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# 54 | 07 Agosto 06
 

Nasceu no Porto em 1970.
Investigador no INEB (Instituto de Engenharia Biomédica).
Destaca-se a pesquisa que tem desenvolvido em engenharia de tecidos ósseos. Com esta investigação pretende encontrar novos materiais e técnicas menos invasivas para a regeneração de tecidos ósseos necessária em algumas situações clínicas.
Recebeu o prémio internacional Jean Leray Award em 2006, que visa reconhecer investigadores de primeira-linha, com menos de 40 anos e que se distingam pelo contributo na área dos biomateriais.

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Pedro Granja
“O Homem-Máquina parece-me algo dificilmente aceitável pelas nossas sociedades actuais.”

Qual o grau de ficção/realidade do conceito de Homem Biónico?
A origem da palavra Biónica resulta da união entre as palavras biologia e electrónica, e Biónica pode ser definida como a substituição ou melhoramento de estruturas anatómicas ou processos fisiológicos por componentes electrónicos ou mecânicos. A investigação nesta área pretende restaurar e/ou melhorar as funções sensoriais, motoras e neuronais humanas, que podem degenerar devido ao envelhecimento, a lesões, a doenças genéticas, entre outras razões.
Actualmente, A Biónica está associada a algo mais vasto do que a concepção que geralmente temos do “Homem de 6 Milhões de Dólares”, da série que se popularizou nos anos 70, ou até dos ciborgues (ser composto de um parte viva e de uma parte artificial) tão conhecidos de todos como o “Exterminador”. Hoje em dia há já várias formas possíveis de tornar isso possível, desde a utilização de próteses externas, passando pelos implantes, ou recorrendo à medicina regenerativa, através da indução de processos regenerativos no próprio organismo.
A substituição de membros no corpo por próteses externas é uma realidade com que convivemos já no nosso dia a dia. Os casos mais conhecidos serão provavelmente as pernas, as mãos e os braços artificiais. Estes dispositivos atingiram já um grau de sofisticação elevado, como se comprova observando os atletas olímpicos com pernas artificias. No caso destes dispositivos, existe ainda a possibilidade de melhorar a performance do membro natural, o que nos faz sonhar com possibilidades fantásticas em termos de superação das capacidades humanas, mas também nos faz temer diversos malefícios, tais como o uso militar destes dispositivos. Menos conhecidas mas igualmente fascinantes, existem ainda versões experimentais de diversas outras partes do corpo que prometem revolucionar a medicina actual. Por exemplo, implantes neuronais que permitam ao indivíduo accionar máquinas e computadores, ou até comunicar por telepatia com outros indivíduos dotados do mesmo dispositivo, ou olhos artificias que permitam ver para alem do visível, isto é, ver no escuro por exemplo.
Os implantes são outra forma já muito utilizada de substituir partes do corpo. Estes dispositivos salvam de facto milhões de vidas em todo o mundo e contribuíram significativamente para o aumento da esperança de vida humana. Muitos destes implantes não são vitais mas proporcionam uma melhoria considerável na qualidade de vida dos pacientes. Os implantes mais populares são provavelmente o pacemaker, as próteses da anca e do joelho, os implantes dentários, as lentes intraoculares, os implantes mamários, as placas de fixação óssea, as válvulas cardíacas, os balões de angioplastia, entre muitos outros. Hoje em dia, dificilmente alguém chegará ao fim da sua vida sem um destes dispositivo implantados.
Existe já também produtos obtidos através da denominada Engenharia de Tecidos, que consiste na forma mais adequada que hoje em dia possuímos para praticar a Medicina Regenerativa, que pode definir-se como a tentativa de induzir o corpo a regenerar-se a si próprio, em vez de promover a substituição de partes danificadas. O paradigma da Engenharia de Tecidos consiste em implantar materiais, células e moléculas bioactivas para ajudar o corpo a regenerar-se a si próprio. Por exemplo, há já produtos comerciais utilizando esta tecnologia para regeneração da pele. Esses produtos consistem numa estrutura porosa de uma material biodegradável, que é colonizada por células da pele, antes da implantação. Idealmente, as células são do próprio paciente. Após implantação, o material degrada-se, à medida que as células contribuem para produzir novo tecido que, por sua vez, irá substituir a estrutura implantada. Pretende-se assim regenerar o tecido original, de modo a não haver resquício do material artificial implantado. Já existem também no mercado produtos deste género para regeneração da cartilagem e para preenchimento de defeitos ósseos. Muito recentemente, foi publicado um ensaio clínico em que se demonstrou a regeneração de uma bexiga inteira utilizando esta tecnologia, o que demonstra o enorme potencial da Engenharia de Tecidos e nos permite também sonhar com a possibilidade de regenerar outros órgãos do corpo.
Em resumo, ainda há muita ficção na concepção popular do Homem Biónico, mas provavelmente a realidade ultrapassa aquilo que a generalidade das pessoas pensa ser possível hoje em dia. Provavelmente é já altura de começarmos a pensar não mais se isso será possível, mas sim em como utilizar estas tecnologias para benefício de todos.

Que aplicações pode ter a engenharia no corpo humano?
A engenharia tem aplicações diversas no corpo humano. A Engenharia Biomédica, ou Bioengenharia, desenvolve estratégias (biológicas, de materiais, de processos, de implantes, de dispositivos e informáticas) visando a prevenção, o diagnóstico, e o tratamento de doenças, a reabilitação de pacientes, e a melhoria da saúde. Sendo uma área muito vasta e multidisciplinar, e além das aplicações descritas na questão anterior, envolve diversas outras áreas com aplicação na medicina, incluindo bioinstrumentação, biomecânica, sinal e imagem médicos, reabilitação, entre outros. Logo, as aplicações não se limitam a sistemas implantáveis, mas também a sistemas de apoio às ciências médicas, tais como técnicas de diagnóstico, incluindo análise de sinais e imagem médicos.

Acredita que, um dia, a cirurgia prescindirá do bisturi?
A cirurgia sem bisturi é já uma realidade, como é do senso geral. Muitas lesões antes consideradas incuráveis podem hoje em dia ser tratadas graças a tecnologias como a cirurgia por laser ou por radiação gama, por exemplo. Estas tecnologias permitem uma maior precisão, não danificando por isso os tecidos vizinhos à lesão. O risco de complicações cirúrgicas é menor, bem como o tempo de recuperação do paciente, visto que a cirurgia é menos invasiva do que a técnica tradicional. Por todas essas razões, penso que haverá uma tendência a recorrer-se à cirurgia sem bisturi sempre que possível, aumentando assim as suas aplicações. No entanto, parece-me que dificilmente se poderá prescindir completamente do bisturi, pois o sucesso de diversas intervenções cirúrgicas depende do julgamento e da reacção in loco do cirurgião.

Qual é a sua ideia para a construção de um doutoramento europeu em Biomateriais?
A criação de um doutoramento europeu tem como principal objectivo atribuir uma espécie de selo de qualidade europeu a doutoramentos realizados ao nível da excelência, proporcionando assim um valor acrescentado ao curriculum dos candidatos. Este é um título adicional ao doutoramento normal que os candidatos obtêm nos seus próprios países, que garante aos empregadores um nível de qualidade, experiência e qualificação estabelecidos internacionalmente, aumentando assim as oportunidades de emprego e facilitando a mobilidade de profissionais através da Europa.
Este princípio foi inicialmente proposto pela European Association for Higher Education in Biotechnology, através da atribuição de um doutoramento europeu em biotecnologia. O que nós fizemos foi adaptar esse princípio às áreas de Biomateriais e Engenharia de Tecidos, e tornando este doutoramento parte das iniciativas educacionais da Sociedade Europeia de Biomateriais (ESB), que é um organismo bem estabelecido e com grande prestígio internacional. Esta ideia foi inicialmente proposta em 1999 e, após um longo processo de discussão e aperfeiçoamento de ideias, culmina este ano com a atribuição dos primeiros diplomas. Diversas outras sociedades científicas aguardam o resultado desta iniciativa, no sentido de adoptarem um procedimento semelhante, caso considerem a experiência da ESB positiva.
A diferença fundamental relativamente a um doutoramento normal reside na necessidade de o candidato ter que obedecer a determinados requisitos, nomeadamente: realizar pelo menos 3 meses do seu trabalho no estrangeiro, frequentar determinados cursos obrigatórios, publicar em revistas internacionais e apresentar trabalhos em conferências internacionais, realizar a defesa numa língua estrangeira, e ter um membro do júri também estrangeiro.

Qual é a sua definição de Super-Homem?
Excluindo divagações sobre a mente, o meu conceito actual daquilo a que num futuro próximo poderá ser denominado de Super-Homem está relacionado com o que foi discutido acima a propósito do Homem Biónico. Já é possível substituir diversas partes do corpo recorrendo a diferentes tecnologias. Todas elas proporcionam não só a substituição, mas também o melhoramento das características originais. Por exemplo, foi demonstrado recentemente ser possível mover um braço com músculos artificiais, construídos com polímeros (ou plásticos) electroactivos. Estes polímeros modificam a sua forma quando lhes é aplicada uma voltagem. A Engenharia de Tecidos também tem proporcionado grandes avanços na regeneração das estruturas musculares naturais. A cibernética, como é do conhecimento geral, proporciona a substituição de braços inteiros. Recentemente, um projecto com financiamento militar demonstrou ser possível um ser humano utilizar um braço biónico com capacidade muito superior à de um braço humano normal. Todos estes desenvolvimentos proporcionam por isso a possibilidade de melhorar as capacidades humanas, e em particular a força, como neste caso dos músculos associados aos braços.
Acho mais provável que o desenvolvimento em larga escala de aplicações conducentes ao “Super-Homem” resulte de sucessos da Medicina Regenerativa, em que os resultados de uma intervenção podem ser menos perceptíveis ao grande público. O Homem-Máquina parece-me algo dificilmente aceitável pelas nossas sociedades actuais, pelo menos nos tempos mais próximos.
São fáceis de prever as vantagens da possibilidade de melhorar as características humanas, tais como auxiliar diversas tarefas profissionais. Por outro lado, são igualmente fáceis de prever diversos usos negativos para esta possibilidade, tais como militares ou criminais. Mas como alguém uma vez disse, as tecnologias nunca são boas nem más; o uso que lhes damos é que pode ser benéfico ou negativo. E esta é uma área em que este facto é particularmente importante. Por isso, considero fundamental que estas questões sejam amplamente discutidas, de modo a desenvolvermos uma sociedade informada, e por isso capaz de, com base em informação correcta, tomar as decisões adequadas nas alturas certas.

Anteriores entrevistas:
Agustín Sánches Lavega
Pedro Viana
Sérgio Rebelo
Maria Gomes-Solecki
Cármen Arnau Muro

 
Editor
António Coxito
Produção
Ricardo Melo
Design
Luís Silva
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