
tenderá a respeitar mais esses espaços
e a sentir motivação para respeitar os
valores cívicos.
Quais são as suas expectativas para
a Lisboa do século XXI?
Sob pena de parecer um chorrilho de lugares comuns,
que finalmente passem a existir concursos públicos
de arquitectura promovidos pela CMLisboa (o último
ocorreu no início dos anos 90...); que a rede
de metro se densifique de tal forma que o recurso sistemático
ao automóvel deixe de fazer sentido; que os promotores
imobiliários continuem a aumentar o grau de exigência
relativamente aos projectistas que contratam; que a
cidade cresça mais para a margem sul com a qual
tem uma “plataforma” de ligações
de uma grande beleza (estuário do Tejo); etc...
Não considera os “Vazios Urbanos”,
tais como são, espaços de eleição
para uma legítima distopia?
Os Vazios Urbanos apresentam-se sob formas tão
diversas, e por vezes estratégicas, que os torna,
sem dúvida, espaços privilegiados para
reflectirmos sobre a nossa civilização.
Biografia
Comissário-Geral da Trienal de Arquitectura de
Lisboa
Arquitecto pela FAUTL
Vice-presidente do Conselho Directivo da Ordem dos Arquitectos
Secção Regional do Sul
|