Como é que
se forma o centrossoma?
O centrossoma é como um centro de controlo da
célula: lá se definem e saem as estradas
por onde andam as moléculas – os microtúbulos.
Como num parlamento, lá se encontram e se modificam
muitas das moléculas que regulam a célula.
O centrossoma contribui também para garantir
que a divisão do material genético se
faz sempre de uma forma fidedigna. Neste processo, dois
centrossomas colocam-se em pólos opostos da célula
e formam “estradas” que se estendem dos
pólos até ao centro, onde estão
os cromossomas. Os cromossomas seguem essas estradas
para viajar para os pólos. Este processo dá
origem a duas células novas e independentes com
o mesmo número e conteúdo de cromossomas,
isto é, o mesmo material genético. É
muito importante que não haja perda ou ganho
de material genético, pois esses erros estão
associados ao cancro. Quando uma célula nasce
ela tem apenas um centrossoma. Para que ela dê
origem a duas células novas tem de se formar
um novo centrossoma. Nós mostrámos que
a molécula que tem os “planos de construção”
deste novo centrossoma chama-se SAK. Na sua ausência
não se formam centrossomas, no seu excesso formam-se
muitas destas estruturas. Nós estamos a tentar
perceber neste momento o que é que esses planos
são, nomeadamente quais são as outras
moléculas envolvidas neste processo.
Em que casos a reprodução de
células prescinde do centrossoma?
Algumas células multiplicam-se normalmente sem
centrossomas. Isto porque as estradas (microtúbulos)
que referi acima, por onde os cromossomas viajam para
os pólos para formar cada uma das células
novas, podem ser formadas por mecanismos alternativos
que não dependem dos centrossomas. O Helder Maiato,
investigador no IBMC, e a Renata Basto, investigadora
em Cambridge, têm feito contribuições
muito importantes para perceber esses mecanismos. Muitas
das nossas células utilizam os dois mecanismos
simultaneamente, talvez para garantir que a divisão
do material genético é perfeita e não
ocorrem erros. As células germinais femininas
não têm centrossomas. Especula-se que é
para garantir que o ovo só se desenvolve após
fertilização, pois é o espermatozóide
que traz o centrossoma.
Que passos terão de ser dados para testar
a hipótese de este processo ser associado ao
cancro?
É preciso fazer uma melhor caracterização
de vários tipos de cancro para perceber se a
alteração do número de centrossomas
é realmente algo que ocorre muito cedo no cancro.
Será também importante manipular experimentalmente
o número destas estruturas e ver se estas alterações
podem levar ao aparecimento de cancro em modelos experimentais.
Será também muito interessante perceber
se estas moléculas que estão associadas
à formação destas estruturas, como
a molécula SAK, estão alteradas no cancro.
O que há de miraculoso na mitose?
A multiplicação das células no
organismo (mitose) é o fenómeno que permite
aos organismos desenvolver-se desde o ovo (ou embrião)
até ao estado adulto. É no entanto também
um processo que pode estar desregulado no nosso corpo,
levando à formação de massas de
células onde elas não deveriam estar,
um processo que acontece no cancro. No fim de cada ciclo
de multiplicação de uma célula,
o material genético tem de ser dividido entre
as duas células que se formam. Esse processo
chama-se mitose. Como disse na primeira pergunta é
muito importante que não haja perda ou ganho
de material genético, pois esses erros estão
associados ao cancro. A mitose é um processo
muito bem articulado e raramente acontecem esses erros,
dai ser um processo extremamente eficiente.
Biografia
Concluiu a licenciatura em Bioquímica, pela FCUL,
em 1996. Cinco anos depois obteve o doutoramento em
Bioquímica e Biologia Molecular, na University
College London.
Coordenou a primeira investigação sistemática
sobre o modo como um grupo de moléculas regula
a multiplicação de células no Departamento
de Genética da Universidade de Cambridge.
Já publicou artigos sobre este tema em revistas
científicas, nomeadamente na Nature. Começou
o seu trabalho de laboratório em Outubro de 2006
no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC).
|