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# 58 | 04 Setembro 06
 

Nasceu em Guimarães em 1966 e licenciou-se em Engenharia Física, Ramo de Instrumentação, em 1991, pelo Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, aonde actualmente lecciona.
Os seus interesses de investigação incluem controlo de força, robótica industrial e interfaces homem-máquina.
É editor da revista “Robótica”, autor de 3 livros na área da robótica e automação e de mais de 100 publicações científicas.
Intervém ainda publicamente na divulgação de ciência e tecnologia, na participação activa no esclarecimento de assuntos relacionados com a sua área de actividade, e na partilha de ideias, raciocínios e projectos, contribuindo dessa forma para a difusão de conhecimento e para a melhoria das condições de vida das pessoas.


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Norberto Pires
“As previsões mais optimistas são largamente ultrapassadas com a evolução da ciência e da tecnologia.”

Até que ponto é execuível o projecto de robots morfologicamente semelhantes ao Homem?
Robôs com aspecto humano fazem parte do nosso imaginário, e não é por acaso que aparecem na ficção criada pelo homem. A ideia é bem simples, criar um auxiliar mecânico que realize tarefas de forma comparável ao homem, e que possa substitui-lo nas tarefas mais repetitivas, aborrecidas e que não colocam desafios intelectuais. Uma espécie de escravo ideal, obediente, sempre disponível e eficaz. De certa forma, foi esta a ideia que fez com que muitos dos pensadores mais brilhantes da nossa história comum se tivessem dedicado a imaginar, projectar e construir máquinas capazes de “copiar” algumas das capacidades humanas. E isso nada tem a ver com tecnologia, mas sim com imaginação e capacidade de sonhar. Consequentemente, é possível encontrar trabalhos e realizações na área anteriores ao nosso século, ao nosso milénio e até anteriores a Cristo.
Existem previsões que dizem que nos próximos 30 anos teremos robôs comerciais que serão capazes de falar connosco, andar como nós e capazes de exibir emoções. Podem levar os nossos filhos à escola, ou ao parque infantil, acordar cedo e fazer as nossas compras, etc. Nessa perspectiva, esses robôs inteligentes do futuro poderão mesmo sentar-se connosco ou com os nossos filhos e falar sobre os nossos problemas e experiências. Isso teria ainda um efeito social muito interessante. Com a idade perdemos capacidades físicas e mentais. Os robôs podem ser os nossos assistentes pessoais ajudando-nos a manter um nível de actividade interessante e competitivo mesmo nessas idades avançadas. Esta perspectiva social da robótica é muito atractiva e cheia de potencialidades. E um enorme desafio científico e tecnológico potenciador de uma actividade industrial muito interessante pelas perspectivas de criação de valor.

Que contributos tem trazido a Inteligência Artificial para a programação das tarefas dos robots?
Não queria parecer demasiado sonhador, na forma como respondi à pergunta anterior. A questão da inteligência artificial vem um pouco na sequência de perguntar: Até que ponto é isto ficção científica?
Bem, o passado recente demonstra que mesmo as previsões demasiado optimistas são largamente ultrapassadas com a evolução verdadeiramente avassaladora da ciência e da tecnologia. Mas neste caso, quando não sabemos como funciona o cérebro humano, e portanto temos dificuldade em reproduzir as suas funções mesmo que de forma mais simplificada (recorrendo por isso a menos conhecimento sobre o funcionamento do cérebro humano), será possível ser tão optimista?
A minha perspectiva é que esta ideia de construir máquinas que se parecem com homens e andam como homens é um pouco uma perca de tempo. De facto, este esforço não contribui para o avanço tecnológico e científico no objectivo de dotar as máquinas de inteligência. Um dos problemas fundamentais é o de como proceder para colocar os computadores (os cérebros dos robôs) a fazer análise de senso comum (commonsense reasoning) que lhes permita perceber coisas e situações comuns do dia-a-dia. Por exemplo, não existe nenhum robô “vivo” capaz de perceber que se largar um objecto, ele cai. Ou que se tiver um objecto preso por um cordel em cima de uma mesa, pode puxar pelo cordel para mover o objecto, mas não vale a pena empurrar o cordel. Uma criança de 4-5 anos sabe centenas de milhares destas pequenas coisas, e um adulto sabe milhões. A evolução nesta área tem sido muito lenta, e na minha opinião é fundamental para tornar as máquinas realmente “espertas”. De que vale o robô que se parece com um homem, se quando faz qualquer coisa é tão... robô?
Os robôs em vez de se parecerem com homens, e falarem e andarem como homens devem ter um objectivo prático a atingir. A semelhança com humanos não é fundamental, e cumpre mais objectivos emocionais do que práticos.
A verdade é que a tecnologia de reconhecimento em tempo-real do ambiente, a capacidade de manipular objectos, a capacidade de detectar e transpor obstáculos, a capacidade de entender o discurso humano ainda não estão suficientemente desenvolvidos. Longe disso. As máquinas actuais mostram algumas capacidades rudimentares, mas só isso.

Para já, os robots industriais são usados apenas por grandes empresas. Isto quer dizer que não trazem rentabilidade para as PMEs?
Os robôs industriais actuais não estão adaptados a Pequenas e Médias Empresas (PME). Na verdade, não foram construídos a pensar em PME, nem foi grande a preocupação de os dotar de mecanismos de interface com o homem que facilitassem grandemente as tarefas de programação e utilização por um operador comum, isto é, sem conhecimentos de engenharia, de programação e de certa forma com baixos conhecimentos de tecnologia.
No entanto, sendo a maioria das empresas industriais do tipo PME, é muito importante adaptar a tecnologia para esse tipo de empresas. Isso é feito pelas empresas integradoras de automação e robótica, isto é, aquelas que constroem soluções robotizadas a pedido das empresas. No entanto, é uma tarefa complexa, morosa, difícil de manter, pouco flexível, pouco ágil, normalmente muito cara e inacessível à generalidade das PME.
Hoje em dia, dependendo do tipo de produto e do tipo de produção, a adopção de equipamentos robotizados por parte de PME pode ser comportável constituir uma solução. Depende da análise custo/beneficio. Em muitos casos, dada a concorrência e condições de mercado, a análise é favorável mesmo para uma PME. No entanto, o esforço deve ser feito no sentido de que seja favorável na grande maioria das situações, facilitando a sua adopção pelas PME. Nessa perspectiva, saliento o projecto europeu SMEROBOT (http://www.smerobot.org) financiado pelo 6º Programa Quadro da União Europeia e que tem como finalidade desenvolver robôs adaptados às PME, transformando em produtos muitos dos desenvolvimentos disponíveis em laboratórios. Para além disso, pretende contribuir de forma decisiva para diminuir o tempo de programação e a complexidade associada a tarefas robóticas. Este projecto reúne todas as empresas de robótica da Europa, bem como os parceiros de I&D relevantes, entre os quais se encontra o Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra. O objectivo é ter robôs mais baratos, mais fáceis de instalar e de programar, e muito mais fáceis de usar por um operador comum.

Que trabalho desenvolveu para o Space Shuttle?
Uma das áreas de I&D do nosso laboratório (Laboratório de Robótica Industrial da Universidade de Coimbra, Departamento de Engenharia Mecânica-DEM) é o controlo de força em robótica industrial. Nessa perspectiva temos colaborado com outros laboratórios, mas também com empresas, nomeadamente as fornecedoras de tecnologia. Uma delas, denominada JR3, fabrica sensores de força-momento inteligentes. Temos um acordo simples com essa empresa, que permite a partilha de software desenvolvido por nós com a empresa, tendo em contrapartida acesso privilegiado ao equipamento e a disponibilidade de sensores (geralmente muito caros). Esse software é usado nos sensores, bem como no desenvolvimento de aplicações de aquisição de dados a partir dos sensores.
Assim, a colaboração com a NASA foi indirecta. A NASA nas novas missões do shuttle usa sensores de força da JR3, e, portanto, usa o nosso software. Tira partido dele, como muitos outros clientes da JR3, no desenvolvimento das suas aplicações. Estes sensores são usados em empresas em tarefas de polimento, lixagem, manipulação, etc., e de uma maneira geral em qualquer aplicação que exija o controlo da força de contacto entre os robôs e as peças de trabalho. A NASA foi/é só mais um dos utilizadores, como é a IVO Cutelarias (Portugal) que fabrica cutelarias para exportação e utiliza robôs para lixar e polir peças resultantes de estampagem.

Que tarefas poderá desempenhar um robot de companhia?
Todas as tarefas que desempenha uma companhia humana. Neste momento, como disse anteriormente, as tarefas possíveis são ainda muito limitadas, mas as perspectivas a médio prazo são animadoras e têm uma componente social muito interessante, o que poderá constituir uma forte motivação para acelerar desenvolvimentos. O foco actual do I&D na área está na interacção homem-máquina. Construir robôs que sejam que sejam capazes de operar de forma segura e eficaz, na presença de humanos, num ambiente típico das nossas casas já é de si uma tarefa gigantesca em termos de desafios científicos e técnicos. Consequentemente, construir um robô que para além disso tem interacção com os humanos ao ponto de substituí-lo em determinadas tarefas e possa constituir uma companhia, é uma realização que antevejo algo longínqua.

Já há grandes desenvolvimentos no controlo de robots por voz. Quando poderão eles manter uma conversa?
Se o objectivo é usar robôs comandados por voz, isto é, que os humanos possam usar a sua voz como forma de comando isso já é possível e é eficaz. Basta adoptar uma semântica, um mecanismo de reconhecimento de voz, um mecanismo de disparo de eventos e as respectivas rotinas de serviço a esses eventos. Não é complicado, mesmo em ambiente industrial, isto é, máquinas que são capazes de interpretar a voz humana, e de alguma forma “entender” o que diz, e responder sintetizando uma linguagem semelhante estão em desenvolvimento. Os modernos sistemas de reconhecimento e sintetização de voz permitam uma interface natural com os humanos.
Manter uma conversa implica entender a complicada linguagem humana. Implica dar sentido a uma frase, entender uma ideia manifestada por uma frase, a lógica de um discurso que muitas vezes está no tipo de palavras usadas, na acentuação, na forma, no sentido que é dado à palavra ou frase naquele contexto, etc. Isso é altamente complexo. Exige discernimento e, consequentemente, aprendizagem e inteligência. São tarefas da esfera da inteligência artificial, a qual necessita de máquinas mais poderosas, de desenvolvimentos na forma de programar, na capacidade de aprendizagem, na forma de relacionar experiências e retirar ensinamentos dessas experiências, na forma de representar esse “conhecimento” para que possa ser usado eficientemente, etc. É um trabalho muito exigente ainda dependente de desenvolvimentos científicos e tecnológicos, o que torna uma previsão muito difícil.
Ou seja, o C3PO é ainda uma realização longínqua.

Anteriores entrevistas:
Cármen Arnau Muro
Pedro Granja
José Xavier
Tito Trindade
Irene Fonseca

 
Editor
António Coxito
Produção
Ricardo Melo
Design
Luís Silva
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