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#99 | 08 Abril 2008
   
 
     
 



Ricardo Águas
“A luta contra a malária resume-se mais a uma questão socio-económica do que propriamente a uma questão biológica”

 

É possível eliminar a malária das zonas onde é endémica?
Historicamente a malária é uma enfermidade eliminável de populações em que é endémica. A erradicação da malária da Europa é recente, tendo a Organização Mundial de Saúde declarado a eliminação da malária de Portugal em 1974. Em termos epidemiológicos, uma zona diz-se endémica quando a transmissão de um agente infeccioso é mantida na população sem que haja necessidade de introduções externas. Essa endemicidade pode ser catalogada consoante os níveis de transmissão mantidos na população como muito baixa a muito alta. Hoje em dia, existe consenso de que a malária seja erradicável numa determinada região, desde que o nível de endemicidade não seja muito elevado. O problema fundamental é que nenhuma região, ou mesmo país se encontra isolado do mundo que a(o) rodeia. Uma das conclusões do nosso modelo matemático é que o combate à malária no continente africano tem que ser levado a cabo de forma integrada, ou seja, tratar o continente como um todo e intervir de forma adequada e uniforme em todos os países e regiões. Anteriormente aos nossos resultados já se reconhecia que uma estratégia para eliminar a malária se deveria estender a um plano maior que o regional e nacional. Neste momento a África do Sul está a levar a cabo uma campanha extremamente agressiva na luta contra a transmissão da malária no seu país, chegando a estender essa política além fronteiras, nomeadamente ao sul de Moçambique, tendo obtido excelentes resultados, e estando neste momento perto da eliminação da malária de todo o seu território.

A malária é pouco investigada devido à sua pequena expressão no mundo ocidental?
A malária não é de todo pouco investigada. O corpo de investigação da malária em Portugal é muito extenso com unidades bastante reconhecidas tanto no Instituto Gulbenkian de Ciência como no Instituto de Higiene e Medicina Tropical de Lisboa como no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, só para citar alguns. É verdade que a malária não tem o peso de áreas de investigação como o cancro ou HIV, mas também é verdade que a investigação da malária atrai anualmente muitos milhões de euros para a investigação científica, sendo um dos maiores financiadores a fundação Gates.

A nova visão optimista sobre a erradicação da malária, do que é que necessita para ser exequível?
Os nossos resultados demonstram que existe um limiar de erradicação da malária em zonas de transmissão moderada a baixa. O que esse limiar nos indica é qual o número de casos de malária abaixo do qual a erradicação é possível e sustentável. A melhor forma de erradicar a malária é uma conjugação de duas coisas. Em primeiro lugar, aplicação de medidas de controlo de transmissão que tenham como alvo os mosquitos como a utilização de insecticidas e redes mosquiteiras; em segunda instância, distribuição e aplicação de tratamento anti-malárico em massa na população, por forma a eliminar os parasitas, particularmente nos casos assintomáticos. Estes últimos são extremamente importantes para a manutenção da transmissão numa população, uma vez que, ao não apresentarem sintomas, normalmente não são devidamente reconhecidos ou atempadamente tratados. Para que a erradicação da malária seja exequível é então necessário traçar directivas no sentido de reconhecer o quão importantes os casos assintomáticos são e actuar de forma integrada. Uma zona que esteja a ter resultados muito bons no sentido da eliminação está sempre sujeita às forças das regiões que a circundam. Por exemplo, nas montanhas do Quénia onde a malária tinha sido previamente eliminada, recentes surtos estão a ser causados pela migração da população entre essas zonas e as zonas baixas onde a transmissão é bastante elevada.

É possível "secar pântanos e usar redes antimosquitos" em áreas tão vastas que incluam o Quénia, Gambia, Malawi e Tanzânia?
A transmissão da malária é um fenómeno relativamente localizado. Não se processa com a mesma intensidade em toda a extensão de um país. Para que haja transmissão do parasita da malária, é necessário que haja uma distribuição significativa de mosquitos nessa população. Ora os mosquitos para se reproduzirem necessitam de condições específicas como humidade e temperatura adequadas, sendo normalmente essencial a disponibilidade de um corpo de água estagnada onde consigam depositar os ovos. É por isso que a transmissão da malária é virtualmente inexistente em zonas frias e secas. É também pouco intensa em meio urbano quando em comparação com o meio rural. É neste último que subsistem os grandes focos de transmissão de malária e é aqui que intervenções como secar ou limpar frequentemente corpos de água estagnada e medidas de prevenção de transmissão, como distribuir redes mosquiteiras na população, devem ser aplicadas com grande rigor. O controlo nestas regiões com transmissão muito intensa é crucial, tanto mais que os mosquitos não conseguem voar mais que 2 km num determinado dia, acentuando o carácter focalizado da transmissão da malária.

Que ensinamentos foram tirados das experiências com insecticidas nos anos 60?
Nos anos 60 foi levada a cabo uma iniciativa mundial de combate à malária. Este programa de erradicação da malária tinha como principal objectivo a interrupção da transmissão e focava-se na tentativa de eliminar os vectores (mosquitos) da doença do ecossistema. Essa intervenção teve resultados completamente antagónicos em África e no resto do mundo. Na Europa e na América do Norte e Central a eliminação foi conseguida com relativa facilidade e dentro do tempo estabelecido. Em todos esses países a transmissão da malária era predominantemente sazonal, apresentando endemicidade baixa ou moderada. Em 1965 cerca de 57% da população das áreas endémicas originais do mundo vivia agora em países em que a erradicação foi conseguida. Por outro lado, nas zonas em que a transmissão de malária já era mais intensa, os problemas começaram a acumular-se e avolumar-se. Em 1970 quase 20% das áreas com malária apresentava ou vectores com resistência a DDT, ou parasitas resistentes a cloroquina (droga anti-malárica), ou ambas. Em retrospectiva, a iniciativa de erradicação foi lançada antes que todo o espectro de variantes e reacções ecológicas às medidas aplicadas fosse estudado e avaliado em diferentes condições eco-epidemiológicas. A multiplicidade destas variáveis implica o desenvolvimento de extensivos estudos de campo. Por exemplo antes da campanha da erradicação da varíola, estudos decorreram por mais de 6 anos antes de se iniciar a aplicação da estratégia no campo. Na erradicação da malária nos anos 60 estas medidas preventivas foram negligenciadas ou inadequadas em número e extensão da aplicação.

O desenlace da luta contra a malária vai ser uma questão de recursos?
Cada vez mais se reconhece que a luta contra a malária se resume mais a uma questão socio-económica do que propriamente a uma questão biológica. Apesar de grandes esforços ainda estamos muito longe de uma vacina que posso ser distribuída em larga escala em África e estudos preliminares demonstraram-se desencorajadores. O facto é que existem, hoje em dia, meios disponíveis que permitem controlar a malária mesmo em extensas regiões em África. A questão primária prende-se ao nível logístico e económico. É difícil criar toda a logística que envolva o fácil acesso da população a tratamento anti-malárico, particularmente em meios rurais, ter disponíveis agentes de saúde pública com treino especializado, medicamentos em doses suficientes e de baixo custo, etc. O outro espectro da intervenção trava-se ao nível social. Estudos antropológicos demonstram que não é fácil incutir na população uma determinada conduta de tratamento perante certos sintomas. Em África muitas vezes a população prefere utilizar métodos da chamada medicina tradicional quer por crença pessoal ou religiosa, o que compromete em grande medida o sucesso de qualquer iniciativa de intervenção.

Biografia
Investigador do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC).
Principal autor de um estudo, publicado na revista PLoS ONE, que mostra que a erradicação da malária é possível, determinando alvos quantificáveis para reduzir a sua transmissão e combater a doença.

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