Uma cultura de objectivos e
resultados é a base de uma gestão eficaz?
Muitos gestores dirão que sim, que é através
da fixação de objectivos e da medição
dos resultados que as intenções da gestão
de topo se traduzem em acções de toda
uma organização. Eu penso que a preocupação
com os objectivos e os resultados é natural,
pois faz parte da experiência de qualquer gestor,
mas é preciso ver para além da superfície.
Aquilo a que se chama ‘cultura de objectivos e
resultados’, muito popular no discurso dominante
na gestão, é traduzida na vida concreta
das organizações através de uma
série de instrumentos e técnicas de gestão
cujo objectivo é definir acções,
controlar a sua execução e avaliar os
seus resultados. Se os gestores não estiverem
atentos, essas técnicas de controlo podem produzir
padrões de relacionamento que degeneram numa
cultura conservadora, avessa aos riscos e à inovação
e cujo horizonte não vai além da próxima
demonstração de resultados. A sustentabilidade
da organização para além desse
horizonte é essencial para uma gestão
eficaz e, para isso, é preciso encontrar um equilíbrio
entre os resultados imediatos, que libertam recursos,
e a capacidade de assumir riscos e inovar para gerar
o valor futuro.
O estado futuro de um sistema adaptativo complexo
pode ser previsto, antecipado ou controlado?
Não pode. Esse é um dos aspectos mais
inovadores das ciências da complexidade, a noção
de que existem fenómenos cujo comportamento não
pode ser previsto, antecipado nem controlado, mas nos
quais se podem observar padrões dinâmicos
de comportamento com alguma estabilidade, alguma ordem.
Um sistema adaptativo complexo é composto por
um conjunto de agentes, com regras e objectivos próprios,
que interagem entre si. Quando se observa que a ordem
pode emergir num sistema desses, isso demonstra que
a “ordem” não resulta apenas da intenção
e do controlo. A “ordem” pode surgir simplesmente
como um padrão emergente.
Como é que sistemas não regulados
podem produzir ordem através simplesmente da
interacção entre os agentes que o compõem?
Isso foi uma surpresa para os próprios investigadores
que identificaram esse comportamento. A ordem emerge
da interacção pela interdependência
entre esses agentes. Cada um, ao decidir com base nos
seus objectivos próprios, acaba por contribuir
para o padrão de interacção que
emerge do conjunto das interacções e dos
objectivos. Admitir que a ordem pode emergir de forma
imprevisível coloca em causa o paradigma científico
dominante, que sugere que se não se consegue
prever alguma coisa é porque não se estudou
o suficiente…
Qual é a crise do paradigma científico
dominante?
O nosso conhecimento científico desenvolveu-se
desde o Renascimento procurando relações
directas entre causas e efeitos, atingindo um sucesso
suficientemente grande para nos proporcionar o conforto
de que gozamos actualmente no mundo desenvolvido. Esse
sucesso pareceu prometer, como Pierre Laplace expressou
no início do século XIX, que seria possível
encontrar uma fórmula tal que seria capaz de
prever os movimentos de todos os corpos do Universo,
dos maiores planetas até ao menor dos átomos,
eliminando assim toda a incerteza. Mas foi a própria
evolução da ciência que destruiu
esse sonho, ao demonstrar que há muitos fenómenos
no nosso mundo que escapam a esta relação
linear entre causas e efeitos. Nesses fenómenos
é impossível eliminar a incerteza. Isso
foi demonstrado, por exemplo, pelo Princípio
da Incerteza de Heisenberg, pelo Teorema da Incompletude
de Gödel ou pelas Ciências da Complexidade.
Não deixa de ser irónico que a gestão,
tal como as outras ciências sociais, continue
a procurar o sonho de um conhecimento objectivo e determinista
quando a enorme interdependência entre as pessoas
que constituem organizações e empresas
tornam esses grupos de pessoas, por definição,
cada vez mais difíceis de prever e controlar.
Os gestores precisam de encontrar alternativas ao discurso
dominante da gestão!
Que novas fontes de conhecimento exigem as
alternativas ao discurso dominante na gestão?
É preciso cautela quando se procuram bases para
discursos alternativos. As ciências da complexidade
podem oferecer analogias interessantes para compreender
o que se passa numa empresa, mas é errado dizer
que uma empresa é um “sistema adaptativo
complexo” (pode ter comportamentos análogos,
mas um grupo de pessoas é qualitativamente diferente)
ou sugerir que as equipas se devem “auto-organizar”.
Não há fonte de conhecimento mais importante
para um gestor do que a sua própria experiência
e não há instrumento analítico
mais poderoso do que a sua capacidade de reflexão.
Gerir hoje em dia é cada vez mais ter a coragem
para continuar a agir, apesar da ansiedade provocada
por aquilo que não se conhece e que não
se consegue controlar.
Biografia
Doutorado em mudança
organizacional pela Universidade de Hertfordshire e
graduate member do Complexity and Management Centre.
É actualmente Coordenador Adjunto do Plano Tecnológico,
depois de ter desempenhado nos últimos anos as
funções de director do portal SAPO, coordenador
de projectos web na direcção de comunicação
corporativa do Grupo PT e analista sénior na
direcção de desenvolvimento de negócios
da mesma empresa. Desde Março de 2006, é
também colaborador permanente do painel quinzenal
Discutir a Gestão no Diário Económico.
Depois de concluir a sua licenciatura em Gestão
de Empresas na Universidade de Évora, desempenhou
várias funções na esfera pública,
tendo sido adjunto do Secretário de Estado da
Juventude António José Seguro, adjunto
para os assuntos da educação do Primeiro
Ministro António Guterres e chefe de gabinete
do Ministro da Presidência e das Finanças
Guilherme d’Oliveira Martins.
Tem 32 anos de idade e é o pai orgulhoso de uma
filha com um ano.
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