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# 77 | 16 Janeiro 07
 

Nasceu em Faro, a 1 de Abril de 1974.
Fez o liceu na capital algarvia e lincenciou-se em Engenharia Informática pela Universidade Nova de Lisboa, no pólo da Costa de Caparica.
Fez mestrado na área da Bioinformática, com a tese ‘Análise de Electroencefalogramas’ (18 valores).
Emigrou para a Califórnia, para fazer o doutoramento relacionado com o processamento computacional de dados de espectrometria de massa.

Foi o vencedor do Prémio Jovem Investigador 2006, atribuído pela HUPO - Human Proteome Organisation dos EUA, pela sua técnica inovadora de análise de proteínas.

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Nuno Bandeira
“Como nos desenvolvemos desde uma única célula até ao estado adulto?”

De que trata a análise computacional de dados biológicos?
A análise computacional de dados biológicos, ou Bioinformática, consiste no desenvolvimento de algoritmos (e software) para a interpretação de dados biológicos. Por exemplo, uma das mais marcantes descobertas biológicas de sempre, o genoma humano, teria sido impossível sem o desenvolvimento de algoritmos revolucionários que permitiram a composição de milhares de milhões de pedaços de ADN num único genoma! E mais do que um objectivo per se, o genoma humano expandiu o universo de questões que o estudo da biologia humana tenta responder – quais as razões ou perturbações genéticas de cada doença, como podemos desenvolver medicamentos personalizados e sem reacções alérgicas, como nos desenvolvemos desde uma única célula até ao estado adulto, como evoluímos e quais foram as espécies que nos precederam? O estudo destas questões necessariamente começa com cuidadosas experiências biológicas mas seria completamente impossível analisar o imenso volume de dados gerado diariamente sem a utilização de software com algoritmos eficientes que sejam capazes de interpretar os dados em tempo útil. Curiosamente, muitos destes problemas de inspiração biológica acabam por ter uma interpretação puramente formal com equivalências directas a problemas clássicos de computação. Desta perspectiva, são várias as situações em que a Biologia beneficia das várias décadas de investigação em Teoria da Computação. Mas, por outro lado, é também comum que os problemas motivados por questões biológicas modifiquem a formalização dos problemas clássicos de tal forma que o desenvolvimento de novos algoritmos se torna indispensável. Esta intersecção entre a Biologia e a Informática é uma área de investigação extremamente dinâmica e com o potencial de ter um impacto extraordinário no quanto viremos algum dia a saber sobre a nossa própria biologia.

O que é o proteoma e o que nos trará o seu conhecimento?
De uma forma lata, o proteoma é o conjunto das proteínas que actuam num determinado organismo. No paradigma clássico da Biologia, o ADN é essencialmente visto como o livro de instruções para a criação de proteínas onde cada página (gene) pode corresponder a uma ou mais proteínas. Por outro lado, as proteínas têm a função essencial de decidir quais os genes a activar (i.e. usados para criar proteínas) em cada altura! Este moto contínuo de interacções entre ADN e as proteínas é um dos pilares fundamentais da dinâmica celular que eventualmente resulta em organismos muito mais complexos. No entanto, o espectro de interacções intra- e inter-celulares é bastante mais detalhado do que esta imagem aproximada. Por exemplo, certas proteínas contêm ‘interruptores’ que podem ser activados ou desactivados e consequentemente afectar o comportamento e funcionalidade destas proteínas – estes interruptores são conhecidos como Post-Translational Modifications ou PTMs (significando modificações da proteína após a tradução a partir do genoma). Outro exemplo que deriva do paradigma clássico é o sistema imunitário. Devido à enorme variabilidade de ameaças e infecções a que um organismo está exposto no decorrer da sua vida, o sistema imunitário seria muito menos eficiente se tivesse que restringir as possibilidades de defesa às instruções previamente inscritas no genoma. Na realidade, o sistema imunitário recorre a um conjunto de mecanismos que resultam na constante criação de novas proteínas (anticorpos) para atacar quaisquer elementos não pertencentes ao organismo.

Em que consiste a sua técnica revolucionária na análise de proteínas?
A análise de proteínas foi tradicionalmente difícil antes da revolução tecnológica dos anos 80 que permitiu o desenvolvimento de instrumentos para medir a massa destas moléculas. Nomeadamente, o desenvolvimento da espectrometria de massa (mass spectrometry) teve tal impacto que mereceu a atribuição de prémio Nobel da química em 2002. Hoje em dia, a identificação de proteínas consegue-se através de dois passos: a) espectrometria de massa é usada para medir as massas das proteínas numa determinada amostra e b) as massas obtidas experimentalmente são comparadas a uma base de dados de massas de proteínas conhecidas para determinar a identidade das proteínas. Esta base de dados é inicialmente obtida a partir do genoma do organismo analisado. Infelizmente, o número de genomas conhecidos é ainda limitado e, tal como descrito na questão anterior, muitas proteínas (ou variações de proteínas) não estão inscritas no genoma e, como tal, não podem ser identificadas ou estudadas eficientemente através das práticas correntes. A nossa técnica de análise de proteínas, denomeada Shotgun Protein Sequencing, permite chegar à sequência das proteínas numa qualquer amostra sem necessitar de recorrer a bases de dados de proteínas conhecidas. Assim sendo, não só passa a ser possível descobrir directamente novas variações de proteínas conhecidas mas podemos também sequenciar proteínas de organismos cujo genoma é completamente desconhecido. O elemento fundamental desta nova técnica pode ser ilustrado pela seguinte analogia: imagine que encontrou 1000 cópias de um determinado texto muito importante mas também muito antigo e que, devido à sua idade, todas as cópias estão reduzidas a pequenos trechos do texto original – como resolver o enorme puzzle de milhões de trechos para recuperar o texto completo? Através da Shotgun Protein Sequencing nós demonstrámos que este problema pode ser resolvido no caso particular em que cada proteína corresponde a um texto diferente e os dados que nós analisamos correspondem aos trechos do texto original.

Porque utilizou cascavéis para investigação?
O conhecimento das proteínas presentes em diversos venenos é importante para o desenvolvimento de medicamentos anti-veneno mas, talvez ainda mais importante porque estas proteínas podem levar ao desenvolvimento de medicamentos para o tratamento de doenças como cancro e problemas de circulação sanguínea. Mas mesmo assim são poucas as proteínas actualmente conhecidas no veneno de cascavéis. Este é também um caso-tipo particularmente interessante porque o veneno contém múltiplas versões de proteínas muito semelhantes e com muitas PTMs. Logo, se a nossa técnica é capaz de ultrapassar este desafio e recuperar a sequência destas proteínas então é muito provável que seja útil num largo espectro de problemas importantes. Nomeadamente, estamos correntemente a explorar a aplicação destas técnicas ao sequenciamento de anticorpos e proteínas obtidas a partir de tumores cancerígenos.

Qual a área do cérebro que ajuda na precisão do tiro?
Esta análise da precisão de tiro a partir de electroencefalografia (EEG) foi um projecto muito interessante que desenvolvi em Portugal durante a minha tese de mestrado e que ilustra perfeitamente que existe uma vontade forte de fazer investigação com os recursos disponíveis. Este projecto envolveu 4 instituições: a Universidade Nova de Lisboa (onde decorria o mestrado em Inteligência Artificial Aplicada, sob a orientação do Dr. Fernando Moura-Pires), a Escola Naval da Marinha Portuguesa em Almada (Dr. Victor Lobo), o Hospital de Santa Maria (Dra. Teresa Paiva) e o Instituto Superior Técnico (Dr. Agostinho Rosa). O projecto começou com a criação do protocolo experimental (EEGs nunca tinham sido relacionados com precisão no tiro), continuou com a recolha de EEGs durante as sessões de treino da equipa de tiro da Marinha e concluiu com a análise computacional dos dados experimentais. As conclusões confirmaram que a precisão do tiro (medida pela proximidade ao centro do alvo) está fortemente relacionada com a estabilidade no braço utilizado para disparar. Sendo que quase todos os atiradores eram destros, a área do cérebro com maior correlação com a precisão do tiro está aproximadamente localizada entre o olho esquerdo e a orelha esquerda.

Além de Pavel Pevzner, de que precisava mais para desenvolver a sua investigação em Portugal?
O sucesso na investigação e desenvolvimento de novas técnicas de bioinformática depende da conjugação de vários factores. Nomeadamente, para além da experiência e orientação contribuídas pelo Dr. Pavel Pevzner é fundamental ter acesso ao estado da arte em instrumentos para análise de amostras biológicas e, claro, a investigadores com um conhecimento profundo de como manipular estes instrumentos e interpretar os resultados. O meu conhecimento (eventualmente limitado) do panorama da investigação científica em Portugal indica que há muita disponibilidade para colaborações com investigadores competentes mas também dificuldades estruturais na obtenção de equipamento actualizado e na capacidade de atrair estudantes de doutoramento e de mestrado, particularmente de países onde o Português não é lingual oficial. A criação de várias iniciativas importantes tem começado a endereçar estes problemas (e.g. a criação de laboratórios associados, colaborações com universidades americanas, etc.) mas existe ainda um caminho difícil a percorrer para que o nosso sistema científico permita o acesso dos investigadores competentes aos recursos necessários para a produção regular de descobertas de impacto global.

 

 

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