Luís Rocha
“A vida orgânica é
ainda um grande mistério”
Qual a diferença entre inteligência
artificial e vida artificial?
A vida artificial é um campo dedicado a investigar
e descobrir formas de organização fundamentais
para a vida, através da síntese de sistemas
artificiais que implementam essas formas de organização.
Uma vez que a inteligência é uma característica
muito importante de alguns organismos, é um assunto
também muito importante para a vida artificial.
No entanto, a forma como a vida artificial estuda a inteligência,
desencadeou uma forma nova de se fazer inteligência
artificial, a que se dá o nome de cognição
incorporada ("embodied cognition"). Em vez de se
tentar produzir sistemas artificiais inteligentes abstractos
utilizando teorias de conhecimento baseados em alguma lógica
formal, a vida artificial dedica-se a estudar a origem do
comportamento inteligente a partir da interacção
entre agentes artificiais (normalmente robots) e os seus ambientes.
Isto é, não assume uma inteligência abstracta
e dissociada de um corpo, mas antes vê a inteligência
como uma característica da organização
de um organismo físico com uma história evolucionária
e material específica.
Na prática, isto quer dizer que a vida artificial tende
a estudar a inteligência de uma perspectiva evolucionária,
testando as suas teorias com robots ou simulações
de ambientes físicos. Tende também a construir
robots baseados em organismos mais simples como formigas e
baratas, em vez de estudar a inteligência de uma forma
abstracta como a IA faz com programas que jogam xadrez, etc...
Qual a diferença entre vida
artificial e vida orgânica?
Uma diferença enorme! Simplesmente porque a vida orgânica,
principalmente a sua origem, é ainda um grande mistério.
A vida artificial, na sua maioria, dedica-se a estudar princípios
importantes para a vida, mas separadamente. Assim, enquanto
a vida artificial pode estudar processos como evolução,
desenvolvimento e imunidade separadamente, a biologia tem
que lidar com o facto de todos estes processos existirem simultaneamente
na vida orgânica.
A biologia está focalizada na bioquímica baseada
em carbono da vida na Terra, estudando-a com uma metodologia
analítica. Em contraste, a vida artificial concentra-se
na descoberta de princípios de organização
fundamentais para vida, possivelmente construída com
outros componentes. A sua metodologia é a síntese
de agentes artificiais em que algum destes princípios
é implementado. Mas, ao contrário da tradição
da biologia, esta síntese implica o estudo do sistema
artificial que implementa determinado princípio, como
um todo. As características individuais dos componentes
primários não são tão importantes.
Isto é, não interessa tanto se um processo evolucionário
é implementado em cadeias de carbono ou cadeias de
bits, o que interessa é que o sistema implementado
evolua e nos permita estudar a evolução.
Um dos sucessos da perspectiva trazida pela vida artificial,
é que a biologia actual se começa também
a preocupar com o estudo de sistemas com determinadas propriedades
como um todo: a chamada Biologia de Sistemas.
O que são sistemas evolucionários
e sistemas auto-organizados?
Um sistema evolucionário é normalmente visto
como uma implementação de uma relação
genótipo/fenótipo com variação
do genótipo de geração para geração.
Isto é, um sistema que contem informação
(genótipo) sobre como construir e reproduzir o seu
corpo (fenótipo). Erros, mutações e recombinações
da informação genética, dão origem
a novos fenótipos. Se os novos fenótipos se
reproduzirem com maior sucesso, os seus números aumentam
no ambiente em que vivem. Portanto, um sistema evolucionário
é uma forma abstracta de estudar e implementar o processo
de selecção natural de Darwin, como ele é
entendido à face do conhecimento do sistema genético.
Em vida artificial, é comum ver-se estudos de sistemas
evolucionários alternativos. Por exemplo, sistemas
evolucionários em que alterações do fenótipo
são transmitidas a gerações posteriores.
Desta maneira, a vida artificial pode estudar processos evolucionários
diferentes, e que não são conhecidos na Terra.
Um sistema auto-organizado quer dizer coisas diferentes para
pessoas diferentes! Mas, em geral, entende-se como um sistema
feito de um grande número de componentes simples, que
interactuam entre si para chegar a um estado mais ou menos
estável. Em geral, este estado global da colecção
de componentes, não é compreensível estudando
apenas os componentes. Por exemplo, o comportamento bio-químico
de um organismo depende de proteínas codificadas no
seu genótipo. Mas, determinada proteína pode
afectar a produção de outra proteína,
e por aí fora, toda uma determinada cadeia de interacções
e reacções bio-químicas. Isto quer dizer
que o comportamento do organismo depende não só
do comportamento individual de um conjunto de proteínas,
mas da forma como elas interactuam. Isto é, de uma
rede de interacção que envolve genes, proteínas
e outras moléculas. Esta rede tem muitos, muitos estados
possíveis, definidos pelas quantidades relativas de
cada componente. No entanto, a enormidade de estados possíveis,
tende a produzir um numero relativamente pequeno de estados
globais finais da rede possíveis. A estes estados finais
chamamos atractores, e ao processo que leva de um estado inicial
da rede até a um estado final, auto-organização.
Quais os limites da computação
convencional?
O melhor estudo feito até a data será o de Hans
Bremermann:
http://en.wikipedia.org/wiki/Bremermann's_limit
As bruxas são feitas de
madeira?
Ah! Cada época tem sempre as suas bruxas, assim como
existem sempre pessoas capazes de adulterar a lógica
para as caçar. Mas sobre isso, os Monty Python falaram
muito melhor! |