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# 76 | 08 Janeiro 07
 

Docente da licenciatura em Biologia Marinha e Biotecnologia no Instituto Politécnico de Leiria.

Com estudos sobre Biologia Marinha editados em publicações internacionais, é também consultor do Oceanário de Lisboa e co-fundador da Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação de Elasmobrânquios (subclasse de peixes com esqueleto cartilagíneo a que pertencem as raias e tubarões).

Ganhou a edição 2006 do Prémio do Mar Rei D. Carlos, atribuído pela Câmara de Cascais, com o trabalho de investigação "Pesca comercial de tubarões e raias em Portugal".

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João Pedro Correia
“Os animais em cativeiro são bastiões e representantes da sua espécie no Meio Natural.”

Que cuidados se deve ter no transporte de animais marinhos vivos?
O transporte de animais marinhos vivos é extraordinariamente complexo devido ao facto, precisamente, de envolver a utilização de água salgada, meio particularmente corrosivo. Paralelamente, o volume de água utilizada num transporte é consideravelmente inferior ao volume em que os animais normalmente habitam (ou estão estabulados), pelo que se torna necessário assegurar que a qualidade da mesma não se deteriore ao longo do tempo de duração do transporte.
É imprescindível assegurar, por isso, que:
- Os recipientes (tanques) utilizados são construídos de forma segura e robusta, não permitindo qualquer tipo de fuga de água. Este facto é particularmente importante quando se movem várias dezenas de tanques dentro de um Boeing 747 de carga (por exemplo) porque alguma água salgada extraviada facilmente poderia infiltrar-se nos compartimentos onde estão albergados instrumentos electrónicos, o que poderia ter consequências trágicas.
- A qualidade da água deverá permanecer dentro de padrões rigorosos, particularmente parâmetros como oxigénio dissolvido, amónia, pH e temperatura. Cada tanque é, por isso, equipado com um "kit" de filtração (tradicionalmente movido a bombas de 12 V) que assegura a manutenção dos parâmetros dentro de limites estreitos. A observação e monitorização do equipamento, água e animais é, por isso, uma tarefa constante e obrigatória durante um transporte.
- É também imprescindível conhecer com detalhe o comportamento e aspectos biológicos dos animais a serem transportados. Espécies diferentes requerem necessidades de espaço diferentes e têm limites de tolerância para variações de parâmetros físico-químicos muito distintas. O transporte de um cardume de atuns, por exemplo, necessita de um volume de água muito substancial e injecção de oxigénio acima da média, dada a natureza essencialmente pelágica e particularmente delicada destes animais. O transporte de um polvo, pelo contrário, poderá ser tão simples como a colocação do mesmo dentro de um saco com água e oxigénio, devidamente selado.
O artigo de Smith et al. (2004) disponibiliza detalhes sobre o transporte de tubarões e raias. Os cuidados a serem observados no transporte destes animais são pertinentes para um grande número de outras espécies marinhas. Os artigos de Correia (2001) e Young et al. (2002) disponibilizam informação adicional específica sobre o transporte de longo-curso de quimeras, cantarilhos e tubarões-martelo.

Quais os limites ecológicos para a pesca comercial de tubarões e raias?
Não é possível responder de uma forma directa a essa questão dada a escassez de informação sobre o tema. Sabe-se, contudo, que os tubarões e raias são espécies, na sua maioria, tipicamente K-seleccionadas. Isto significa que têm características biológicas que se aproximam dos mamíferos superiores como, por exemplo, capacidade reprodutiva baixa (i.e. baixa fecundidade, tempos de gestação longos, reduzido número de crias, etc.) e crescimento lento. Estas características tornam estas espécies particularmente susceptíveis a fenómenos de sobrepesca. Classicamente, a pesca a tubarões e raias segue um padrão vulgarmente designado por "boom and bust", segundo o qual as capturas aumentam repentinamente no início da exploração de um stock para, poucos anos depois, se precipitarem subitamente para valores muito baixos, dada a incapacidade destes animais para reporem os números retirados. O padrão de "boom and bust" já foi detectado em várias espécies vulgarmente pescadas em Portugal, nomeadamente o Barroso (Centrophorus granulosus), entre outras, segundo descrito por Correia e Smith (2004).
A título de curiosidade podem citar-se as seguintes referências, que descrevem casos clássicos de pesca "boom and bust" com elasmobrânquios: Parker e Stott (1965) e Anderson (1990).

Qual a verdade sobre a agressividade dos tubarões?
A verdade é que NÃO são espécies naturalmente agressivas. Se o fossem, o número de incidentes com seres humanos seria substancialmente superior à média anual de 40~45 que se tem mantido nas últimas décadas, apesar do número crescente de utilizadores recreativos do meio marinho. Note-se que 40~45 será o número de acidentes rodoviários por SEMANA numa estrada concorrida como, por exemplo, o IC19 ou A5.
Os tubarões são animais tradicionalmente curiosos mas muitíssimo cautelosos. Só em circunstâncias muito especiais se aproximam demasiado de um ser humano e só em circunstâncias, de todo, invulgares poderão mordê-lo. Por exemplo:
- Tubarões considerados de grande porte (comprimento superior a 3 metros) terão, naturalmente, pouco a recear de um ser humano. Será aconselhável, por isso, não frequentar áreas onde abundem animais com esta dimensão, particularmente se a sua dieta incluir animais que se assemelhem, de alguma forma, a seres humanos. Um exemplo clássico desta situação surge na Califórnia e África do Sul, onde populações de tubarões-brancos se alimentam de pinípedes em áreas normalmente frequentadas por surfistas; os surfistas, vistos de um plano inferior, são fatalmente confundidos por uma foca e são, ocasionalmente, mordidos.
- Todos os animais (marinhos e terrestres) são atraídos por cheiros associados a alimentação. Os tubarões não são excepção. Um caçador-submarino com vários peixes mortos no seu cinto ou bóia torna-se um alvo preferencial, já que os líquidos que se libertam dos animais mortos (aliados às frequências emitidas pelos seus movimentos erráticos quando são arpoados) constituem um chamariz perfeito.
Com excepção das situações descritas (e similares), os tubarões tenderão naturalmente a inspeccionar qualquer objecto numa área e, depois, a afastar-se. É absolutamente errado, por isso, dizer que são animais naturalmente agressivos.
A título de exemplo pode referir-se que os incidentes com elefantes, crocodilos, hipopótamos e com grandes felinos (leões, tigres, etc.) são vastamente mais numerosos do que os incidentes com tubarões.

Quais as características distintivas do Oceanário de Lisboa?
O Oceanário de Lisboa possui uma exposição única no mundo, retratando quatro habitats muito distintos: Atlântico Norte, Mares do Sul (Antárctico), Pacífico Temperado e Índico Tropical. Esta diversidade está associada a soluções tecnologicamente avançadas, já que se torna necessário controlar várias dezenas de tanques com parâmetros físico-químicos muito distintos. A colecção de animais em exposição no Oceanário tem, também, características únicas, incluindo espécies como a Manta Gigante (Manta birostris - único exemplar em exposição na Europa), Diabo-do-mar (Mobula mobular), Peixes-lua (Mola mola), Atum-rabilho (Thunnus thynnus) e um impressionante cardume de Cavalas (Scomber spp.), entre muitas outras.
Esta diversidade de Habitats e espécies levou a jovem equipa do Oceanário a especializar-se em matérias muito particulares, sendo essa especialização reconhecida pelos seus pares internacionais. Actualmente, se uma instituição tem alguma dúvida sobre a manutenção (incluindo reprodução) dos grupos de animais a seguir enumerados irá, invariavelmente, buscar a opinião dos técnicos do Oceanário sobre o assunto: corais, chocos, medusas, cavalos-marinhos, lontras-marinhas, alcídeos, tubarões e pinguins.

Qual o potencial didáctico dos zoos marinhos?
Existem, actualmente, vários milhares de Aquários Públicos no Mundo inteiro. Esses Aquários recebem largas dezenas de milhões de visitantes por ano, constituindo um manancial de população, passível de ser educada acerca de boas práticas ambientais, muito significativo. A acção dos Aquários Públicos, hoje em dia, está bastante distante do aspecto lúdico, de mero entretenimento e diversão que pautou esta actividade no seu início, em finais do Séc. XIX. Actualmente, a esmagadora maioria dos Aquários Públicos expõe animais ao público com um elevadíssimo grau de preocupação com o seu bem-estar e envolvência natural. Os animais em cativeiro são encarados como bastiões e representantes da sua espécie no Meio Natural. Estes animais agem, certamente, como “chamariz” para atrair um público sedento de originalidade e que, enquanto percorre a exposição, é subliminar e, por vezes, activamente imerso numa cultura ambientalmente positiva, aprendendo ‘dicas’ e formas de adoptar um estilo de vida sustentável e respeitador do Meio Ambiente.

Quais os desafios da piscicultura?
A piscicultura será, a médio prazo, a fonte primordial de proteína "marinha", já que muitos dos stocks de peixes capturados no mar estão em fase de pré-ruptura, alguns mesmo em fase de recuperação (lenta) após ruptura. O principal desafio enfrentado pela piscicultura está na sua rentabilidade e imagem. O problema de rentabilidade está associado ao facto de que as espécies levam algum tempo a atingir um tamanho comercialmente aceitável e o investimento, até que esse ponto seja atingido, é considerável. Nem todas as espécies são passíveis, por isso, de serem criadas artificialmente em pisciculturas. Paralelamente, os animais criados em piscicultura enfrentam ainda, junto das populações com uma alimentação predominantemente derivada do mar (onde se incluem várias zonas de Portugal) um grau de "desconfiança" elevado.

 

 

Anteriores entrevistas:
Rui Lobo
George Rupp
Carlos María Romeo
Daniel Gomes
Hugo Ferreira

 
Editor
António Coxito
Produção
Ricardo Melo
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