Caso não consiga visualizar correctamente esta edição electrónica clique aqui
#84 | 09 Abril 2007
   
         
 



María Blasco
“Não temos que limitar-nos a viver os anos que os nossos genes marcam”

 

Os seus estudos recentes com a telomerasa revolucionaram o campo da genética. Como descobriram esta enzima?
Inicialmente, a minha intenção era entender como se duplica o material genético. Trabalhei nos Estados Unidos com Carol Greider, que encontrou juntamente com Liz Blackburn uma actividade enzimática, a telomerasa. Constataram que alguns organismos, apesar das várias multiplicações, não perdiam este material nos extremos, o que levava a pensar que devia existir algum mecanismo que fabricasse telómeros (material que forma os extremos dos cromossomas). Esse mecanismo foi chamado de telomerasa e rapidamente se deram conta que podia estar relacionado com o envelhecimento e o cancro. As células que não tiveram telomerasa iam envelhecer e as que tivessem seriam imortais. Na verdade é uma enzima perversa. Se não a tens, as células, ao dividirem-se, encurtam os telómeros, envelhecem e morrem. E se a tens, as células são imortais, mas enchem-se de aberrações, tumores e cancro. As nossas descobertas até ao momento concluem que se a telomerasa está abaixo de determinados níveis há um envelhecimento prematuro.
Podemos entender um pouco melhor o que significam os telómeros se os compararmos com a parte final dos atacadores dos sapatos. Cada vez que as células se reproduzem, perde-se um pouco do que seria o plástico que protege o final desse cordão. No final, ficamos sem o plástico, pelo que esse cordão se deteriora e não serve. Isso quer dizer que as células têm uma data de caducidade da mesma forma que nós.

Foi possível encontrar alguma relação entre a telomerasa e o cancro?
Alterámos os genes da telomerasa em ratos. Demos mais telomerasa a alguns roedores e observámos que ganham mais cancros, mas os que não o desenvolvem vivem mais do que os ratos normais. Isto é, descobrimos que a telomerasa proporciona à célula a possibilidade de dividir-se indefinidamente, mas não gera cancro; tem de haver mais coisas que corram mal na célula para que esta forme um tumor. Eu gostaria que dentro de uns anos se realizassem ensaios clínicos com telomerasa e que pudéssemos travar o cancro graças a ela.
As células cancerosas conseguem viver eternamente gerando grandes quantidades de telomerasa. Esta molécula, que usualmente encontra-se regulada, é anormalmente alta em células malignas, até 100 vezes mais do que os valores comuns. E isto é o que faz com que sejam imortais e possam dividir-se indefinidamente.

O cancro é uma doença que costuma aparecer a partir dos 30 ou 40 anos, que era a esperança média de vida do Homem até há poucos séculos atrás. Este mal está relacionado com o aumento da idade média da humanidade?
É certo que o cancro é uma doença associada ao envelhecimento e à deterioração do organismo. Na natureza, raramente encontramos organismos que envelhecem ou tenham cancro, já que a vida é interrompida antes por predadores, infecções ou acidentes. A vida média dos humanos no início do século XX era apenas de 30 anos e com estas idades raramente se desenvolve um cancro.
O exemplo mais evidente é o dos ratos. Na natureza estão preparados para viver sem doenças e sem cancro durante três meses, mas se conseguirmos fazer com que vivam durante três anos no laboratório, então uma metade deles morre de cancro e a outra de variadas doenças. Com os humanos acontece que o nosso organismo funciona como uma máquina perfeita até aos 30 ou 40 anos e depois começa a degenerar e a perder a capacidade regenerativa, o que pode dar lugar ao aparecimento de um cancro. Em resumo, o aumento de casos de cancro está ligado com o aumento da esperança média de vida, é inevitável.

Que implicações médicas poderiam ter estas investigações no futuro?
Não está longe o dia em que as terapias celulares poderão reparar completamente órgãos envelhecidos; mas nunca poderemos modificar a nossa herança genética, que não está preparada para viver tanto tempo. Em relação a aplicações futuras em humanos, devemos esperar ainda algum tempo. Com os ratos vimos que quando estes estão a ponto de colapsar por terem telómeros curtos, podemos reintroduzir-lhes telomerasa para retardar o envelhecimento.
Realizamos algo similar com células humanas no laboratório e constatámos como a reactivação da telomerasa é capaz de retardar ou evitar os processos de envelhecimento. Existem empresas interessadas em fazer terapia celular com telomerasa. Estes activadores de telomerasa poderiam ser utilizados em casos relacionados com o envelhecimento, como por exemplo, para regenerar feridas em pessoas mais velhas.
Podemos falar também de estratégias de imunoterapia contra o cancro baseadas em telomerasa que já estão a ser utilizadas nos Estado Unidos com resultados bastante prometedores. Sou muito optimista e penso que a telomerasa será muito útil em terapias combinadas.

A telomerasa parece ser o elixir da juventude. Poderíamos viver eternamente se conseguíssemos fazer com que as nossas células não envelhecessem?
Uma vez que provámos que em animais a perda de telómeros causa o envelhecimento, queremos ver agora se é possível o contrario, se se pode retardar o envelhecimento aumentando o nível de telomerasa nas células. Não se trata de tornar as pessoas imortais, o objectivo é que possamos viver a idade máxima a que estamos destinados pelos nossos genes com a melhor qualidade possível, ainda que também é verdade que não temos que limitarmo-nos a viver os anos que os nossos genes marcam.
As experiências realizadas com os ratos aos quais administrámos mais telomerasa demonstram que os que não morriam de tumores, viviam mais e com menos patologias associadas ao envelhecimento que os restantes, mantinham-se mais jovens e prolongavam a sua idade fértil. Não é uma utopia pensar em conseguir um rato eterno, mas é complicado.

Recentemente a sua equipa de trabalho encontrou um novo oncogene que leva ao desenvolvimento de tumores. Poderia explicar-nos esta descoberta?
Trata-se de uma proteína telomérica denominada TR F2 (telomere repeat binding factor 2), que até ao momento não se sabia se tinha um papel activo no cancro ou era simplesmente um marcador. Esta proteína tem a particularidade de estar localizada nos telómeros e descobrimos que tem um papel activo na produção de tumores: produzindo muitas alterações ou aberrações nos cromossomas, o que favorece o crescimento tumoral.
Isso explica que tenhamos encontrado mais TR F2 especialmente em tumores sólidos, de pulmão, fígado ou mama, que são os que mais alterações cromossómicas têm.
Há poucos meses demonstraram também pela primeira vez que o encurtamento de telómeros produz defeitos nas células. Que tipo de defeitos?
Descobrimos que o encurtamento ou perda de telómeros desencadeia alterações epigenéticas na estrutura da cromatina. Estas alterações consistem na perda da metilação do ADN e um aumento da aceitilação das histonas. Estas alterações epigenéticas poderiam contribuir para o aparecimento do cancro ou do envelhecimento do organismo. Além disso, os resultados que temos explicam que as células tumorais apresentam uma metilação diminuta das sequências teloméricas.
Até agora desconheciam-se quais as consequências da perda de telómeros para a estrutura da cromatina. É a primeira vez que se demonstra que a perda de telómeros é a causadora de defeitos epigenéticos, que por sua vez são comuns no cancro. Constatámos nas experiências com os ratos que os que possuíam telómeros muito curtos sofrem de uma alteração na estrutura final do cromossoma.

Por último, como foi a sua experiência até agora no CNIO (Centro Nacional de Investigações Oncológicas)?
O CNIO é um organismo muito personalista e temos que ser conscientes que uma vez que um centro arranca e tem uma direcção científica clara, é necessário que haja mais cientistas que contribuam com a sua organização, de modo a que todo o peso não caia sobre apenas uma pessoa. Desde que comecei neste centro procuro desenvolver projectos de ponta que interessem ao mundo inteiro, que se publiquem nas melhores revistas e que tenham um grande impacto científico. Contratámos investigadores jovens que regressaram do estrangeiro com contratos Ramón y Cajal, e demos-lhes espaço e dinheiro, e isso parece-me muito importante.
Temos de estar constantemente à procura de dinheiro para as bolsas, estágios, contratos, para comprar reactivos para investigar. De certo modo, a minha função é dirigir as experiências como um realizador de cinema com os seus actores. Este é o objectivo de qualquer cientista. A ciência é averiguar como funcionam as coisas e para tal o mais importante é fazer as perguntas adequadas; realizar as experiências é algo técnico, a ciência está na cabeça do cientista.

Biografia
O cancro é sem duvida a grande doença do século XXI, afecta milhões de pessoas em todo o mundo e os seus mistérios ainda não foram desvendados. Numerosos investigadores batalham diariamente para encontrar a fórmula mágica contra este mal. Uma das mais prestigiadas investigadoras espanholas é María Blasco (Alicante, 1965) que dirige actualmente o Programa de Oncologia Molecular do Centro Nacional de Investigações Oncológicas de Madrid (CNIO). A sua trajectória foi reconhecida pela Organização Europeia de Biologia Molecular que a galardoou como “melhor investigador europeu menor de 40 anos”. No seu currículo está também incluído o prémio Josef Steiner entre outros.

email

site

entrevista de Javier Fernaud Quintana

 
 
 
 
 


ÚLTIMAS ENTREVISTAS
João Rocha, Benilde Costa, Vera Assis Fernandes
SUBSCRIÇÃO/CANCELAMENTO

 

 
Edição António Coxito Design Luís Silva Produção Ricardo Melo Publicidade Sílvia Prestes
 
Esta mensagem está de acordo com a legislação Europeia sobre o envio de mensagens comerciais: qualquer mensagem deverá estar claramente identificada com os dados do emissor e deverá proporcionar ao receptor a hipótese de ser removido da lista. Para ser removido da nossa lista, basta que nos responda a esta mensagem colocando a palavra "Remover" no assunto. (Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu; Relatório A5-270/2001 do Parlamento Europeu).