Irene Fonseca
“A interdisciplinaridade tem que
permear a educação dos novos investigadores.”
Quais os novos desafios da Matemática?
A informática, a matemática e as ciências
físicas e sociais são os pilares dos grandes
avanços científicos e tecnológicos dos
últimos anos. Desde a concepção à
análise do comportamento de novos materiais ditos inteligentes,
desde a modelização de estruturas extremamente
finas utilizadas em medicina ao estudo de imagens por visão
computorizada, desde a biomedicina à energia e ao ambiente,
desde as comunicações às redes e segurança,
a matemática é o grande motor das grandes descobertas.
Aqui cito Edward David, ex-presidente de Exxon RD: "Too
few people recognize that the high technology so celebrated
today is essentially a mathematical technology".
O desafio que se põe, não à matemática
mas aos matemáticos, é o de saberem aproveitar
esta riqueza de motivações físicas que
não só ligam a matemática às outras
ciências e engenharias, mas certamente catapultam a
disciplina para novas frentes de investigação
aonde as teorias existentes são insuficientes para
tratar os novos problemas científicos e tecnológicos.
Isto é, as aplicações dão origem
à nova ciência!
A matemática é hoje uma
ciência inter-disciplinar?
A matemática teve sempre uma característica
inter-disciplinar: é impossível obterem-se resultados
nas ciências e engenharias sem uma estrutura matemática.
Daqui o facto da matemática se encontrar "entre"
(inter) disciplinas. Quanto às aplicações,
desde a teoria dos números na criptografia passando
pelas equações diferenciais no estudo da turbulência
e, consequentemente, no desenho das aeronaves, a matemática
teve e continua a ter uma ubiquidade indiscutível entre
as disciplinas científicas e as engenharias. Não
é um fenómeno actual. O que é um fenómeno
novo é a compreensão que a interdisciplinaridade
tem que permear a educação e o treino dos novos
investigadores.
Como é que os motores industriais
e tecnológicos podem alimentar o desenvolvimento da
Matemática?
Como frisei acima, uma das grandes riquezas do envolvimento
dos matemáticos com biólogos, engenheiros e
outros cientistas, é o serem expostos a problemas que
escapam às teorias matemáticas tradicionais
e estimulam a criação de novas teorias. Exemplos
recentes podem ser encontrados no tratamento de cristais líquidos,
materiais com propriedades magnéticas, segmentação
de imagem, finanças, sistemas biológicos, etc.
Que ferramentas inovadoras devem ser
implementadas no estudo da Matemática?
Não há áreas novas a desenvolver, mas
há áreas em que é preciso investir a
nível nacional, e uma delas é a computação
_ esta é a ponte entre a matemática e as outras
ciências e as engenharias. Talvez fosse de considerar
a criação dum laboratório nacional de
estudos graduados e pós-graduados em computação
e matemática industrial.
De forma à matemática poder responder aos desafios
actuais que se lhe põem, é necessário
criar uma nova casta de cientistas e engenheiros com capacidade
para ligar perspectivas diversas e trabalhar através
de fronteiras disciplinares, com um sentido desenvolvido de
aprendizagem contínua de forma a permanecerem cientificamente
e tecnologicamente astutos. Este é um treino interdisciplinar,
multi-institucional e mesmo multi-nacional, já que
hoje em dia o espectro de especialização é
tão vasto que raramente pode ser encontrado numa instituição
única.
Claro que isto requer que os educadores sejam entusiasmados
pelo ensino como são pela investigação
que desenvolvem, que tragam para a sala de aula a paixão
pela matemática que fazem na calma dos seus gabinetes,
e sobretudo que o sistema de ensino seja flexível e
permeável à inovação. Requer ainda
que o sistema de treino dos novos investigadores não
se reduza a produzir "clones" dos professores que
já existem no mundo universitário, com pouca
preparação para iniciarem carreiras não
académicas.
Qual o estado da Ciência em Portugal,
visto de uma Universidade Americana?
Não me pronuncio sobre a ciência em geral, mas
limito-me a falar da perspectiva exterior que a matemática
em Portugal tem hoje em dia. Há um enorme potencial,
e faz-se matemática de excelente qualidade. Com o número
de doutoramentos obtidos no estrangeiro nas últimas
duas décadas, aumentou-se de forma extraordinária
a capacidade intelectual dos novos investigadores que regressaram
ao País com redes de colaboração no estrangeiro
que se reflectem na internacionalização do trabalho
feito no País.
No entanto, há a percepção que esta riqueza
não é devidamente aproveitada. Este é
um problema complicadíssimo, para o qual não
vejo solução fácil a curto prazo. A matemática
desenvolvida em Portugal poderá dificilmente atingir
níveis internacionais de excelência se as instituições
não capitalizarem e investirem de forma estratégica
num número pequeno de áreas (o que não
preclude que indivíduos escolham especializações
noutras áreas) _ somos um País pequeno, não
podemos ser bons em tudo!
Mas isto exige planeamento e recrutamento estratégicos,
e o desenvolvimento duma visão a curto e médio
prazos, o que é essencialmente impossível atendendo
ao regime vigente de recrutamento e promoções,
e à dependência quase total da investigação
vis a vis o ensino.
Que fascínio experimenta quando
se debruça sobre problemas como os de Poincaré,
Navier-Stokes, Hodge ou Riemann?
O fascínio é o fascínio da descoberta,
e o fascínio de ensinar a fazer ciência aos que
vêm a seguir a nós, e sobretudo é a consciência
de se pertencer ao grupo privilegiado dos que recebem um salário
por fazerem aquilo que fariam de qualquer forma!
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