| Nuno Bandeira“Como nos desenvolvemos desde 
                    uma única célula até ao estado adulto?”
 De que trata a análise computacional 
                    de dados biológicos?A análise computacional de dados biológicos, 
                    ou Bioinformática, consiste no desenvolvimento de algoritmos 
                    (e software) para a interpretação de dados biológicos. 
                    Por exemplo, uma das mais marcantes descobertas biológicas 
                    de sempre, o genoma humano, teria sido impossível sem 
                    o desenvolvimento de algoritmos revolucionários que 
                    permitiram a composição de milhares de milhões 
                    de pedaços de ADN num único genoma! E mais do 
                    que um objectivo per se, o genoma humano expandiu o universo 
                    de questões que o estudo da biologia humana tenta responder 
                    – quais as razões ou perturbações 
                    genéticas de cada doença, como podemos desenvolver 
                    medicamentos personalizados e sem reacções alérgicas, 
                    como nos desenvolvemos desde uma única célula 
                    até ao estado adulto, como evoluímos e quais 
                    foram as espécies que nos precederam? O estudo destas 
                    questões necessariamente começa com cuidadosas 
                    experiências biológicas mas seria completamente 
                    impossível analisar o imenso volume de dados gerado 
                    diariamente sem a utilização de software com 
                    algoritmos eficientes que sejam capazes de interpretar os 
                    dados em tempo útil. Curiosamente, muitos destes problemas 
                    de inspiração biológica acabam por ter 
                    uma interpretação puramente formal com equivalências 
                    directas a problemas clássicos de computação. 
                    Desta perspectiva, são várias as situações 
                    em que a Biologia beneficia das várias décadas 
                    de investigação em Teoria da Computação. 
                    Mas, por outro lado, é também comum que os problemas 
                    motivados por questões biológicas modifiquem 
                    a formalização dos problemas clássicos 
                    de tal forma que o desenvolvimento de novos algoritmos se 
                    torna indispensável. Esta intersecção 
                    entre a Biologia e a Informática é uma área 
                    de investigação extremamente dinâmica 
                    e com o potencial de ter um impacto extraordinário 
                    no quanto viremos algum dia a saber sobre a nossa própria 
                    biologia.
 O que é o proteoma e o que nos 
                    trará o seu conhecimento?De uma forma lata, o proteoma é o conjunto das proteínas 
                    que actuam num determinado organismo. No paradigma clássico 
                    da Biologia, o ADN é essencialmente visto como o livro 
                    de instruções para a criação de 
                    proteínas onde cada página (gene) pode corresponder 
                    a uma ou mais proteínas. Por outro lado, as proteínas 
                    têm a função essencial de decidir quais 
                    os genes a activar (i.e. usados para criar proteínas) 
                    em cada altura! Este moto contínuo de interacções 
                    entre ADN e as proteínas é um dos pilares fundamentais 
                    da dinâmica celular que eventualmente resulta em organismos 
                    muito mais complexos. No entanto, o espectro de interacções 
                    intra- e inter-celulares é bastante mais detalhado 
                    do que esta imagem aproximada. Por exemplo, certas proteínas 
                    contêm ‘interruptores’ que podem ser activados 
                    ou desactivados e consequentemente afectar o comportamento 
                    e funcionalidade destas proteínas – estes interruptores 
                    são conhecidos como Post-Translational Modifications 
                    ou PTMs (significando modificações da proteína 
                    após a tradução a partir do genoma). 
                    Outro exemplo que deriva do paradigma clássico é 
                    o sistema imunitário. Devido à enorme variabilidade 
                    de ameaças e infecções a que um organismo 
                    está exposto no decorrer da sua vida, o sistema imunitário 
                    seria muito menos eficiente se tivesse que restringir as possibilidades 
                    de defesa às instruções previamente inscritas 
                    no genoma. Na realidade, o sistema imunitário recorre 
                    a um conjunto de mecanismos que resultam na constante criação 
                    de novas proteínas (anticorpos) para atacar quaisquer 
                    elementos não pertencentes ao organismo.
 Em que consiste a sua técnica 
                    revolucionária na análise de proteínas?A análise de proteínas foi tradicionalmente 
                    difícil antes da revolução tecnológica 
                    dos anos 80 que permitiu o desenvolvimento de instrumentos 
                    para medir a massa destas moléculas. Nomeadamente, 
                    o desenvolvimento da espectrometria de massa (mass spectrometry) 
                    teve tal impacto que mereceu a atribuição de 
                    prémio Nobel da química em 2002. Hoje em dia, 
                    a identificação de proteínas consegue-se 
                    através de dois passos: a) espectrometria de massa 
                    é usada para medir as massas das proteínas numa 
                    determinada amostra e b) as massas obtidas experimentalmente 
                    são comparadas a uma base de dados de massas de proteínas 
                    conhecidas para determinar a identidade das proteínas. 
                    Esta base de dados é inicialmente obtida a partir do 
                    genoma do organismo analisado. Infelizmente, o número 
                    de genomas conhecidos é ainda limitado e, tal como 
                    descrito na questão anterior, muitas proteínas 
                    (ou variações de proteínas) não 
                    estão inscritas no genoma e, como tal, não podem 
                    ser identificadas ou estudadas eficientemente através 
                    das práticas correntes. A nossa técnica de análise 
                    de proteínas, denomeada Shotgun Protein Sequencing, 
                    permite chegar à sequência das proteínas 
                    numa qualquer amostra sem necessitar de recorrer a bases de 
                    dados de proteínas conhecidas. Assim sendo, não 
                    só passa a ser possível descobrir directamente 
                    novas variações de proteínas conhecidas 
                    mas podemos também sequenciar proteínas de organismos 
                    cujo genoma é completamente desconhecido. O elemento 
                    fundamental desta nova técnica pode ser ilustrado pela 
                    seguinte analogia: imagine que encontrou 1000 cópias 
                    de um determinado texto muito importante mas também 
                    muito antigo e que, devido à sua idade, todas as cópias 
                    estão reduzidas a pequenos trechos do texto original 
                    – como resolver o enorme puzzle de milhões de 
                    trechos para recuperar o texto completo? Através da 
                    Shotgun Protein Sequencing nós demonstrámos 
                    que este problema pode ser resolvido no caso particular em 
                    que cada proteína corresponde a um texto diferente 
                    e os dados que nós analisamos correspondem aos trechos 
                    do texto original.
 Porque utilizou cascavéis para 
                    investigação?O conhecimento das proteínas presentes em diversos 
                    venenos é importante para o desenvolvimento de medicamentos 
                    anti-veneno mas, talvez ainda mais importante porque estas 
                    proteínas podem levar ao desenvolvimento de medicamentos 
                    para o tratamento de doenças como cancro e problemas 
                    de circulação sanguínea. Mas mesmo assim 
                    são poucas as proteínas actualmente conhecidas 
                    no veneno de cascavéis. Este é também 
                    um caso-tipo particularmente interessante porque o veneno 
                    contém múltiplas versões de proteínas 
                    muito semelhantes e com muitas PTMs. Logo, se a nossa técnica 
                    é capaz de ultrapassar este desafio e recuperar a sequência 
                    destas proteínas então é muito provável 
                    que seja útil num largo espectro de problemas importantes. 
                    Nomeadamente, estamos correntemente a explorar a aplicação 
                    destas técnicas ao sequenciamento de anticorpos e proteínas 
                    obtidas a partir de tumores cancerígenos.
 Qual a área do cérebro 
                    que ajuda na precisão do tiro?Esta análise da precisão de tiro a partir de 
                    electroencefalografia (EEG) foi um projecto muito interessante 
                    que desenvolvi em Portugal durante a minha tese de mestrado 
                    e que ilustra perfeitamente que existe uma vontade forte de 
                    fazer investigação com os recursos disponíveis. 
                    Este projecto envolveu 4 instituições: a Universidade 
                    Nova de Lisboa (onde decorria o mestrado em Inteligência 
                    Artificial Aplicada, sob a orientação do Dr. 
                    Fernando Moura-Pires), a Escola Naval da Marinha Portuguesa 
                    em Almada (Dr. Victor Lobo), o Hospital de Santa Maria (Dra. 
                    Teresa Paiva) e o Instituto Superior Técnico (Dr. Agostinho 
                    Rosa). O projecto começou com a criação 
                    do protocolo experimental (EEGs nunca tinham sido relacionados 
                    com precisão no tiro), continuou com a recolha de EEGs 
                    durante as sessões de treino da equipa de tiro da Marinha 
                    e concluiu com a análise computacional dos dados experimentais. 
                    As conclusões confirmaram que a precisão do 
                    tiro (medida pela proximidade ao centro do alvo) está 
                    fortemente relacionada com a estabilidade no braço 
                    utilizado para disparar. Sendo que quase todos os atiradores 
                    eram destros, a área do cérebro com maior correlação 
                    com a precisão do tiro está aproximadamente 
                    localizada entre o olho esquerdo e a orelha esquerda.
 Além de Pavel Pevzner, 
                    de que precisava mais para desenvolver a sua investigação 
                    em Portugal?O sucesso na investigação e desenvolvimento 
                    de novas técnicas de bioinformática depende 
                    da conjugação de vários factores. Nomeadamente, 
                    para além da experiência e orientação 
                    contribuídas pelo Dr. Pavel Pevzner é fundamental 
                    ter acesso ao estado da arte em instrumentos para análise 
                    de amostras biológicas e, claro, a investigadores com 
                    um conhecimento profundo de como manipular estes instrumentos 
                    e interpretar os resultados. O meu conhecimento (eventualmente 
                    limitado) do panorama da investigação científica 
                    em Portugal indica que há muita disponibilidade para 
                    colaborações com investigadores competentes 
                    mas também dificuldades estruturais na obtenção 
                    de equipamento actualizado e na capacidade de atrair estudantes 
                    de doutoramento e de mestrado, particularmente de países 
                    onde o Português não é lingual oficial. 
                    A criação de várias iniciativas importantes 
                    tem começado a endereçar estes problemas (e.g. 
                    a criação de laboratórios associados, 
                    colaborações com universidades americanas, etc.) 
                    mas existe ainda um caminho difícil a percorrer para 
                    que o nosso sistema científico permita o acesso dos 
                    investigadores competentes aos recursos necessários 
                    para a produção regular de descobertas de impacto 
                    global.
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