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# 46 | 12 Junho 06
 

Nasceu em 1964, em Coimbra. Após concluir o ensino secundário no Liceu Nacional Antero do Quental, em Ponta Delgada, ingressou na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto onde cursou Biologia (Ramo de Especialização Científico-Tecnológica em Ecologia e Recursos Dulciaquícolas). Após passagem pela Estação de Zoologia Marítima da Faculdade de Ciências, onde frequentou uma acção de Formação Avançada em Aquacultura durante dois anos, matriculou-se no Mestrado de Oncobiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Após a conclusão do Mestrado, foi bolseiro da JNICT no IPATIMUP antes de seguir rumo a Cambridge (Inglaterra) para estudos de doutoramento. Doutorou-se em 2000 pela Universidade de Cambridge em Ciências Biológicas, especialidade de Epigenética e Imprinting. É presentemente lider de grupo e BBSRC Fellow no Instituto de Babraham em Cambridge, Inglaterra. Foi recentemente eleito membro da Epigenome Network of Excellence, financiado pela Comunidade Europeia. É autor de mais de uma vintena de artigos científicos, alguns dos quais publicados nas mais prestigiadas revistas científicas como a Nature, Nature Genetics, Proceedings of the National Academy of Science e EMBO J.

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Miguel Constância
“Há um outro “código” para além do genético - o das histonas.”

A guerra dos sexos começa no útero?
É uma guerra dos sexos invulgar, que tem como palco o genoma - uma espécie de jogo de tracção à corda permanente entre genes paternos e genes maternos.... O “rosto” deste conflito genético é um fenómeno biológico conhecido como imprinting genómico. Contrariamente aos restantes, em cerca de 80 genes do genoma dos mamíferos apenas uma das cópias está activa, a cópia materna ou a cópia paterna de cada um destes genes permanece silenciosa. Isto significa que as células sabem distinguir entre a cópia que veio da mãe da cópia que veio do pai, activando uma e silenciando a outra. Num grupo destes genes a cópia parental é silenciada, através de marcas “epigéneticas”, apenas num órgão especificamente, a placenta ou o cérebro por exemplo. A maior parte dos genes “imprinted” tem um papel importante no crescimento fetal e função cerebral. O curioso é que os genes que produzem proteína através da cópia paterna são estimuladores de crescimento fetal, e os genes que utilizam a cópia materna têm o efeito oposto – daí o jogo de tracção à corda; o prémio em causa é a dominância relativamente à extracção dos recursos maternos.

O que é a Epigenética?
A epigenética, no sentido lato do termo, refere-se ao estudo das modificações na função e actividade dos genes que são transmitidas de célula para célula (herança somática) mas também de pais para filhos (herança germinal) sem que isso involva alterações na sequência do ADN. Como é isso possivel? O ADN e as proteinas estruturais nas quais o ADN se enrola (histonas) podem ser “marcados” com a adição de compostos químicos (grupos metil, acetil, etc). Estas marcas epigéneticas são fielmente mantidas durante inúmeras divisões celulares e “imortalizam” o estado de actividade/inactividade dos genes conferindo por isso “memória” de identidade celular. É consideravelmente devido à acção destas marcas epigéneticas que uma célula do fígado, por exemplo, quando se divide dará origem a outra célula do figado e assim sucessivamente. Se as marcas epigéneticas forem de alguma forma “apagadas” o resultado será a perda de “memória” celular e consequentemente da sua identidade funcional – com consequências graves para o organismo. A importância destas marcas epigéneticas para o desenvolvimento embrionário, diferenciação celular, doenças como o cancro, o uso de células embrionárias totipotenciais para terapia, etc. torna o seu estudo e caracterização muito importantes. Da mesma forma que o genoma foi recentemente catalogado, é de esperar que num futuro próximo um esforço semelhante seja feito para catalogar todas as marcas epigéneticas no genoma – o “epigenoma”.

Porque é que a luta entre genes é diferente nos mamíferos e nos outros animais?
A luta entre genes representada pelo imprinting genómico só existe, tanto quanto sabemos, em mamíferos placentares. A batalha trava-se pela dominância relativamente aos recursos maternos (i.e. nutrientes que passam da mãe para o feto através da placenta, o leite durante a amamentação). Os genes paternos são egoístas e parasíticos, interessados na robustez física e crescimento dos seus portadores; certos genes maternos têm uma função antagónica à dos genes paternos – é do “interesse” materno distribuir os recursos equitativamente pelos filhos para poder investir na reprodução futura. Consequentemente as pressões selectivas que levam estes genes a serem regulados por imprinting genómico só existem nos organismos onde existe uma comunicação “aberta” entre embrião e mãe, nomeadamente a placenta.

Até que ponto há um elo entre variação genética e saúde?
O elo existe e é reconhecidamente importante. Determinadas variantes normais na sequência de ADN (a que chamamos polimorfismos), e que se encontram para variados genes, estão associadas com um risco aumentado em contrair doenças crónicas ou cancros; outras variantes resultam em diferentes sensibilidades de resposta a fármacos. Os mecanismos pelos quais variação genética normal causa estes efeitos são, em muitos casos, desconhecidos; há certamente casos descritos de polimorfismos genéticos que estão relacionados com níveis diferentes de expressão de certos genes que causam doenças. Ou seja, produzir mais, menos ou proteína alterada pode ter consequências a curto, médio ou longo prazo.

Como são acauteladas in utero as condições de vida expectáveis após o parto?
O embrião certamente que faz adaptações fisiológicas às condições que encontra no útero. Essas adaptações serão benéficas se as condições de vida após o parto forem semelhantes às intra-uterinas. O problema põe-se quando o embrião recebe a previsão “meteorológica” errada por parte da mãe – as modificações fisiológicas que têm lugar durante a vida fetal são permanentes e por vezes entram em conflito com as condições ambientais pós-parto. O resultado desta programação fetal assíncrona pode ser, por exemplo, o aumento do risco em contrair doenças crónicas como o diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. A nossa saúde como adultos é de certo modo determinada pelos eventos intra-uterinos.

Como é que se pode construir um organismo tão complexo como o Homem com um número relativamente tão pequeno de genes?
Antes da sequenciação do genoma humano estar completa as estimativas do número de genes cifravam-se nas centenas de milhar. Hoje, sabemos que existem cerca de 30.000. Certamente que existe um outro nível de complexidade, que transcende o genoma e que estamos ainda longe de decifrar. Acho que parte desta complexidade pode ser explicada pela Epigenética, as tais modificações de histonas e metilação de DNA que controlam a actividade dos genes. Por exemplo, há quem fale de um outro “código” para além do genético - o das histonas - e cujos segredos se desvendam lentamente.... Existe um número extraordinariamente vasto de diferentes combinações de modificações químicas que podem ocorrer em diferentes resíduos das caudas das histonas, com presumíveis efeitos na regulação dos genes, e se calhar não só... A Epigenética assume-se pois como um dos principais protagonistas na “interpretação” do genoma e constitui por isso uma nova fronteira na investigação biomédica. Vou mais longe.... estou em crer que a Epigenética irá marcar os próximos 50 anos da investigação biomédica!

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Luís Azevedo Rodrigues
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Rogelio Alonso

 
Editor
António Coxito
Produção
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