Carlos María Romeo
“As leis estão sempre atrasadas
em relação à ciência porque não
se pode regular o que não existe.”
A Cátedra apresentou recentemente
a Declaração Universal de Bioética e
Direitos Humanos; que princípios menciona esse documento?
Sem entrar em temas específicos relacionados com a
Biologia ou a Medicina menciona uma série de princípios
gerais que podem ser assumidos por todos os Estados do planeta
em benefício de todos os habitantes da terra. Menciona,
por exemplo, o princípio do respeito e da dignidade
da pessoa, do respeito e da protecção dos Direitos
Humanos de todas as pessoas bem como os direitos e interesses
das comunidades e colectividades que existam no planeta. Partindo
destes princípios enquadram-se uma série de
exigências que já têm mais a ver com a
investigação médica e biológica,
como é o princípio do consentimento informado
ou o princípio de que a intervenção numa
pessoa deve ter os seus fins diagnosticados.
Que princípios engloba um tema
como o da investigação com células-mãe?
Não diz nada, porque não se ocupa de nenhum
tema em concreto com o fim de evitar que temas como este,
que são muito polémicos, pudessem provocar a
não aprovação da declaração.
O que exige é que se conte com o consentimento informado
da pessoa afectada ou que, se não o puder dar com uma
série de controlos dos seus representantes legais ou
da autoridade, intervenha nesta decisão. Isso é
aplicável a muitos pressupostos, da mesma maneira que
o princípio da confidencialidade, já que hoje
em dia é muito importante a protecção
dos dados relativos à saúde, mas ainda mais
os dados que se podem obter das análises genéticas
que nalguns países se estão a realizar e noutros
não.
Mas, do seu ponto de vista, investigações
como as das células-mãe, devem ter limites éticos?
Sim, tendo claro que deve reconhecer-se como um direito fundamental
a liberdade de investigação não deve
esquecer-se por outro lado que a investigação
deve ser submetida a uma serie de controlos, de garantias,
de limites e até de proibições. O que
acontece é que face a esse direito fundamental do investigador
estão os direitos fundamentais das outras pessoas como
os de não usar seres humanos como cobaias, que se tenha
em conta o seu consentimento, etc. Todos estes critérios
devem estar regulados juridicamente.
Que limites? Podem estar marcados por
ideologias?
Esses limites encontram-se nos direitos fundamentais e nas
liberdades públicas das restantes cidades. No caso
espanhol, a Constituição reconhece no artigo
20 o direito à livre criação e produção
científica e acrescenta que este direito encontra os
seus limites nos restantes direitos fundamentais que reconhece
a própria Constituição, no mesmo título
no qual se encontra o direito à livre investigação
científica. São, por exemplo, o direito à
vida, o direito à integridade física e moral,
o direito à liberdade ambulatória (de movimentos),
o direito à liberdade ideológica, o direito
à intimidade pessoal e familiar, etc. Estes direitos
não se podem ver reduzidos pelo direito à liberdade
de investigação científica. Não
se parte de ideologias determinadas, parte-se da protecção
e da prioridade de outros direitos fundamentais que são
partilhados praticamente por todas as sociedades e Estados
actuais que os contemplam nas suas constituições,
da mesma maneira que aparecem no direito internacional ou
na declaração Internacional dos Direitos Humanos.
Que linhas de investigação
se desenvolvem actualmente na Cátedra?
Estudamos vários aspectos no campo da investigação
na Biologia e Medicina como a utilização científica
de células-mãe de adulto e sobretudo embrionárias
e a sua possível leitura ideológica; desenvolvemos
projectos de análises genéticas com diagnóstico
para detectar doenças de que as pessoas sofrem ou padecem
ou possam vir a ter no futuro; a utilização
de amostras biológicas com o fim da investigação
biomédica, os biobancos, etc. Também trabalhamos
noutros temas como os perfis de ADN na investigação
criminal e no aconselhamento genético.
Em que consiste exactamente o vosso
trabalho?
O que fazemos é determinar como se devem levar a cabo
este tipo de actuações desde o ponto de vista
ético e jurídico. Realizamos estudos e propomos
critérios e intervimos com bastante frequência
como assessores tanto de instâncias políticas
como de outras instituições públicas
que solicitam a nossa ajuda, opinião e critério.
Com quem é mais fácil
o trato, com os políticos ou com as instituições
científicas?
É mais fácil com as instituições
científicas porque quando nos pedem uma opinião
fazem-no porque necessitam saber como enfocar o seu trabalho
e ajudamo-las para que o possam continuar. Digamos que lhes
resolvemos os problemas ainda que isso implique terem de cumprir
uma série de requisitos que antes não se tinham
questionado por desconhecimento. Com os políticos é
tudo mais complicado, variam com os interesses do momento.
Existem muitas mais variantes em jogo. O que temos claro é
que esta é uma Cátedra institucional que está
aberta a todos pelo que não temos em conta a ideologia
de quem nos pede ajuda e o que fazemos é ajudar no
que pudermos.
A Cátedra nasceu em 1993; nessa
altura pensavam que estes temas iriam ter tanta influência
social e mediática?
Pensávamos que a Cátedra teria uma larga vida
mas era impossível imaginar alguns dos aspectos que
foram aparecendo. Os das células-mãe, por exemplo,
começou por volta de 1998, há relativamente
pouco tempo. Essa é uma nas nossas obrigações,
estar atentos a todas as novidades para poder participar nos
debates que surjam tanto em Espanha como no estrangeiro. Cada
vez mais vão surgindo possibilidades científicas
novas e muitas delas surpreendentes para as leis que estão
sempre atrasadas em relação à ciência
porque não se pode regular o que não existe.
Agora, por exemplo, já se começa a falar na
possibilidade de criar embriões quiméricos e
híbridos para a investigação. A verdade
é que são coisas muito raras que realmente não
sabemos se chegam a ter justificação científica.
Existem novidades constantes que exigem uma reflexão
continua.
entrevista de Jordi Bascuñana |