Cármen Arnau Muro
“Os siberianos têm um grande
sentido de solidariedade e de responsabilidade perante qualquer
adversidade.”
Quando e porquê decide viajar
pela primeira vez para a Sibéria?
Ir até à Sibéria era algo que sempre
me tinha atraído. De facto, a minha paixão pela
Sibéria vem desde que sou pequena. Quando tinha sete
anos foi-me oferecido um livro chamado “Contos Siberianos”
e que me marcou bastante. Eram relatos sobre a solidariedade,
frio intenso, ossos, renas e fascinou-me imenso. Mas foi só
a partir de 1994 que comecei a pensar seriamente sobre isso.
Mas como e onde ir? Em Espanha não havia bibliografia
especializada nem muita informação sobre esta
zona do mundo pelo que pensei que o melhor a fazer era ir
primeiro a Moscovo a fim de reunir informação.
Aí fiz um curso de iniciação ao russo
no Instituto Puskin enquanto fazia as primeiras averiguações.
Posteriormente, tive a ocasião de contactar alguns
etnógrafos russos que vieram até Barcelona para
assistir a um congresso de antropologia, e que me facilitaram
informação e contactos. Em 1996 voltei ao Instituto
Puskin para continuar a aprendizagem do russo e para concretizar
definitivamente a minha primeira expedição à
Sibéria, recompilando mapas e bibliografia. Por fim,
em 1997 pude visitar um ponto recôndito da taiga siberiana
onde os seus habitantes ainda viviam de forma tradicional.
O que descobriu aí que a faz
voltar duas ou três vezes por ano?
Descobri tantas coisas: povos diferentes: tantos idiomas,
tantas culturas… Aquilo lá é algo de tão
imenso e que na península Ibérica não
sabemos nada. Durante estes anos trabalhei com os evencos
e os iacutos na tundra; com os chorses, os teleutas e os tuvinos
na taiga, com os jacasios e os chorses na estepe; com os buriatos
nas margens do Baical; e com os altainos e tuvinos nas montanhas
do Sul da Sibéria.
Como são, em traços gerais,
estas tribos siberianas?
Não se podem englobar os vários povos indígenas
da Sibéria numa mesma categoria, uma vez que existem
elementos diferenciadores substanciais. Podemos agrupá-los
por afinidades linguísticas: os do grupo turco, como
os chorses; os do grupo linguístico tungú-manchú,
como os evencos; ou os fineses. Também por número:
não se podem comparar os buriatos que são cerca
de 600.000, com os evencos que constituem um colectivo de
30.160 indivíduos. Podemos analisá-los também
de acordo com o ambiente natural onde vivem, que os condiciona
de forma decisiva, ao serem plenamente dependentes dos recursos
naturais. Por exemplo, existe uma grande diferença
de hábitos entre os criadores de cavalos da estepe
central e os de renas da tundra. O que têm em comum
é o seu aspecto asiático. Ainda que existam
diferenças morfológicas apreciáveis costumam
ser de olhos oblíquos, cabelo negro, pele mais escura
que a dos russos, magros e de estatura média. Também
têm em comum, nalguns sítios mais que outros,
uma relação espiritual com os elementos e os
seres vivos e não vivos na natureza já que tradicionalmente
todos os elementos eram nómadas que viviam da caça,
pesca, recolecção e do gado (cavalos, renas
ou ovelhas). O que é igual também em todos os
povos siberianos é o seu grande sentido de solidariedade
e co-responsabilidade perante qualquer adversidade.
Entre os indígenas siberianos
não se produzem casos de violência doméstica.
Porquê?
Porque os grupos que são caçadores – recolectores
são muito igualitários. Não importa se
és homem, mulher, velho… Formas parte do grupo
e pronto. Quanto mais estratificada é uma sociedade,
mais desigual e machista é. Nestes lugares o trabalho,
o trabalho duro, diário, apesar das inclemências
do tempo é necessário e todas as mãos
são imprescindíveis, não importa se são
homens ou mulheres. É preciso trabalhar duro e ombro
a ombro. Para além disso, o facto de não acumular
grandes reservas nem riquezas fez com que não se interiorizasse
uma categorização hierárquica em função
do que se tem. Todos estão em igualdade de condições,
os adultos saudáveis, perante o desafio da contribuição
para o grupo. Todos são igualmente necessários.
É correcto afirmar que são
sociedades totalmente horizontais, onde não existem
chefes?
Não completamente, porque ainda que tenha encontrado
algum grupo isolado de evencos na tundra de Yakutia que aparentemente
eram independentes e regia entre os seus membros um sistema
bastante equitativo, em que contava a opinião do ancião
e se tinha em conta o que pensava o mais sensato do grupo.
Quer dizer que o colectivo sabia dar valor à experiência
e à inteligência no momento de tomar alguma decisão.
Os povos da Sibéria apresentam
altos índices de alcoolismo. A que se atribui este
fenómeno?
O alcoolismo é um grande problema dos indígenas
do mundo e os siberianos não são diferentes.
É dramático. Desde há alguns anos colaboro
com uma organização indígena que tenta
desesperadamente lutar contra este problema e oferecer às
crianças e aos jovens outras formas de viver afastados
do álcool. O alcoolismo nos indígenas é
como um suicídio inconsciente. Sentem que a sua cultura
está a ser destruida, o que lhes produz uma grande
frustração. Quando lhes aparecem, no seu ambiente,
minas, peles ou madeiras ricas, começam a comercializá-las,
mas na grande maioria sempre a troco de álcool. Apesar
do Governo russo os deixar em paz, os comerciantes não
têm nenhum problema em ficarem com todas as suas coisas.
São explorados há dois séculos e isso
afecta-os.
entrevista de Jordi Bascuñana |