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# 66 | 30 Outubro 06
 

Nasceu em Madrid em 1951. Tem um doutoramento em Ciências Físicas feito na Universidade de Saragoça onde actualmente é professor titular do Departamento de Análises Económicas. A sua investigação centra-se desde há quinze anos na “Economia da Água”, e os seus trabalhos mais relevantes estão publicados nos livros: “A gestão da água em Espanha e Califórnia” (1997), e “O Plano Hidrológico Nacional: um encontro frustrado com a história” (2003).

É membro do Consejo del Agua de la Cuenca del Ebro, membro do comité MAB – UNESCO, membro do Comité Científico do Congresso Mundial da Internacional Water Resources Association (IWRA) e preside à Fundación Nueva Cultural del Agua, organizadora dos Congressos Ibéricos sobre Planificação e Gestão de Águas com o apoio de 70 universidades de Espanha e Portugal.

Em 2003 recebeu o Prémio Golddman de Meio Ambiente para a Europa, galardão considerado como o Nobel da Ecologia.

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Pedro Arrojo
“Os rios e os lagos são muito mais do que meros canais de água.”

Em traços gerais como se baseia esta nova cultura da água que a sua fundação defende?
O que pensamos é que estamos num momento de profunda mudança na gestão das águas. A abordagem clássica compreendia a água como um simples recurso económico e os rios como meros canais de H2O. É preciso mudar os valores em jogo para mudar da gestão de recursos à gestão de um ecossistema. O exemplo é a diferença, entendida já por todos, entre a gestão madeireira e a gestão florestal. Da mesma forma que a floresta é muito mais do que um armazém de madeira, os rios e os lagos são também muito mais do que meros canais de água. Deixa de ser uma questão estritamente económica para passar a ter um destaque ecosistémico no qual o objectivo é a gestão sustentada.

A água como recurso tem sido historicamente motivo para várias guerras, certo?
No meu entender, tem sido mais um pretexto do que uma razão para gerar guerras. Passa-se algo parecido com o território que tem sido motivo de guerras mas não acredito, por exemplo, que merecesse a pena fazer uma guerra por Gibraltar. O que acontece é que a água é um elemento muito emblemático e facilmente se transforma em bandeira de demagogia e reivindicações várias.

A nova cultura da água despreza o valor económico deste recurso?
Não é que despreze o uso económico da água, da mesma maneira que não se despreza na política florestal o uso económico da madeira, o que se entende é que o objectivo económico está subordinado ao princípio de sustentabilidade e de conservação do ecossistema. É possível fazer uma boa gestão económica se esta for sustentável. O que é um mau negócio é um rio contaminado ou seco.

Ainda estamos a tempo de inverter a tendência?
Estamos a tempo de muita coisa e estamos fora de tempo de muitas outras coisas irreversíveis. Em particular nos rios, ainda que tenhamos tomado acções e tenhamos dado destaques que resultaram em impactos irreversíveis, o certo é que têm uma capacidade regenerativa muito grande. Quando fazemos um esforço de depuração muitos dos ecossistemas fluviais demonstram uma grande capacidade de regeneração. Felizmente, ainda estamos a tempo de recuperar muito do que perdemos por inconsciência e por irresponsabilidade.

Na Península Ibérica está cada vez mais presente a preocupação pela seca. Que medidas concretas é preciso desenvolver para combatê-la?
O princípio é recuperar o bom estado dos nossos sistemas fluviais, o que se conhece a nível científico como aumentar a resiliência dos ecossistemas naturais. É a capacidade de regeneração, a inércia, a capacidade de controlo e de estabilidade que têm os próprios ecossistemas quando estão em bom estado. Este elemento de inércia é muito mais potente que as barragens. Em caso de seca existem dois tipos de sistemas naturais que são vitais e que se devem recuperar para que possam ser uma peça chave na luta contra a seca: os aquíferos e os pântanos.

O que se deve fazer com os aquíferos?
O que se passa é que houve descuidos já que em alguns sítios não são utilizados uma vez que são demasiados caros e noutros houve uma sobreexploração, o que de uma maneira ou outra deixa de ser uma peça útil para gerir a seca. A recuperação dos aquíferos é essencial e isso consegue-se diminuindo o seu uso em tempos de normalidade para transformá-los em peças estratégicas de gestão de seca.

E com os pântanos?
Os pântanos não só dão uma capacidade de regulação de muita inércia às bacias hidrográficas como também são macro depuradores naturais e isso é importantíssimo em tempos de seca, já que o principal problema não é o elemento quantitativo mas sim o qualitativo. Ter muita água contaminada é pior do que não tê-la de todo. As estratégias não devem centrar-se apenas na conservação da quantidade mas também na qualidade dos momentos de normalidade para poder fazer frente às secas e nisso os pântanos são vitais.

Que mais deve ser feito?
Deve-se mudar o sistema tradicional das barragens passando das estratégias de gestão anuais para estratégias plurianuais. Isso permitiria suportar, graças à enorme infra-estrutura hidráulica existente na península, dois anos seguidos de seca, coisa que actualmente não acontece já que um ano de seca faz tremer todo o sistema. A chave está em reduzir o uso que é feito das barragens e especialmente da superfície de risco que se mantém em tempo de normalidade para haja água disponível nos anos de seca. Mudar o uso maximalista por um uso preventivo.

E nas cidades?
Outro ponto chave da modernização das redes urbanas. Não se trata de poupar água para dedicá-la a novos crescimentos urbanísticos, trata-se de dedicar a poupança que gera a modernização urbana para aumentar a garantia em anos de seca. Passa-se o mesmo com a reutilização, o que não deve servir para fazer campos de golfe, deve servir para armazenar e prevenir situações de seca.

Fábricas dessalinizadoras ou transvazes?
Dessalinizadoras. Não podem ser feitos micro investimentos sistemáticos para resolver situações de conjuntura. É muito mais flexível, modular e económico utilizar a tecnologia de dessalinização da água do mar em zonas costeiras do que construir macro infra-estruturas como transvazes a 800 quilómetros de distância.

Algo mais?
Sim, flexibilizar o sistema criando os bancos públicos de água que permitem uma governabilidade democrática, não conflituosa, na qual os usuários de menor rentabilidade estão dispostos a ceder parte dos seus caudais a troco de uma compensação económica bem negociada e os usuários mais exigentes, que têm maior capacidade económica, pagam a água mais cara e tudo sobre controlo público para que não existam movimentações especulativas.

Em conclusão, o objectivo não é o de gerar mais dinheiro mas sim o de manter o ecossistema, certo?
No fundo, ao poupar acaba-se por gerar mais dinheiro posto que uma seca mal cuidada gera perdas notáveis. Trata-se de fazer uma economia preventiva da mesma maneira que fazemos quando nos certificamos que está tudo em segurança com o nosso carro. Não perdemos dinheiro, ganhamos na prevenção e a longo prazo acaba-se sempre por ganhar. Não é um problema de meio ambiente ou de protecção das gerações futuras, é uma política inteligente. É compreender o conto da galinha dos ovos de ouro, onde o animal não importa, o que importa são os ovos de ouro que põe todas as manhãs. O negócio está em cuidar bem da galinha. Prevenir as secas é um sintoma de uma boa economia.

entrevista de Jordi Bascuñana

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Editor
António Coxito
Produção
Ricardo Melo
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