George Rupp
“Há partículas essenciais
que falta descobrir.”
Que provas temos da existência
das partículas sub-atómicas?
Há muitas provas. Em primeiro lugar, sabemos desde
1896 que existe a radioactividade, graças a uma descoberta
acidental de Henri Becquerel, que deixou uma chapa fotográfica
embrulhada com alguns sais de urânio na escuridão
de uma gaveta e depois verificou que se tinha formado uma
impressão na chapa, como se tivesse estado exposta
à luz. Assim, ficou-se a saber que há elementos
que espontaneamente emitem radiações, na forma
de partículas com carga eléctrica, principalmente
electrões, as anti-partículas destes, isto é,
os positrões, núcleos de hélio, as chamadas
partículas alfa, e raios gamma, ou seja, fotões
ainda mais energéticos que os raios X. Em 1898, o famoso
casal Marie e Pierre Curie descobriu e conseguiu isolar os
elementos polónio e rádio, muito mais radioactivos
que o urânio, feito esse que lhes valeu, juntamente
com Henri Becquerel, o Prémio Nobel da Física
em 1903. Em seguida, graças ao trabalho de principalmente
Ernest Rutherford, Prémio Nobel da Química em
1908, descobriu-se que o átomo é essencialmente
vazio, com praticamente toda a sua massa concentrado num núcleo
ínfimo, composto por protões e neutrões,
estes últimos descobertos por James Chadwick (Prémio
Nobel da Física em 1935), núcleo esse rodeado
por electrões. Muitas outras partículas sub-atómicas
foram depois descobertas, nomeadamente o mesão chamado
pião (ver em baixo), previsto por Hideki Yukawa, Prémio
Nobel da Física em 1949. Também nos raios cósmicos,
descobertos por Victor Hess (Prémio Nobel da Física
em 1936, juntamente com Carl Anderson, descobridor do positrão),
há uma grande variedade de partículas sub-atómicas
e raios electromagnéticos. Hoje em dia, conhecemos
centenas de partículas, a maior parte delas criadas
em gigantescos aceleradores como do SLAC em Standord (EUA)
e do CERN em Genebra. Para comprovar a criação
dessas partículas são necessários enormes
detectores, do tamanho de uma casa, e equipas de centenas
de físicos e técnicos para analisar os dados
experimentais. O consórcio BABAR do SLAC, que detectou
o mesão DsJ(2860), é um dos maiores e mais bem
sucedidos.
Qual é o verdadeiro transportador
da força que liga as partículas do átomo?
Esta pergunta é mais difícil e requer uma resposta
detalhada. Há de facto três níveis de
ligação. Em primeiro lugar, existe a força
eléctrica, responsável pela atracção
entre partículas de carga oposta, no caso concreto
entre o núcleo atómico, de carga positiva, e
os electrões, que têm carga negativa. O transportador,
ou melhor dito, o "mediador" da força eléctrica
é o fotão. O segundo nível de ligação
é dentro do núcleo, onde todas as partículas
têm carga positiva, os protões, ou nula, os neutrões.
Para vencer a repulsão entre os protões e manter
os protões e neutrões no núcleo ligados
uns aos outros, é necessário existir outra força,
desta vez atractiva e ainda por cima mais forte que a força
eléctrica. Trata-se, logicamente, da chamada "força
forte", que no entanto tem um alcance muito curto, pelo
que núcleos muito grandes, como por exemplo de urânio
e de plutónio, tendem a ser instáveis, manifestando-se
isto através da radioactividade. Os mediadores da força
forte são os mesões como o pião , isto
é, partículas compostas por um quark e um antiquark.
Em contrapartida, os protões e os neutrões,
bem como outros "bariões", são compostos
por três quarks. Finalmente, o terceiro nível
de ligação existe dentro dos próprios
mesões e bariões, responsável por manter
o quark e o antiquark ou então os três quarks
ligados uns aos outros. Esta força, também chamada
"forte", é a mais complexa e nem sequer completamente
compreendida. Crê-se que os mediadores desta força
são os "gluões", partículas
sem massa como o fotão, mas com a propriedade adicional
de elas próprias terem, tal como os quarks e antiquarks,
uma espécie de carga, designada "côr",
em contraste com os fotões, que não têm
carga eléctrica. Deste modo, os gluões podem
trocar mais gluões entre eles e assim por diante. Este
efeito "cumulativo" leva a que a força de
"côr" seja tão difícil de descrever
com rigor. De qualquer modo, sabemos empiricamente que uma
consequência é o confinamento, ou seja, a permanente
ligação dos quarks e/ou antiquarks uns aos outros,
em virtude de a força de "côr" crescer
com a distância, contrariamente à força
eléctrica e a força forte mediada por mesões,
que decrescem à medida que a distância entre
as partículas aumenta. Assim, os quarks e os antiquarks
não podem existir isoladamente, andando sempre acompanhados
por outros quarks e/ou antiquarks. Porém, isto não
significa que os mesões e os bariões sejam necessariamente
partículas estáveis, em virtude de poderem ser
criados novos pares de um quark e um antiquark, que depois
recombinam com os quarks e/ou antiquarks originais para dar
origem a novos mesões e/ou bariões, mais leves.
Deste modo, um mesão pode desintegrar-se em dois (ou
mais) mesões e um barião noutro barião
mais um mesão. Contudo, estas desintegrações
só são possíveis se a massa da partícula
original for superior à soma das massas das partículas
resultantes. Para concluir este ponto, importa ainda referir
que a força forte mediada por mesões é
provavelmente um efeito residual da força de "côr",
tendo ambas a mesma origem. Finalmente, para completar a discussão
sobre as forças relevantes para o mundo sub-atómico,
é de referir que existe ainda uma terceira força,
além das forças electromagnética e forte,
ou seja, a força fraca, responsável, por exemplo,
pela desintegração de um neutrão livre
num protão, electrão e (anti)neutrino, sendo
este último uma partícula efémera, muito
difícil de detectar.
O que significa excitação
radial de um mesão?
Para entender isto, convém relembrar que um mesão
é composto por um quark e um antiquark. Dependendo
do tipo de mesão em causa, o quark e o antiquark giram
um em torno do outro num certo tipo de órbita, embora
não seja muito rigoroso usar este termo, já
que só poucas órbitas, bem definidas, são
fisicamente possíveis, devido ao comportamento quântico
das partículas. Ora, para cada tipo de mesão,
existe um estado fundamental, no qual o quark e o antiquark
estão na órbita com distância média
mais pequena entre eles, correspondendo à uma energia
e por conseguinte também a uma massa mais baixa. Uma
excitação radial dum mesão é então
um mesão com os mesmos quark e antiquark e também
o mesmo tipo de órbita, mas com uma distância
média superior entre eles, resultando numa energia
e massa mais elevadas. No entanto, também a excitação
radial é quantificada, pelo que apenas certas distâncias
médias entre o quark e o antiquark são possíveis.
No caso concreto do DsJ(2860), parece que se trata do primeiro
estado excitado do DsJ(2317), descoberto há 3 anos.
Importa ainda mencionar que há também excitações
angulares, que correspondem a diferentes tipos de órbitas.
O Universo sub-atómico é
uma selva por explorar?
Isto corresponde em parte à realidade. Apesar dos impressionantes
avanços, experimentais bem como teóricos, na
Física de Partículas, ainda há muitas
lacunas no nosso conhecimento e até partículas
essenciais que falta descobrir. A mais famosa destas é
o bosão "Higgs" (alias Higgs, simplesmente),
uma hipotética partícula com propriedades como
certos mesões, mas muitíssimo mais pesada. A
existência do Higgs é essencial para a consistência
teórica do modelo unificado para as forças electromagnéticas
e fracas, da autoria de Sheldon Glashow, Abdus Salam e Steven
Weinberg, laureados com o Prémio Nobel da Física
em 1979. Mas também a energias mais baixas, há
ainda muitos hiatos nos espectros dos mesões e dos
bariões, além de terem sido observadas novas
partículas controversas, como o pentaquark, que ainda
carecem de confirmação experimental e teórica.
De qualquer modo, pouco a pouco vai-se percebendo melhor como
funcionam as interacções fundamentais no mundo
sub-atómico e, quanto às interacções
fortes, as descobertas do DsJ(2860) agora e do DsJ(2317) há
três anos constituem importantes dicas neste puzzle.
Porque se naturalizou português?
A minha naturalização, mais cedo ou mais tarde,
seria sempre um passo natural, já que casara com uma
Portuguesa - também cientista - em 1985, e trabalhava
desde 1986 como investigador visitante no antigo Instituto
de Física e Matemático do, entretanto extinto,
Instituto Nacional de Investigação Científica
(INIC), com a firme intenção de me radicar em
Portugal. No entanto, a procura de um emprego estável
precipitou as coisas, devido à abertura de uma vaga
para investigador no INIC em finais de 1987, que tinha como
condicionante ter a nacionalidade Portuguesa, embora tal exigência
fosse inconstitucional. Para melhorar as minhas hipóteses,
optei por adquirir já a nacionalidade Portuguesa, o
que acabou por se revelar irrelevante para o concurso em causa.
Em todo o caso, não me arrependo da decisão,
mesmo que tenho levado à perda da minha nacionalidade
Holandesa. Com o meu colaborador e amigo de longa data Eef
van Beveren passou-se algo parecido, pelo que ele é
também exclusivamente cidadão Português.
A sua descoberta foi atribuída
por 24 horas. No futuro, as descobertas científicas
atribuir-se-ão ao segundo?
Não é bem assim. Apesar das altas velocidades
das partículas e as enormes quantidades de energia
necessárias para produzi-las nos aceleradores, o trabalho
de detecção leva muitos anos, se incluirmos
as fases de planeamento das experiências, a construção
dos detectores, a tomada de dados e a análise posterior
destes. Também do lado teórico, uma abordagem
realista pode levar meses de cálculos analíticos
e programação no computador, antes dos cálculos
e testes numéricos finais. Por isso, o que se passou
com a apresentação do nosso (Eef van Beveren
e eu) resultado em Madrid e o anúncio da equipa do
BABAR em Pequim no dia seguinte deve ser um caso raro, senão
único, de coincidência. De qualquer forma, a
feliz circunstância de haver uma previsão teórica
e uma (provável) confirmação experimental
praticamente simultâneas e totalmente independentes
uma da outra, dá uma credibilidade acrescida, tanto
ao nosso modelo como à correcção da experiência. |