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# 43 | 22 Maio 06
 

Investigação na área da modelação da circulação geral dos oceanos, assimilação de dados e modelos numéricos, dinâmica da variabilidade oceânica de baixa e alta frequência, meteorologia e oceanografia equatoriais, efeito dos oceanos na rotação da Terra e no seu campo gravitacional, utilização de satélites no estudo da interacção oceano-atmosfera, entre outros tópicos. Investigador do programa "Earth Observing System" (NASA) e do programa internacional "Global Ocean Data Assimilation Experiment", membro de várias missões de altimetria por satélite (TOPEX/Poseidon, Jason-1, Ocean Surface Topography Mission) e da missão espacial GRACE ("Gravity Recovery and Climate Experiment") para medir o campo gravitacional da Terra. Membro de grupos de estudo especiais patrocinados pela União Internacional de Geodesia e Geofísica (IUGG Working Group on Non-Rigid Earth Nutation Theory), pela Associação de Geodesia Internacional (IAG Special Study Group on Interactions of the Earth's Rotational Dynamics with the Oceans and Atmospheres), e pelo Serviço Internacional de Sistema de Referência e Rotação da Terra (IERS Special Bureau for the Ocean).

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Rui Ponte
“Não creio que ao Homem interesse a sua auto-destruição.”

O Homem tem realmente poder para destruir os mares?
Que os mares têm poder para destruir o Homem, disso não restam dúvidas. Basta lembrar o que aconteceu com o tsunami do Índico ou com o furacão Katrina. Mas é bem possível que, por seu lado, o Homem também tenha poder para destruir os mares. Essa experiência ainda está por fazer, e ainda bem, mas veja-se, por exemplo, o que aconteceu ao Mar de Aral, outrora grande lago e hoje quase morto de sede pela falta de lucidez humana. É difícil pensar a nossa existência sem o mar que nos rodeia. No dia em que o mar morrer, será provavelmente o fim do próprio Homem. Não creio que ao Homem interesse a sua auto-destruição.

Que implicações traz o balanceamento do eixo de rotação da Terra para as questões climáticas?
A orientação da Terra no espaço relativamente ao Sol é um aspecto importante para as questões climáticas. Daí a relevância dos chamados ciclos de Milankovic, alguns associados a perturbações periódicas nessa orientação, que afectam a distribuição de energia solar incidente no planeta. Os movimentos aleatórios do pólo de rotação da Terra, à escala de dias ou de anos, atingem amplitudes máximas de alguns metros, e são, portanto, demasiado pequenos para influenciar o clima. Pelo contrário, são as próprias perturbações climáticas, como o possível desaparecimento das massas de gelo da Gronelândia, que podem dar origem a essas deslocações do pólo de rotação. Já se considerarmos escalas de tempo geológico, pode dar-se o caso da distribuição de massa no manto terrestre adquirir uma configuração instável, e a sua redistribuição levar o pólo de rotação a deslocar-se em relação à crosta terrestre muitas centenas de quilómetros. Num tal cenário de quase cambalhota terrestre, que continua a ser tema de debate no meio científico, as mudanças climáticas seriam inevitáveis e estariam directamente ligadas ao movimento do pólo.

Que interesses servem as notícias alarmistas sobre a subida das águas do mar?
As notícias alarmistas servem naturalmente para alarmar as pessoas. Não faltam possíveis interessados nesse estado de coisas, desde os que ganham a vida como vendedores de desgraças aos que se propõem a ser os salvadores do mundo. Mas, se há efectivamente interesses em promover o alarmismo, também os há em promover a letargia e o deixa andar, em relação à subida dos níveis do mar e às possíveis consequências do aquecimento global. Estes últimos interesses são os interesses dos poderes instalados e, como tal, muito mais perigosos. Por isso, nos dias que correm, talvez não seja de todo mau um ou outro alarme falso, desde que sirva para fazer frente à apatia geral que só convém aos poderes instalados.

O que explica a regularidade do El Niño?
É difícil explicar o que não existe. Não me parece que El Niño tenha visitas com data marcada. E quando chega, também não se sabe bem a hora de partida. Cada El Niño tem a sua personalidade própria, o seu princípio, meio, e fim. O fenómeno tem pouco de regular, daí as dificuldades na sua previsão. Mais previsível é a nossa predisposição para atribuir à natureza uma regularidade que ela às vezes não tem. É reconfortante não estar sempre em sobressalto, à espera do imprevisto. Só assim se explica que a um fenómeno tão variado e inconstante, lhe demos um só nome, para nos convencermos de que o conhecemos bem e lhe controlamos os passos.

Como se entra em linha de conta com dados tão extensos e diversos como marés, pressões atmosféricas, e campos de gravidade?
Quanto mais elementos se tem em conta e mais ampla é a abordagem do tema de pesquisa, mais realista se torna a descrição do fenómeno em causa, e mais completa e clara se torna a sua explicação. Para pegar no exemplo referido, alguém interessado em perceber as marés oceânicas não pode estar sempre com a cabeça na lua! Terá também de ter em conta, por exemplo, que, ao movimentarem tamanhas quantidades de água, as marés introduzem variações no campo gravitacional da Terra que, por sua vez, afectam a natureza das próprias marés; e que as pressões atmosféricas podem introduzir perturbações notórias no comportamento de certas marés. Estes são apenas alguns entre muitos aspectos importantes a ter em mente numa verdadeira fenomenologia das marés, que pode abranger coisas tão estranhas como a deformação dos fundos oceânicos ou da própria Terra no seu todo.

Como poderia Portugal tirar proveito dos seus investigadores espalhados pelo mundo?
Na minha opinião, o mais importante seria começar por tirar proveito dos milhares de investigadores que vivem no país e que querem trabalhar a sério, dando-lhes meios para poderem realizar os seus sonhos sem terem de emigrar. Se isso for conseguido, não estaremos daqui a vinte anos outra vez a perguntar como pode o país tirar proveito dos que se foram embora. Os que estão hoje no estrangeiro, podem e devem ser mobilizados para ajudar o país nessa tarefa de rentabilizar os seus recursos humanos, que são, afinal, a sua maior riqueza. É nesse sentido que a relação de Portugal com os seus investigadores no estrangeiro pode ser importante, mas, para sermos realistas, convenhamos que essa relação terá de ser baseada no interesse comum mais do que no empenhamento patriótico. Muitas iniciativas nas áreas do intercâmbio, mentorização, avaliação, consultoria, docência, etc., poderiam ser desenvolvidas, desde que houvesse algum esforço das entidades competentes para incentivar e fortalecer os contactos entre a comunidade científica portuguesa de aquém e de além fronteiras, tanto a nível pessoal como institucional.

O que é o “choque científico”?
Essa foi uma expressão que usei, inocentemente, em entrevista ao Ciência Hoje, quando dizia que Portugal talvez precisasse de um choque científico, mas não queria ser autor de mais um chavão sem nexo. Por choque, entende-se coisa que possa mexer com as pessoas, abanar com atitudes instaladas. Por choque científico queria significar a introdução de uma atitude científica e tudo o que ela implica ---rigor, ponderação, exigência, criatividade--- na vida do país. Com uma atitude científica mais entranhada na sociedade portuguesa, haveria com certeza menos desenrascanço, menos paleio fácil, menos “valha-nos Nossa Senhora”, menos fatalismo, e menos de um sem número de outros atributos que só impedem o país de andar para a frente.

Anteriores entrevistas:
Rui Loja Fernandes
Bruno Sousa
Francisco Santos
Tiago Fleming Outeiro
Luís Azevedo Rodrigues

 
Editor
António Coxito
Produção
Ricardo Melo
Design
Luís Silva
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