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#98 | 03 Março 2008
   
 
     
 



Luís Gargaté
“O que se pretende é um sistema que proteja os satélites e naves espaciais”

 

Quais as características do plasma e onde o podemos encontrar?
Um plasma não é mais do um conjunto (normalmente muito grande) de partículas carregadas electricamente - iões e electrões, que por serem carregadas exibem características muito interessantes. No fundo trata-se de um quarto estado da matéria; se conseguirmos aquecer um gás a uma temperatura muito alta, os constituintes desse gás, os átomos ou as moléculas, vão-se decompor nos seus constituintes fundamentais - os electrões, partículas carregadas de carga negativa, e os iões, partículas carregadas de carga positiva.
De facto na natureza, cerca de 99% de toda a matéria observavel está neste estado, as estrelas (o sol), e mesmo o espaço que normalmente se considera ser apenas "vazio" está na realidade preenchido por um plasma muito ténue (com baixa densidade) que é o vento solar, um plasma que é libertado continuamente pelo sol.
A importância deste ramo da ciência é grande: aceleradores de partículas compactos com aplicações na medicina e fusão controlada para produção de energia são duas das aplicações de ponta hoje em estudo no ramo da física dos plasmas.
Exemplos mais comuns de plasmas incluem as lâmpadas economizadoras, os relâmpagos, chamas de um qualquer fogo, e as televisões de plasma (o plasma está nas células que emitem a luz que forma a imagem na televisão). Se aproximarmos um qualquer objecto metálico de uma fonte de energia eléctrica de alta tensão também se forma um plasma, o arco eléctrico, entre a fonte de energia e o metal... mas isso eu não aconselho ninguém a experimentar.

O que acontece a uma bolha de gás no espaço quando atingida por radiação solar?
Os raios ultra-violeta, os mesmos que provocam o bronzeado da pele, são partículas de luz que, ao incidirem sobre certos gases, os ionizam - transformam o gás em plasma. Isso é o que acontece quando se solta uma bolha de gás no espaço. Mais concretamente a bolha de gás expande-se livremente devido à ausência de gravidade. À medida que se expande, os raios UV vão ionizando as partículas e forma-se um plasma. A dinâmica de todo este sistema complica-se quando o vento solar, o plasma proveniente do sol, começa a interagir com este plasma, criando um choque, aceleração de partículas e ondas de plasma e electromagnéticas. Trata-se então de um sistema complexo em que um plasma embate a cerca de 400 km/s num outro plasma que se expande livremente a uma velocidade de cerca de 3 km/s.

Qual a exequibilidade hoje de criar uma bolha de gás protectora à volta de um objecto?
A questão está mais na eficácia e no propósito de um tal sistema e menos na sua exequibilidade. Foram feitas experiências nos anos 80 que consistiram na formação destas bolhas de gás no espaço - as experiências AMPTE. O objectivo na altura era estudar a interacção destas bolhas de plasma com o vento solar, e foi o que inspirou as simulações que foram agora concluídas.
As bolhas de gás nessa altura não foram feitas à volta dos satélites que as criaram, mas é fácil imaginar um sistema que crie um plasma em redor de um satélite com as características pretendidas (densidade e temperatura).
A questão importante hoje em dia, e o que se pretende explorar com as experiências em laboratório e simulações que estão a ser feitas, é um sistema que proteja os satélites e naves espaciais tripuladas de partículas muito energéticas que vêem do sol. Estas partículas são iões que, ao sentirem a presença da bolha de plasma gerada pelo satélite e o efeito de um campo magnético também presente (semelhante ao campo magnético da terra), vão ser desviadas e assim impedidas de embaterem no satélite e causarem danos. De facto a ideia é mesmo tentar copiar o que a terra faz naturalmente: a terra possui um campo magnético e está envolvida por um plasma, num sistema designado magnetoesfera, que nos protege destas partículas carregadas que vêem do sol e do próprio vento solar. Sem a magnetoesfera terrestre, a vida na terra não seria possível.

O que é um cometa artificial?
Os cometas artificiais são precisamente estas bolhas de plasma criadas pela libertação de um gás no espaço. De facto, um dos objectivos das experiências AMPTE dos anos 80 era a de se tentar perceber a dinâmica dos cometas naturais. Os cometas naturais são aglomerados de matéria com alguns quilómetros de diâmetro. As poeiras e os gases que os cometas libertam ao viajarem pelo espaço formam as caudas de poeira e plasma que são visíveis nas fotografias. A diferença para os cometas artificiais é que nestes só temos a o plasma, não temos a poeira.

Com a sua simulação, que novas perspectivas se abriram sobre a criação de cometas?
As simulações realizadas agora foram as primeiras onde se observaram efeitos cinéticos importantes nas partículas da nuvem de plasma. Foram feitas muitas simulações das experiências AMPTE desde os anos 80, mas a complexidade do sistema e a grande área de interacção entre o vento solar e a bolha de plasma foram sempre um desafio do ponto de vista da simulação numérica. O que foi feito agora foram simulações destes objectos com uma resolução muito elevada, isto é, tratou-se de analisar os resultados de um sistema que já é conhecido desde os anos 80 mas com um "microscópio" melhor. Assim é possível ver mais detalhes, em particular é possível ver aceleração de partículas da bolha de plasma e compreender quais os mecanismos desta aceleração.
Esta inovação só foi possível graças ao grande desenvolvimento tecnológico na área da computação - computadores com mais memória e mais rápidos permitem fazer simulações com resoluções cada vez maiores. Este facto foi o que nos levou a tentar estudar o problema que temos agora em mãos; o problema de tentar proteger um satélite com uma bolha de plasma e um campo magnético. A diferença para as simulações iniciais do sistema AMPTE dos anos 80 é a adição do campo magnético, que torna o sistema bastante mais complicado de estudar e portanto fora do alcance dos sistemas informáticos e códigos de simulação de há uns anos atrás.

Quais as características do cluster do IST que o tornam único para cálculo científico?
Segundo os mais recentes testes de velocidade, o cluster do IST é o cluster para calculo científico mais rápido de Portugal. Um cluster é, na verdade, um conjunto de computadores, que estão ligados entre si por uma rede informática de alta performance que permite que os computadores trabalhem em conjunto para resolverem um determinado problema.
Assim é possível utilizar um cluster como se fosse um só computador, mas um computador neste caso com 280 processadores a funcionarem a 2.4 GHz e 560 GB de memória RAM. É isso que permite que se estudem estes sistemas complexos que são os plasmas.
Uma das características mais importantes deste cluster em particular, é que consome menos energia do que os sistemas mais convencionais. Trata-se de uma arquitectura em "blade" - cada computador consiste num sistema com uma motherboard, 4 processadores, um disco e as respectivas placas de memória mas sem sistema de ventilação próprio. O sistema de ventilação é partilhado entre 14 destas máquinas permitindo assim uma eficiência energética muito maior comparada com os sistemas convencionais. Permite também grandes reduções de espaço físico necessário para a instalação da máquina.

Existe alguma relação entre as paixões de “voar à vela” e académica?
De facto à primeira vista não existe nenhuma relação. O voo à vela, ou em termos mais comuns, o voo de planador, é um desporto fantástico que exige uma grande concentração, como todos os desportos do ar, e que proporciona um enorme desafio e uma enorme satisfação. Trata-se de voar sem meio de propulsão próprio, ou seja, sem motor, numa aeronave de alta performance - o planador. O desafio, em relação a voar num avião com motor, advém do facto de se estar muito mais dependente das condições atmosféricas para se conseguir subir e para se conseguir ir do ponto A ao ponto B. É crucial a concentração e o conhecimento das condições climatéricas.
Na minha opinião é no desafio que o voo de planador e a actividade científica se tocam; são desafios muito diferentes, mas foi o mesmo gosto pelo desafio que me levou às duas actividades. Para quem esteja interessado em saber mais, ou quem sabe sentir o que é voar de planador, fica o convite para visitar a página do Aero Club de Portugal em www.aecp.pt.

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Biografia
Aluno de Doutoramento em Física dos Plasmas no Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa
Prémio Óscar Buneman para melhor visualização científica, na categoria de visualição animada, atribuído na 20ª conferencia internacional de simulação numérica de plasmas, Austin Texas, 2007

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