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# 65 | 23 Outubro 06
 

Licenciado em Biologia, tem-se debruçado sobre as bases neuronais para a linguagem a partir de primatas não-humanos.
Investigador do Instituto Gulbenkian de Ciência e dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH).

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Ricardo Gil-da-Costa
“O antepassado comum entre humanos e macacos, já possuía as bases neuronais para o processamento linguístico.”

Quando apareceram as bases neuronais para a linguagem?
Não é possível actualmente sabermos ao certo qual o momento exacto do aparecimento das bases neuronais subjacentes à linguagem. O que podemos afirmar, baseando-nos nos resultados recentes que publicamos, é a verificação de que os macacos rhesus, durante o processamento de vocalizações da sua espécie, apresentam activação selectiva de áreas cerebrais homólogas às áreas associadas a processos de representação conceptual (Gil-da-Costa et al. (2004). Proceedings National Academy of Sciences, USA. 101: 17516-17521.) e de linguagem (Gil-da-Costa et al. (2006). Nature Neuroscience, 9, p.1064-1070.) em humanos. Esta descoberta leva-nos a inferir que, pelo menos, o antepassado comum entre humanos e estes macacos, que existiu aproximadamente entre 25 a 30 milhões de anos atrás, já possuía as bases neuronais que poderão ter sido recrutadas posteriormente para o processamento linguístico.

O seu estudo aborda apenas a linguagem oral?
Ao nível dos estímulos utilizados, os estudos de imagiologia cerebral em macacos que publicamos baseiam-se apenas em sistemas de comunicação vocal em primatas não-humanos. Em futuros estudos iremos integrar também estímulos visuais representativos de diferentes objectos e eventos, e associados a determinados sons.
Contudo, a rede neuronal que descobrimos ser selectivamente activada por vocalizações de macaco, engloba, para além de áreas de córtex auditivo, áreas de processamento visual, motor, de valência emocional e envolvidas em processos de decisão. Estes resultados levam-nos a crer que, tal como em humanos, estímulos auditivos com significado (i.e. vocalizações) estão associados a uma vasta rede neuronal que representa a globalidade do objecto (e/ou evento) associado com o estimulo, englobando assim as representações associadas ao dito objecto a nível visual, emocional, etc. Estudos prévios em humanos demonstram a activação de uma rede neuronal homóloga independentemente da modalidade sensorial do estímulo (ou seja, quer seja a palavra ‘cão’ escrita ou falada, ou o som de um cão a ladrar ou uma imagem de um cão, a rede neuronal activada é representativa das múltiplas características associadas ao conceito de cão, tanto gerais como ligadas à experiência individual da pessoa testada).

Em que difere a linguagem no Homem e nos outros primatas não-humanos?
Não se pode afirmar que exista linguagem per se em primatas não-humanos. Não há provas da existência em macaco da capacidade sintáctica ou de recursão (capacidade de sistematicamente recombinar um número finito de elementos dando origem a um quase infinito número de significados) que são características da linguagem humana. O que parece já existir é um complexo sistema de representação conceptual associado à sua comunicação vocal, tendo a capacidade de, tal como na linguagem humana, associar um determinado som arbitrário, produzido pelos membros da mesma espécie, com um significado específico, sendo assim possível transmitir informação referencial entre indivíduos da mesma espécie. Para além disso, descobriu-se que as áreas neuronais envolvidas no processamento deste sistema de comunicação ‘pre-linguístico’ são homólogas das áreas envolvidas no processamento linguístico em humanos.

O genoma descreve a totalidade das diferenças entre o Homem e os outros animais?
Não, de modo algum. Para além da base e predisposição genética, tanto o Homem como os outros animais apresentam uma enorme variedade de adaptações (respostas comportamentais e fisiológicas) às influências do meio ambiente que habitam. O ‘resultado final’ fenotipico de um organismo, independentemente da sua espécie, deriva não só do seu genoma mas também da interacção e adaptação aos vários factores evolutivos presentes no meio ambiente.

Como funciona o PET ?
O PET (Tomografia de Emissão de Positrões) é uma técnica não invasiva de imagiologia cerebral. São injectados na corrente sanguínea radioisótopos (moléculas radioactivas), no caso do nosso estudo uma molécula que, por acoplação, serve como marcador de oxigénio. O scanner detecta esse marcador e proporciona-nos uma leitura das áreas de maior consumo de oxigénio no cérebro durante cada teste. O aumento do consumo de oxigénio está directamente associado com o aumento de metabolismo, indicando assim de forma indirecta o aumento de actividade de uma determinada área cerebral. Por comparação das várias condições de teste (no caso do nosso estudo a comparação de actividade neurofisiológica durante o processamento de vocalizações de rhesus e de sons não-biológicos) obtemos os padrões de actividade cerebral associados a cada tarefa / função.

Porque é mais difícil aprender uma língua depois dos seis anos de idade?
Esta é sem duvida uma boa pergunta, mas sem uma resposta fácil. Para além disso, devo admitir que não é a minha área de especialidade de forma que outros colegas poderão provavelmente responder melhor. É talvez importante, de uma forma simplificada, pensarmos em linguagem dividindo-a em pelo menos três componentes: a fonética (capacidade de percepção e produção de sons linguísticos), a semântica (o significado associado a cada conceito, palavra, etc. utilizado em linguagem) e a sintaxe (a estrutura organizacional de construção linguística). A maioria dos estudos efectuados até hoje indicam a existência de períodos críticos para a aprendizagem linguística. Isto está geralmente associado a pelo menos dois factores, um relacionado com a capacidade de percepção e reprodução de determinado som (fonética), e outro com o desenvolvimento cognitivo necessário à aprendizagem e desempenho linguístico (semântica e sintaxe).
Vários estudos em bebés em fase pré-linguística demonstram que, fazendo uso do ‘palrear’, estes tentam imitar os sons que ouvem, produzidos pelas pessoas em seu redor. Este exercício permite-lhes desenvolver a percepção, bem como a sua própria capacidade de reprodução de sons específicos, sendo essencial para o desenvolvimento de linguagem vocal. Devido a motivos de desenvolvimento fisiológico há maior plasticidade para este ‘afinar’ de percepção e vocalização em bebés e crianças até aproximadamente aos 3 anos de idade, estendendo-se ainda pelo menos até por volta dos 6 anos. Isto leva a que os padrões de articulação vocal sejam geralmente moldados pela língua materna até esta altura. Assim, há uma tendência em utilizar este ‘molde’ da língua materna em línguas aprendidas posteriormente dificultando uma boa capacidade de reprodução fonética, mantendo o sotaque da língua materna e apresentando dificuldade em reproduzir o da ‘nova’ língua.
Outro factor é o desenvolvimento cognitivo propriamente dito, associado à linguagem, o desenvolvimento da semântica e da sintaxe, para o qual, tal como na capacidade de percepção e reprodução vocal, existem períodos críticos de aprendizagem, mas neste caso mais alargados, estendendo-se tipicamente até à adolescência. O léxico (conjunto de vocabulário) aumenta ao longo da vida, e a estrutura sintáctica linguística é também gradualmente aperfeiçoada. Há sem duvida um desenvolvimento tanto psicológico, como por exemplo o desenvolvimento de pensamentos mais abstractos, como neurofisiológico, sendo a socialização do individúo um elemento fundamental. Alguns estudos têm relatado crianças que, tendo permanecido isoladas de contacto humano, e portanto não expostas a linguagem até à adolescência, não parecem ter a capacidade de iniciar então a aprendizagem de linguagem. O que leva mais uma vez à ideia de um período critico a partir do qual a aprendizagem linguística já não e possível. Contudo, temos de considerar nestes casos a enorme disfunção psicológica que este tipo de isolamento implica, sendo difícil distinguir exactamente a que se deve cada deficiência apresentada. Apesar de vários estudos anatómicos e funcionais nos terem facultado conhecimentos sobre os mecanismos de aprendizagem e a capacidade de plasticidade cerebral no que diz respeito a linguagem, o mecanismo fisiológico subjacente não está ainda completamente determinado. Estudos presentes e futuros em desordens linguísticas, acompanhando os pacientes e explorando a capacidade de recuperação bem como a adaptação neurofisiologica, desde a infância até à idade adulta, deverão trazer dados cruciais a esta questão.

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Editor
António Coxito
Produção
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