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# 72 | 11 Dezembro 06
 

Investigador principal na Universidade Técnica de Lisboa.
Trabalha no Centro de Física das Interacções Fundamentais do Instituto Superior Técnico.

Publicou, juntamente com Eef Van Beverem, do Centro de Física Teórica da Universidade de Coimbra, na Physical Review Letters, um artigo científico em que anteciparam por 24 horas o anúncio da descoberta de uma nova partícula, um mesão com “charm” designado de DsJ (2860).

Oriundo da Holanda, mas naturalizado português.

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George Rupp
“Há partículas essenciais que falta descobrir.”

Que provas temos da existência das partículas sub-atómicas?
Há muitas provas. Em primeiro lugar, sabemos desde 1896 que existe a radioactividade, graças a uma descoberta acidental de Henri Becquerel, que deixou uma chapa fotográfica embrulhada com alguns sais de urânio na escuridão de uma gaveta e depois verificou que se tinha formado uma impressão na chapa, como se tivesse estado exposta à luz. Assim, ficou-se a saber que há elementos que espontaneamente emitem radiações, na forma de partículas com carga eléctrica, principalmente electrões, as anti-partículas destes, isto é, os positrões, núcleos de hélio, as chamadas partículas alfa, e raios gamma, ou seja, fotões ainda mais energéticos que os raios X. Em 1898, o famoso casal Marie e Pierre Curie descobriu e conseguiu isolar os elementos polónio e rádio, muito mais radioactivos que o urânio, feito esse que lhes valeu, juntamente com Henri Becquerel, o Prémio Nobel da Física em 1903. Em seguida, graças ao trabalho de principalmente Ernest Rutherford, Prémio Nobel da Química em 1908, descobriu-se que o átomo é essencialmente vazio, com praticamente toda a sua massa concentrado num núcleo ínfimo, composto por protões e neutrões, estes últimos descobertos por James Chadwick (Prémio Nobel da Física em 1935), núcleo esse rodeado por electrões. Muitas outras partículas sub-atómicas foram depois descobertas, nomeadamente o mesão chamado pião (ver em baixo), previsto por Hideki Yukawa, Prémio Nobel da Física em 1949. Também nos raios cósmicos, descobertos por Victor Hess (Prémio Nobel da Física em 1936, juntamente com Carl Anderson, descobridor do positrão), há uma grande variedade de partículas sub-atómicas e raios electromagnéticos. Hoje em dia, conhecemos centenas de partículas, a maior parte delas criadas em gigantescos aceleradores como do SLAC em Standord (EUA) e do CERN em Genebra. Para comprovar a criação dessas partículas são necessários enormes detectores, do tamanho de uma casa, e equipas de centenas de físicos e técnicos para analisar os dados experimentais. O consórcio BABAR do SLAC, que detectou o mesão DsJ(2860), é um dos maiores e mais bem sucedidos.

Qual é o verdadeiro transportador da força que liga as partículas do átomo?
Esta pergunta é mais difícil e requer uma resposta detalhada. Há de facto três níveis de ligação. Em primeiro lugar, existe a força eléctrica, responsável pela atracção entre partículas de carga oposta, no caso concreto entre o núcleo atómico, de carga positiva, e os electrões, que têm carga negativa. O transportador, ou melhor dito, o "mediador" da força eléctrica é o fotão. O segundo nível de ligação é dentro do núcleo, onde todas as partículas têm carga positiva, os protões, ou nula, os neutrões. Para vencer a repulsão entre os protões e manter os protões e neutrões no núcleo ligados uns aos outros, é necessário existir outra força, desta vez atractiva e ainda por cima mais forte que a força eléctrica. Trata-se, logicamente, da chamada "força forte", que no entanto tem um alcance muito curto, pelo que núcleos muito grandes, como por exemplo de urânio e de plutónio, tendem a ser instáveis, manifestando-se isto através da radioactividade. Os mediadores da força forte são os mesões como o pião , isto é, partículas compostas por um quark e um antiquark. Em contrapartida, os protões e os neutrões, bem como outros "bariões", são compostos por três quarks. Finalmente, o terceiro nível de ligação existe dentro dos próprios mesões e bariões, responsável por manter o quark e o antiquark ou então os três quarks ligados uns aos outros. Esta força, também chamada "forte", é a mais complexa e nem sequer completamente compreendida. Crê-se que os mediadores desta força são os "gluões", partículas sem massa como o fotão, mas com a propriedade adicional de elas próprias terem, tal como os quarks e antiquarks, uma espécie de carga, designada "côr", em contraste com os fotões, que não têm carga eléctrica. Deste modo, os gluões podem trocar mais gluões entre eles e assim por diante. Este efeito "cumulativo" leva a que a força de "côr" seja tão difícil de descrever com rigor. De qualquer modo, sabemos empiricamente que uma consequência é o confinamento, ou seja, a permanente ligação dos quarks e/ou antiquarks uns aos outros, em virtude de a força de "côr" crescer com a distância, contrariamente à força eléctrica e a força forte mediada por mesões, que decrescem à medida que a distância entre as partículas aumenta. Assim, os quarks e os antiquarks não podem existir isoladamente, andando sempre acompanhados por outros quarks e/ou antiquarks. Porém, isto não significa que os mesões e os bariões sejam necessariamente partículas estáveis, em virtude de poderem ser criados novos pares de um quark e um antiquark, que depois recombinam com os quarks e/ou antiquarks originais para dar origem a novos mesões e/ou bariões, mais leves. Deste modo, um mesão pode desintegrar-se em dois (ou mais) mesões e um barião noutro barião mais um mesão. Contudo, estas desintegrações só são possíveis se a massa da partícula original for superior à soma das massas das partículas resultantes. Para concluir este ponto, importa ainda referir que a força forte mediada por mesões é provavelmente um efeito residual da força de "côr", tendo ambas a mesma origem. Finalmente, para completar a discussão sobre as forças relevantes para o mundo sub-atómico, é de referir que existe ainda uma terceira força, além das forças electromagnética e forte, ou seja, a força fraca, responsável, por exemplo, pela desintegração de um neutrão livre num protão, electrão e (anti)neutrino, sendo este último uma partícula efémera, muito difícil de detectar.

O que significa excitação radial de um mesão?
Para entender isto, convém relembrar que um mesão é composto por um quark e um antiquark. Dependendo do tipo de mesão em causa, o quark e o antiquark giram um em torno do outro num certo tipo de órbita, embora não seja muito rigoroso usar este termo, já que só poucas órbitas, bem definidas, são fisicamente possíveis, devido ao comportamento quântico das partículas. Ora, para cada tipo de mesão, existe um estado fundamental, no qual o quark e o antiquark estão na órbita com distância média mais pequena entre eles, correspondendo à uma energia e por conseguinte também a uma massa mais baixa. Uma excitação radial dum mesão é então um mesão com os mesmos quark e antiquark e também o mesmo tipo de órbita, mas com uma distância média superior entre eles, resultando numa energia e massa mais elevadas. No entanto, também a excitação radial é quantificada, pelo que apenas certas distâncias médias entre o quark e o antiquark são possíveis. No caso concreto do DsJ(2860), parece que se trata do primeiro estado excitado do DsJ(2317), descoberto há 3 anos. Importa ainda mencionar que há também excitações angulares, que correspondem a diferentes tipos de órbitas.

O Universo sub-atómico é uma selva por explorar?
Isto corresponde em parte à realidade. Apesar dos impressionantes avanços, experimentais bem como teóricos, na Física de Partículas, ainda há muitas lacunas no nosso conhecimento e até partículas essenciais que falta descobrir. A mais famosa destas é o bosão "Higgs" (alias Higgs, simplesmente), uma hipotética partícula com propriedades como certos mesões, mas muitíssimo mais pesada. A existência do Higgs é essencial para a consistência teórica do modelo unificado para as forças electromagnéticas e fracas, da autoria de Sheldon Glashow, Abdus Salam e Steven Weinberg, laureados com o Prémio Nobel da Física em 1979. Mas também a energias mais baixas, há ainda muitos hiatos nos espectros dos mesões e dos bariões, além de terem sido observadas novas partículas controversas, como o pentaquark, que ainda carecem de confirmação experimental e teórica. De qualquer modo, pouco a pouco vai-se percebendo melhor como funcionam as interacções fundamentais no mundo sub-atómico e, quanto às interacções fortes, as descobertas do DsJ(2860) agora e do DsJ(2317) há três anos constituem importantes dicas neste puzzle.

Porque se naturalizou português?
A minha naturalização, mais cedo ou mais tarde, seria sempre um passo natural, já que casara com uma Portuguesa - também cientista - em 1985, e trabalhava desde 1986 como investigador visitante no antigo Instituto de Física e Matemático do, entretanto extinto, Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC), com a firme intenção de me radicar em Portugal. No entanto, a procura de um emprego estável precipitou as coisas, devido à abertura de uma vaga para investigador no INIC em finais de 1987, que tinha como condicionante ter a nacionalidade Portuguesa, embora tal exigência fosse inconstitucional. Para melhorar as minhas hipóteses, optei por adquirir já a nacionalidade Portuguesa, o que acabou por se revelar irrelevante para o concurso em causa. Em todo o caso, não me arrependo da decisão, mesmo que tenho levado à perda da minha nacionalidade Holandesa. Com o meu colaborador e amigo de longa data Eef van Beveren passou-se algo parecido, pelo que ele é também exclusivamente cidadão Português.

A sua descoberta foi atribuída por 24 horas. No futuro, as descobertas científicas atribuir-se-ão ao segundo?
Não é bem assim. Apesar das altas velocidades das partículas e as enormes quantidades de energia necessárias para produzi-las nos aceleradores, o trabalho de detecção leva muitos anos, se incluirmos as fases de planeamento das experiências, a construção dos detectores, a tomada de dados e a análise posterior destes. Também do lado teórico, uma abordagem realista pode levar meses de cálculos analíticos e programação no computador, antes dos cálculos e testes numéricos finais. Por isso, o que se passou com a apresentação do nosso (Eef van Beveren e eu) resultado em Madrid e o anúncio da equipa do BABAR em Pequim no dia seguinte deve ser um caso raro, senão único, de coincidência. De qualquer forma, a feliz circunstância de haver uma previsão teórica e uma (provável) confirmação experimental praticamente simultâneas e totalmente independentes uma da outra, dá uma credibilidade acrescida, tanto ao nosso modelo como à correcção da experiência.

 

 

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Rui G. Moura
Rosa Branca Esteves
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Alda Cardoso Ambrósio
Rui Lobo

 
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