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#08| 19 Setembro 05
 

Professor Assistente no Departamento de Matemática do Instituto Superior Técnico
Interesses de Investigação: Sistemas dinâmicos discretos, equações integrais, positividade

Livros publicados:

Da falsificação de euros aos pequenos mundos
(Gradiva, Ciência Aberta, 2003)

O Mistério do Bilhete de Identidade e outras histórias
(Gradiva, Ciência Aberta, 2001)

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Jorge Buescu
“A Ciência é a procura do erro, não da verdade.”

De onde nasce essa atracção pela desmistificação?
O erro é sempre perigoso, mesmo que possa não parecer. Compreender melhor o que é o mundo implica essencialmente compreender o que ele _não_ é, corrigindo assim as convicções erradas.
O principal objectivo da Ciência é compreender o mundo, e nos últimos 350 anos tem sido provavelmente a aventura intelectual mais apaixonante da Humanidade. É, nas palavras de Einstein, "a coisa mais preciosa que temos". Curiosamente, é numa época como a nossa, em que a Humanidade nunca esteve tão envolvida e dependente da cultura científica, que surgem as mais bizarras atracções por ocultismos patéticos e misticismos de bazar.

Como é que se pode despertar a paixão pela matemática?
Há dois pilares básicos: a família e a escola. Se uma criança no ensino Básico tem graves dificuldades na tabuada ou nas áreas e volumes, é possível que os pais tenham uma atitude de indiferença, com um argumento como "deixa lá, eu também sempre fui mau a Matemática".
Será que, se a criança tiver dificuldades em aprender a ler, também diriam "deixa lá, eu sempre fui mau a Português"? Depois da família está a escola. Infelizmente, o nosso sistema escolar é, no que diz respeito à Matemática, muito deficitário em relação à qualidade científica. Sem contar com estes dois pilares para despertar a paixão, o resto é pouco mais do que pregar para os convertidos.

Qual o papel dos matemáticos amadores na comunidade científica?
Na comunidade científica é inevitavelmente quase nulo. Na grande maioria dos casos os amadores bem intencionados (e tenho experiência pessoal de dezenas de casos) são pessoas cuja preparação científica em Matemática vai pouco além do cálculo infinitesimal - ou seja, a sua aprendizagem parou na Matemática de há 300 anos. A probabilidade de um amador conseguir fazer algo de inovador com as ferramentas de há 3 séculos é praticamente nula. Esta afirmação não é específica para a Matemática: é verdade para qualquer Ciência, ou mesmo fora dela. Tente imaginar uma fábrica que usasse apenas tecnologia de há três séculos: poderia ser competitiva? A ideia vitoriana da Ciência como uma espécie de brincadeira de laboratório de bancada, em que de repente pode do nada aparecer um Faraday, pertence a um passado remoto. Para o bem e para o mal, a Ciência é hoje uma indústria profissional.

Qual a importância do erro em Ciência?
É essencial. Niels Bohr dizia que "o maior especialista num assunto é a pessoa que mais erros nele fez".
A Ciência é a procura do erro, não da verdade. Ao contrário da convicção geral, uma teoria científica nunca se pode "provar"; não existem experiências que comprovem teorias.
As teorias para serem científicas devem ser "falsificáveis" - isto é, devem conduzir a previsões inequívocas que se possam comprovar experimentalmente. Caso a Natureza não se comporte como a teoria prevê, tanto pior para a teoria - está errada e vai para o lixo. Caso a experiência bata certo com os resultados previstos, isso _não_ prova que a teoria esteja definitivamente certa: apenas que deve ser aceite provisoriamente como o modelo mais apropriado para o comportamento da Natureza.

Quão cara pode ficar a ignorância?
Pode ser literalmente uma questão de vida ou de morte. Se eu começar a sentir dores de cabeça cada vez que não passam e for adepto das medicinas tradicionais, posso tentar as homeopatias, acupuncturas e tratamentos não-convencionais. Talvez estes "tratamentos" até possam libertar endorfinas e aliviar momentaneamente a dor e eu andar assim durante uns meses até consultar um neurologista. Mas se a causa da dor for um tumor cerebral ou um aneurisma, talvez estes meses perdidos signifiquem a diferença entre a vida e a morte.

Até onde podem ir os números?
Também ao contrário do imaginário popular, a Matemática não são números: são ideias. Um matemático profissional não toca em números, tal como um engenheiro mecânico não anda de fato-macaco a reparar automóveis. Eu só toco em números quando chega a hora de dividir a conta do jantar.
Se a pergunta se refere, como presumo, à Matemática, posso fazer a minha profissão de fé: ela não tem nem terá limites. Cada problema resolvido origina, no processo de resolução, dez novas perguntas que antes nem existiam. A Matemática, tal como a Ciência em geral, nunca se esgotará, porque se descobrem novos problemas muito mais depressa do que se podem resolver. Esta é mais uma das razões pelas quais em Matemática o mais importante não é a resposta, mas o processo de a construir.

 
 
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