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#86 | 14 Maio 2007
   
         
 



Dário Passos
“A ‘constante solar’ não é uma constante”

 

Até que ponto o Sol influencia o clima na Terra?
Pensa-se hoje em dia que o Sol pode afectar o clima terrestre através de vários mecanismos. Dada a problemática do aquecimento global, este é um assunto que despertou grande interesse nos últimos anos. Para além da influência óbvia que o Sol tem sobre a temperatura do nosso planeta há ainda outros fenómenos menos conhecidos mas que poderão ser bastante importantes.
A meu ver, podemos tentar seccionar a influência solar em duas vertentes: uma radiativa e outra magnética.
Quando se fala em influência radiativa, estamos a falar da radiação solar que chega até nós na forma de luz visível, infravermelho (calor), radiação ultra-violeta e raio-X. O Sol possui um ciclo de actividade de aproximadamente 11 anos ao longo do qual, a quantidade de energia que debita varia um pouco. Embora para a luz visível esta variação seja inferior a 1% entre máximo e mínimo de actividade, no raio-X e ultra-violeta pode ultrapassar facilmente os 100%. Pensa-se hoje em dia que o ultra-violeta e o raio-X de origem solar alteram de alguma forma a química das camadas superiores da atmosfera terrestre influenciando assim o sistema climático. Os resultados dessa interacção, que podem ir desde o aumento da opacidade da atmosfera (osbcurecimento) até à produção de gases com efeito estufa, são agora um campo de pesquisa activo e com resultados ainda pouco conhecidos.
No que respeita à interacção magnética, esta é algo mais subtil e complexa. A Terra possui um um campo magnético, a magnetosfera, (uma espécie de campo de forças) que nos protege da radiação cósmica. O Sol, por sua vez, é também fonte de um "forte" campo magnético que interage com o campo magnético terrestre fazendo com que a intensidade deste último varie. Quando a "intensidade" da magnetosfera diminui, a Terra fica exposta a um maior fluxo de raios cósmicos (partículas de alta energia). Alguns grupos de investigação, estão neste momento a tentar provar que o fluxo de raios cósmicos tem um papel preponderante na formação de nuvens a baixa e média atitude.
Podemos assim dizer que o campo magnético solar poderá influenciar o clima terrestre através da modelação do fluxo de raios cósmicos que dá origem a nuvens. Estes e outros fenómenos vão agora começando a ser entendidos mas, devido ao seu elevado grau de complexidade, penso que ainda existe um largo caminho a percorrer até se conseguir dizer com alguma certeza seja o que for.
Neste momento está a ser criado no CENTRA (Centro Multidisciplinar de Astrofísica) do Instituto Superior Técnico um grupo de investigação que tem por nome SEI - Sun Earth Interaction. O fundador deste grupo é o Prof. Ilídio Lopes que depois de passar por Paris, Cambridge e Oxford decidiu apostar por este campo de investigação no nosso país. Estamos neste momento a desenvolver investigação nesta linha de acção. Para mais pormenores poderá consultar:
http://centra.ist.utl.pt/research/sei/

Qual o papel das constantes físicas no actual puzzle científico?
As constantes físicas têm um papel importante na Física Solar uma vez que esta é uma área interdisciplinar que envolve os principais campos da Física. É preciso usar Mecânica Quântica para explicar a fusão de Hidrogénio que alimenta o núcleo do Sol; Gravitação, Termodinâmica, Relatividade e Física Estatística para se explicar a estrutura da nossa estrela; Electrodinâmica para explicar os fenómenos magnéticos que se observam na sua superfície e a radiação que emite; e por aí fora.
Gostaría no entanto de chamar a atenção para uma "constante" ligada à Física Solar que na realidade não é uma constante. Estou a falar da quantidade de energia que o Sol debita ou "constante solar". A verdade é que esta suposta "constante solar" não é uma constante e, tal como foi referido na pergunta anterior, varia ao longo do ciclo solar (pouco, mas varia!).

Qual o interface entre a Astrofísica Solar e as Ciências Terrestres?
Assumindo que por Ciências Terrestres estamos a falar de Geofísica/Climatologia, penso que neste momento o interface entre estas duas áreas de investigação é o Space Climate ou "Clima Espacial". Esta área estuda, entre outras coisas, a relação que a nossa atmosfera tem com o espaço interplanetário que nos rodeia. O que acontece quando somos atingidos por uma nuvem de plasma solar depois de uma ejecção de massa coronal (CME - Coronal Mass Ejection)? Ou qual é a resposta da nossa atmosfera a um pico de radiação X? São perguntas como estas que o Space Climate tenta responder e cujas respostas poderão ser muito importantes.
Hoje em dia existem ainda modelos climáticos (programas informáticos que tentam simular o nosso clima) usados em Geofísica que não levam em conta a variabilidade solar. Este facto é compreensível dado o elevado número de variáveis que estes programas têm que ter em conta e que complicam enormemente o trabalho. No entanto sabemos que o clima terrestre é um sistema dinâmico e que apenas uma pequena variação nos parâmetros que o regem, podem ter consequências bastante grandes. Não sou especialista nesta área mas penso que seria muito interessante a adição de uma modelação da variabilidade solar a este tipo de modelos!
Por outro lado, a Física Solar tem também um papel importante para outras áreas de investigação mais fundamentais como por exemplo a Física das Partículas ou a Física dos Plasmas uma vez que podemos pensar no Sol como um laboratório gigante onde se pode ter acesso a condições que são inatingíveis na Terra.

O que caracteriza uma tempestade solar?
Podemos considerar uma tempestade solar como a reacção do nosso planeta a vários fenómenos solares. A conjugação de factores mais usual que costuma estar na origem das tempestades solares são as ejecções de massa coronal (CMEs) seguidas de flares. Uma CME é nada mais nada menos do que a libertação por parte do Sol de uma nuvem de plasma da sua "atmosfera". Estas nuvens de plasma costumam levar consigo grandes campos magnéticos que ao interagirem com a nossa magnetosfera dão origem a "folhas de corrente", deplecção do campo magnético, etc. As "folhas de corrente" são regiões onde existe uma grande concentração de cargas eléctricas devido ao comportamento dos campos magnéticos. Os nossos satélites de telecomunicações, por exemplo, ao atravessarem estas regiões ficam expostos a grandes diferenças de potencial que podem criar graves avarias a nível electrónico.
Por vezes, o efeito da CME traduz-se por uma diminuição significativa do campo magnético terrestre deixando-nos expostos ao segundo factor das tempestades solares, os flares. Podemos pensar nos flares como "erupções solares" de grande energia durante as quais são libertadas quantidades massivas de radiação X e partículas aceleradas de alta energia. Essas partículas (maioritariamente protões e electrões de alta energia) são normalmente desviados pela magnetosfera, mas, no caso de esta estar mais fraca, podem mesmo entrar na nossa atmosfera criando correntes estratosféricas. Estes vários fenómenos combinados podem provocar sobrecargas em linhas de alta tensão que dão origem a apagões como o que se deu no Canadá (Quebec) em 1989.
Já os "picos" de raios-x que atingem o nosso planeta são perigosos para os voos uma vez que as tripulações e passageiros ficam expostos a elevadas doses de radiação.
Estes são apenas algumas das consequências mais visíveis das tempestades solares...

O que é uma lei fractal?
Uma lei fractal é uma lei que rege fenómenos que se comportam da mesma maneira a várias escalas. A minha tese de fim curso na Universidade do Algarve foi feita na área da Física Médica e teve por título "Espalhamento de luz em meios túrbidos - uma aproximação fractal". O intuito deste trabalho foi encontrar uma maneira de poder simular e estudar o comportamento da luz laser em tecidos biológicos (meios túrbidos ou turvos). Os tecidos biológicos são constituídos por células, que por sua vez são constituídas por organelos e toda uma série de pequenos constituintes. Numa primeira aproximação, podemos imaginar que todos estes pequenos corpos de várias escalas espalham a luz como se fossem esferas. Uma parte do trabalho consistiu em simular, com sucesso, o espalhamento de luz laser em tecido cerebral e do fígado através de uma colecção de pequenas esferas em suspensão num líquido. Basicamente podemos imaginar uma "sopa" de micro-esferas com diversos tamanhos (daí o termo fractal) que tem o mesmo comportamento a nível de espalhamento de luz que os tecidos biológicos referidos anteriormente. A isto chamamos um fântoma, i.e., algo que nos permite estudar certos fenómenos sem termos mesmo que usar tecidos reais...
O objectivo a médio, longo prazo deste projecto conduzido pelo Prof. Rui Guerra é a construção de um aparelho tipo "scanner" que permita fazer imagens médicas recorrendo apenas à luz laser, evitando assim os efeitos "menos benignos" dos raio-X (radiografias e TACs).

Qual o lugar do desporto na sua tempestade interior?
Para mim, o desporto é uma maneira de combater a minha "tempestade interior". Durante muitos anos (15 aproximadamente) pratiquei artes marciais (Kempo) o que me deu entre outras coisas auto-disciplina e força de vontade. O Kempo possui uma vertente de competição de combate que também me foi muito útil para fugir ao stress do dia a dia... Além das artes marciais também pratiquei hockey em linha, ginástica e boxe.
Gosto de me sentir em forma e não dispenso uma corrida ao fim da tarde para poder "limpar a cabeça". Tal como diz o ditado "mens sana in corpore sano"...

Biografia
É natural de S.Brás de Alportel onde fez todo o ensino primário e básico.
Frequentou a escola secundária João de Deus em Faro desde o 10º ao 12º ano.
Licenciou-se em Eng. Física Tecnológica na Universidade do Algarve (UALG) em grande parte no regime de trabalhador estudante. Passou pelo Centro Ciência Viva do Algarve como monitor em Física e Astronomia, foi colaborador do laboratório de investigação LIP-Algarve (polo do LIP na Universidade do Algarve), fez páginas web, trabalhou em rent-a-cars e restauração, etc... Durante este período frequentou também algumas escolas (formações), conferências, estágios (CERN na Suiça e UCL em Londres), entre outros.
A sua tese de fim de curso foi feita na área da Física Médica e teve por título "Espalhamento de Luz laser em meios túrbidos - uma aproximação fractal". Ao acabar o curso ainda trabalhou nesta área com o prof. Rui Guerra na UALG durante ano e meio. Findo este período decidiu mudar de área e procurar algo no tema que sempre lhe despertou mais interesse, a Astrofísica. Foi então que conheceu o Prof. Ilídio Lopes, investigador no Centro de Astrofísica do Instituto Superior Técnico e professor na Univ. de Évora que o seduziu para a Física Solar.
Está neste momento a fazer o seu doutoramento nesta área no Instituto Superior Técnico em Lisboa.

Ganhou um prémio de apoio à investigação portuguesa no Programa Gulbenkian de Estímulo à Investigação na área Ciências da Terra e do Espaço 2006.

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