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#17 | 26 de Março 2008
 
     
 



Fernando Nobre
“Faço a minha parte”

 

O que é o Ocidente do ponto de vista de um árabe?
Um árabe, quando olha para um ocidental, vê-o parte de uma Cultura que os domina e os humilha, que os quer fazer ver o mundo de uma maneira, sem ter em conta o valor que eles, como Cultura, tiveram na História.
Por sua vez, os ocidentais vêem os árabes como uma civilização caduca, que parou no tempo.
Por isso, sempre que vou a um país árabe, tenho a noção que estou em perigo, pois a minha tez reconhecível me identifica com a minha cultura ocidental sentida por eles  como opressora.
 
Qual o peso real das divergencias religiosas nos conflitos actuais?
Os extremistas das três religiões monoteístas tendem a justificar o que é económico e geoestratégico como uma questão religiosa. Importa salientar que  Maomé no Alcorão reconhece e respeita Abraão, Isaac, Jacob, Moisés e Jesus.
A maioria das pessoas e dos intelectuais judeus, cristãos e muçulmanos reconhecem a existência nas três religiões monoteístas de pontes de respeito mútuo e de entendimento.
 
“Terrorismo” é apenas “um termo utilizado pelas forças dominantes em relação àqueles que resistem”?
A linguagem atingiu um tal grau de eufemismo cínico que a palavra terrorismo se tornou volátil e aplica-se segundo o momento e a moda.
Falo por mim. Em 1961 em Luanda, nós referíamo-nos à UPA e depois ao MPLA e à UNITA como os turras, os terroristas.
Na História do Médio Oriente, Menachem Begin foi líder de um movimento considerado terrorista pelos ingleses, o Irgun, que massacrou mais de 200 pessoas na aldeia palestiniana de Deir Hiassein, o que não o impediu que tivesse sido Primeiro-ministro e Prémio Nobel da Paz. Yasser Arafat, já depois de ter recebido o Nóbel da Paz foi depois considerado terrorista.
A própria imprensa ocidental que apelidava os resistentes tchetchenos de “lutadores pela liberdade” passou a chamar-lhes terroristas depois de os EUA terem dado cobertura a Putin após o 11 de Setembro.
Hoje, no médio oriente, há duas formas de terrorismo em confronto: um terrorismo de Estado praticado por um Estado democrático que não se coíbe de fazer execuções extra-judiciais, ditas cirúrgicas, nomeadamente  com os seus helicópteros.
Por outro lado, o terrorismo do Hamas, cuja criação, refira-se, foi incentivada pelo próprio Estado de Israel como força opositora ao movimento Fatah de Yasser Arafat.
 
Quem tem razão?
A máxima “ou estão por mim ou contra mim” dos regimes ditatoriais não pressupõe que somos todos cinzentos. Todos nós portugueses, por exemplo, temos uma gota de sangue judeu, uma gota de sangue árabe e uma gota de sangue negro.
Se crianças atiram pedras contra tanques, são alvejadas porque “estão a praticar actos terroristas”. Se os tanques respondem estão “legitimamente a retaliar contra ataques terroristas”. Onde está a lógica? O que se está a passar no Médio Oriente é o que está a alimentar a visão de “conflito de culturas e de religiões”, que está a envenenar as relações internacionais.
Felizmente que de ambos os lados do conflito Israelo-palestiniano há movimentos que apelam ao bom senso, à razão e à justiça. É minha esperança que se possam  sentar à mesa e resolver os seus diferendos pelo diálogo. Acredito que o mundo pode evoluir por reformas graduais e nunca pela violência.
 
As favelas de Caracas legitimam a opção do Che?
Embora definindo-me como um pacifista, não sei se não optaria também por atirar pedras se, na pele de um jovem palestiniano, fosse forçado a percorrer 40 a 60 quilómetros, passando 10 a 15 check-points (onde me obrigam a ficar de cócoras discricionariamente as horas que entenderem e se necessário a despir a camisa ou a baixar as calças), quando antes da construção do muro levava cinco minutos pelo laranjal até à casa dos meus pais…
Por outro lado, como iraquiano, se um míssil entrasse pela janela de casa da minha mãe matando-a; se um grupo de soldados maltratasse a minha irmã ou violasse a minha filha; saqueasse os museus do meu país e dinamitasse os palácios e pontes do meu país, muito provavelmente tornar-me-ia resistente para defender os valores e a cultura da minha civilização.
Chego a compreender que perante situações de humilhação profunda que certas pessoas vivem no seu quotidiano durante décadas  possam tomar atitudes extremistas. Note-se que compreender e explicar não é sinónimo de justificar!
Tendo feito parte da rota que o Che fez, nomeadamente visto a miséria de Guaiaquil no Equador, posso entender que aquele meu colega, a um dado momento , entre pegar na sua mochila com os apetrechos médicos e pegar na metralhadora, tenha optado pela segunda.
São decisões instantâneas, só quem é confrontado com elas é que pode decidir.
Mas a frio, rejeito a violência, porque todas as revoluções, Francesa, Iraniana, Soviética… acabaram por ser autofágicas. Prefiro as reformas persistentes e graduais.
 
Dentro de 20 anos:
Sem querer ser pessimista, e apesar de haver uma tomada de consciência colectiva de cidadania global que está a reagir, receio muito pelo que os nossos filhos e netos terão que enfrentar.
Nos ultimos 30 a 40 anos sucederam-se acontecimentos que irão resultar em fenómenos globais já inevitáveis.
A ausência de desenvolvimento em grande parte de África está a gerar um fluxo migratório sul-norte imparável que, apesar do arame farpado, irá questionar a nossa própria estabilidade democrática; não sei mesmo em que ponto no Ocidente já não teremos entrado na “pós-democracia”, um novo conceito político no qual os cidadãos, a troco de maior segurança, aceitam ceder parte dos seus direitos e das suas liberdades.
A questão ambiental, além de acentuar os fluxos de emigrantes climáticos, com as suas consequências sociais e políticas, poderá degenerar mesmo em conflitos de gravidade próxima dos conflitos atómicos.
Pela situação que todos nós criámos, façamos o que fizermos hoje, já nada poderá ser evitado nos efeitos climáticos previstos, segundo os especialistas, nos próximos 20 a 30 anos.
 
O que é a Cidadania Global Solidária?
No Forum Social Mundial de Porto Alegre, constatei que das quarto partes do mundo chegavam pessoas com as mesmas preocupações humanísticas.
Os cidadãos do mundo começaram a perceber que, perante as alterações sociais e climáticas em curso, tinham que se organizar em rede para fazer pressão no sentido de se implementarem alterações profundas. Assim, sentiram a necessidade de exercer uma pressão constante e consistente sobre os poderes políticos globais.
A título de meros exemplos, refira-se que o Tribunal Penal Internacional e o Tratado Anti Minas Pessoais só foram possíveis  perante a pressão da sociedade civil mundial.
O vírus da ganância referido por Alan Greenspan anda aí e é galopante e parece que em nome dele todas as agressões estão justificadas. Não é verdade. Não podemos fugir para outro planeta, muito menos para outra galáxia.
A Cidadania Global Solidária é uma consciência colectiva concertada que pode servir de travão a certos desvarios praticados no planeta Terra.
A sociedade civil organizada em termos globais será talvez a última muralha contra o Apocalipse.
 
Onde nasce a sua esperança?
Tenho a perfeita consciência que estamos a remar contra uma maré poderosíssima.
Uma história: durante um incêndio na floresta, enquanto todos os animais fugiam, um passarito ia e vinha entre o ribeiro e as chamas com uma gota de água no bico, ao que os animais lhe perguntaram o que fazia, pois o seu esforço parecia infrutífero; “Faço a minha parte”.
Em termos globais há muitas instituições e muitos seres humanos que não se demitem de fazer a sua parte, senão mais valia serem kafkianos e darem um tiro na cabeça.
O que está hoje em causa é sabermos que tipo de sociedade humana desejamos.
Numa sociedade de três pilares, o Estado, o Mercado e os Cidadãos, eu acho que os Cidadãos devem ser o vértice para o qual os outros pugnam. Mas há quem ache que o Mercado deve ser o fim, em si. O Estado entretanto tem-se diluído no Mercado.
Estou convicto que as forças da retaguarda, que são os Cidadãos, se estão a mobilizar para vencer esta batalha, aparentemente muito desigual. Mesmo aqueles que diziam que o Mercado era o novo e único deus, perante os acontecimentos recentes associados ao sub-prime, começam a achar que o Estado deve ser mais regulador e interveniente.
O grande erro que as forças do Mercado cometeram foi o de pensarem que já tinham conseguido estabelecer definitivamente um paradigma de sociedade baseada unicamente no ganho em vez do ser humano.

Biografia
Presidente da Assistência Médica Internacional (AMI). Médico de formação, pertenceu aos “Médicos sem Fronteiras” de 1977 a 1983. Em Dezembro de 1984 fundou a AMI. Já participou em missões de ajuda humanitária em cerca de 100 países.
É Medalha de Ouro para os Direitos Humanos da Assembleia da República e Doutor Honoris Causa da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

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