Como berço da Língua Portuguesa, que direitos deve reclamar Portugal na legislação da sua evolução?
Julgo que Portugal não poderá invocar outros direitos que não sejam os direitos morais. E mesmo esses de forma, digamos, diplomática, porque, como já foi dito milhares de vezes, não somos donos da língua. Os outros países em que o Português é idioma oficial contribuem também, cada um à sua maneira, para o refinamento do idioma e para a sua afirmação como grande língua de cultura. Neste como noutros domínios a reivindicação de direitos deve dar lugar à negociação e ao entendimento.
Num mundo em que o inglês se afirmou definitivamente como um esperanto, a estratégia para defender as línguas minoritárias deve ser por aliança e esbatimento das suas diferenças ou pela valorização de nichos e afirmação das suas especificidades?
Não creio que o Português seja uma língua minoritária. Quando muito, é uma língua cuja influência e projecção internacionais são proporcionalmente inferiores ao peso demográfico dos mais de 200 milhões que falam Português. Não tenho dúvidas, entretanto, de que uma estratégia viável para a afirmação internacional do Português passa inevitavelmente pela conjugação de esforços entre todos os países de língua oficial portuguesa. O que nunca chegará para pôr em causa as singularidades locais da língua.
Os artistas, nomeadamente os poetas, como deverão relacionar-se com as regras propostas?
Os poetas - os escritores, de um modo geral - estão na vantajosa situação de trabalharem a língua sob o signo da criatividade e, às vezes, da derrogação da norma. A impositividade da regra é, nesse contexto, saudavelmente limitada. O que não significa que os escritores, mesmo quando são considerados "subversivos", no plano da língua, não possam depois ser reconhecidos como os inovadores que apontam o caminho que mais tarde o idioma acaba por seguir. Garrett e Eça foram considerados, no seu tempo, transgressores da norma e mesmo ignorantes do vernáculo e são hoje modelos de uma língua literária ainda extraordinariamente sedutora.
Que riscos corre o Português de Portugal de vir a ser considerado um dialecto em relação ao Português do Brasil?
Se Portugal não acompanhar o Brasil numa política de língua com comuns objectivos estratégicos, acabará por ser ultrapassado por um país com um número de falantes que é quase vinte vezes superior aos do Português de Portugal. Isto a par de uma influência política e de um poder económico esmagadores, quando comparados com a dimensão portuguesa. Sendo assim, se não houver a tal sintonia estratégica e se se acentuarem as diferenças, o Português arrisca-se a ser reduzido à dimensão do Galego.
O que caracteriza a identidade de uma língua?
A meu ver, a identidade de uma língua está sobretudo nos conceitos, nas representações e nas modulações que plasmam uma visão do mundo que tem que ver com a História, com a memória colectiva, com a paisagem, com os modismos e com a criativa singularidade da criação literária que a passagem do tempo foi legando. Significa isto, por outro lado, que na grafia há muito mais convenção transitória (e hábitos superáveis) do que a densidade identitária que é própria do léxico, da sintaxe ou da entoação da pronúncia.
Biografia
Reitor da Universidade Aberta
Licenciou-se em Filologia Românica em 1974, doutorou-se em Literatura Portuguesa em 1983 e obteve o título de agregado em 1989, sempre pela Universidade de Coimbra. É professor catedrático desde 1990.
Publicou mais de uma dezena de livros, tendo-se consagrado em especial ao estudo da obra de Eça de Queirós e da sua geração.
Um dos mais acérrimos defensores do acordo ortográfico da Língua Portuguesa.
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