CASO NÃO CONSIGA VISUALIZAR CORRECTAMENTE ESTA NEWSLETTER CLIQUE AQUI
 
# 53 | 31 Julho 06
 

Nasceu em Polán (Toledo) em 1949. Licenciou-se em Geografia e Historia e em Antropologia na Universidade de Barcelona e é especialista em povos indígenas da Sibéria, local que visita duas vezes por ano desde 1997.

Aí investigou sobre o Xamanismo comparativo entre diferentes culturas siberianas e sobre o Xamanismo versus Cristianismo Ortodoxo e elaborou a sua tese sobre as Missões Ortodoxas entre os chorses. Actualmente trabalha na sua nova tese na Universidade de Castilla – La Mancha intitulada: “Etnoecologia e Xamanismo. Revitalização das chaves culturais de um povo indígena da Sibéria face à globalização”.

É ainda professora visitante na Universidade Estatal Russa e coordena tudo o que diz respeito à criação do Etnomuseu dos Povos Indígenas da Sibéria em Toledo.

email
site

Cármen Arnau Muro
“Os siberianos têm um grande sentido de solidariedade e de responsabilidade perante qualquer adversidade.”

Quando e porquê decide viajar pela primeira vez para a Sibéria?
Ir até à Sibéria era algo que sempre me tinha atraído. De facto, a minha paixão pela Sibéria vem desde que sou pequena. Quando tinha sete anos foi-me oferecido um livro chamado “Contos Siberianos” e que me marcou bastante. Eram relatos sobre a solidariedade, frio intenso, ossos, renas e fascinou-me imenso. Mas foi só a partir de 1994 que comecei a pensar seriamente sobre isso. Mas como e onde ir? Em Espanha não havia bibliografia especializada nem muita informação sobre esta zona do mundo pelo que pensei que o melhor a fazer era ir primeiro a Moscovo a fim de reunir informação. Aí fiz um curso de iniciação ao russo no Instituto Puskin enquanto fazia as primeiras averiguações. Posteriormente, tive a ocasião de contactar alguns etnógrafos russos que vieram até Barcelona para assistir a um congresso de antropologia, e que me facilitaram informação e contactos. Em 1996 voltei ao Instituto Puskin para continuar a aprendizagem do russo e para concretizar definitivamente a minha primeira expedição à Sibéria, recompilando mapas e bibliografia. Por fim, em 1997 pude visitar um ponto recôndito da taiga siberiana onde os seus habitantes ainda viviam de forma tradicional.

O que descobriu aí que a faz voltar duas ou três vezes por ano?
Descobri tantas coisas: povos diferentes: tantos idiomas, tantas culturas… Aquilo lá é algo de tão imenso e que na península Ibérica não sabemos nada. Durante estes anos trabalhei com os evencos e os iacutos na tundra; com os chorses, os teleutas e os tuvinos na taiga, com os jacasios e os chorses na estepe; com os buriatos nas margens do Baical; e com os altainos e tuvinos nas montanhas do Sul da Sibéria.

Como são, em traços gerais, estas tribos siberianas?
Não se podem englobar os vários povos indígenas da Sibéria numa mesma categoria, uma vez que existem elementos diferenciadores substanciais. Podemos agrupá-los por afinidades linguísticas: os do grupo turco, como os chorses; os do grupo linguístico tungú-manchú, como os evencos; ou os fineses. Também por número: não se podem comparar os buriatos que são cerca de 600.000, com os evencos que constituem um colectivo de 30.160 indivíduos. Podemos analisá-los também de acordo com o ambiente natural onde vivem, que os condiciona de forma decisiva, ao serem plenamente dependentes dos recursos naturais. Por exemplo, existe uma grande diferença de hábitos entre os criadores de cavalos da estepe central e os de renas da tundra. O que têm em comum é o seu aspecto asiático. Ainda que existam diferenças morfológicas apreciáveis costumam ser de olhos oblíquos, cabelo negro, pele mais escura que a dos russos, magros e de estatura média. Também têm em comum, nalguns sítios mais que outros, uma relação espiritual com os elementos e os seres vivos e não vivos na natureza já que tradicionalmente todos os elementos eram nómadas que viviam da caça, pesca, recolecção e do gado (cavalos, renas ou ovelhas). O que é igual também em todos os povos siberianos é o seu grande sentido de solidariedade e co-responsabilidade perante qualquer adversidade.

Entre os indígenas siberianos não se produzem casos de violência doméstica. Porquê?
Porque os grupos que são caçadores – recolectores são muito igualitários. Não importa se és homem, mulher, velho… Formas parte do grupo e pronto. Quanto mais estratificada é uma sociedade, mais desigual e machista é. Nestes lugares o trabalho, o trabalho duro, diário, apesar das inclemências do tempo é necessário e todas as mãos são imprescindíveis, não importa se são homens ou mulheres. É preciso trabalhar duro e ombro a ombro. Para além disso, o facto de não acumular grandes reservas nem riquezas fez com que não se interiorizasse uma categorização hierárquica em função do que se tem. Todos estão em igualdade de condições, os adultos saudáveis, perante o desafio da contribuição para o grupo. Todos são igualmente necessários.

É correcto afirmar que são sociedades totalmente horizontais, onde não existem chefes?
Não completamente, porque ainda que tenha encontrado algum grupo isolado de evencos na tundra de Yakutia que aparentemente eram independentes e regia entre os seus membros um sistema bastante equitativo, em que contava a opinião do ancião e se tinha em conta o que pensava o mais sensato do grupo. Quer dizer que o colectivo sabia dar valor à experiência e à inteligência no momento de tomar alguma decisão.

Os povos da Sibéria apresentam altos índices de alcoolismo. A que se atribui este fenómeno?
O alcoolismo é um grande problema dos indígenas do mundo e os siberianos não são diferentes. É dramático. Desde há alguns anos colaboro com uma organização indígena que tenta desesperadamente lutar contra este problema e oferecer às crianças e aos jovens outras formas de viver afastados do álcool. O alcoolismo nos indígenas é como um suicídio inconsciente. Sentem que a sua cultura está a ser destruida, o que lhes produz uma grande frustração. Quando lhes aparecem, no seu ambiente, minas, peles ou madeiras ricas, começam a comercializá-las, mas na grande maioria sempre a troco de álcool. Apesar do Governo russo os deixar em paz, os comerciantes não têm nenhum problema em ficarem com todas as suas coisas. São explorados há dois séculos e isso afecta-os.

entrevista de Jordi Bascuñana

Anteriores entrevistas:
Octávio Mateus
Agustín Sánches Lavega
Pedro Viana
Sérgio Rebelo
Maria Gomes-Solecki

 
Editor
António Coxito
Produção
Ricardo Melo
Design
Luís Silva
Subscrições/cancelamento
Esta mensagem está de acordo com a legislação Europeia sobre o envio de mensagens comerciais: qualquer mensagem deverá estar claramente identificada com os dados do emissor e deverá proporcionar ao receptor a hipótese de ser removido da lista. Para ser removido da nossa lista, basta que nos responda a esta mensagem colocando a palavra "Remover" no assunto. (Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu; Relatório A5-270/2001 do Parlamento Europeu)