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# 41 | 08 Maio 06
 

Nascido em Portugal, licenciou-se em Bioquímica pela Universidade do Porto. Foi estudante de intercâmbio com uma bolsa do programa Erasmus na Universidade de Leeds no Reino Unido, onde realizou o estágio da sua licenciatura. Posteriormente completou a sua tese de doutoramento no “Whitehead Institute for Biomedical Research – MIT”, em Cambridge, EUA. Foi consultor e investigador numa start up, FoldRx Pharmaceuticals, consistindo o seu trabalho na transferência de tecnologia por si desenvolvida na tese de doutoramento, trabalho que resultou em várias patentes internacionais. É presentemente investigador Postdoc no Departamento de Neurologia do “Massachusetts General Hospital - Harvard Medical School” e a sua investigação concentra-se em doenças Neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer. Ocupa também a posição de Presidente da PAPS, “Portuguese American PostGraduate Society”, uma associação com mais de 700 membros. Serviu como avaliador internacional no âmbito do sexto programa quadro da Comissão Europeia em 2006. Foi um dos fundadores da start up “BioEPI, Clinical and Translational Research Center”, no Taguspark.

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Tiago Fleming Outeiro
“A existência de vida implica a existência de morte.”

Porque morrem as células?
A existência de vida implica, necessariamente, a existência de morte. São processos contíguos e indissociáveis. As células são a mais pequena unidade de vida, podendo existir no contexto de um organismo com inúmeras células (multicelular), ou mesmo individualmente, noutros tipos de organismos, chamados unicelulares. A informação genética contida em muitos tipos de células inclui diversos genes que controlam a morte celular, pelo que a morte das células não é obrigatoriamente uma reacção a danos exteriores. A morte celular pode ser programada, sendo nesses casos uma parte normal da “vida” das células, sendo neste caso um “suicídio”, como que num acto de “altruísmo”. Os diferentes tipos de morte celular têm sido amplamente estudados em laboratório, pelo que muito é já conhecido. Mas a verdade é que há ainda muito para descobrir! As células morrem por variadíssimos motivos, muitos dos quais são ainda desconhecidos. No caso de algumas doenças neurodegenerativas, inicialmente pensou-se que a morte celular, responsável pelos sintomas clínicos nestas doenças, se devesse à acumulação de proteínas sob a forma de agregados. Depois de muitos anos de investigação, esta visão foi alterada, pensando-se actualmente que os agregados visíveis ao microscópio representam um mecanismo protector, e que os causadores da morte celular sejam espécies intermediárias mais pequenas e por isso mais difíceis de detectar. Um trabalho que publicámos recentemente mostrou que certas drogas que interferem com a formação desses agregados, promovendo a formação de inclusões de maiores dimensões em detrimento de outras mais pequenas, podem ter um efeito benéfico sobre as células.

Qual a relação entre as doenças neurodegenerativas e o aumento da longevidade humana?
O aumento da longevidade verificado no século XX, ficou a dever-se a vários factores importantes, como a melhoria das condições higiénicas, a descoberta dos primeiros antibióticos para combater infecções e outros avanços na medicina, e a uma melhoria generalizada nas condições de vida. Assim, os limites do organismo humano começaram a ser postos à prova, e doenças que não eram comuns, por estarem associadas com os processos normais de envelhecimento, tornaram-se mais frequentes. Como exemplos, podemos pensar em certos tipos de cancro e nas doenças neurodegenerativas. É importante notar que o maior factor de risco para o aparecimento de doenças neurodegenerativas é, sem qualquer dúvida, o envelhecimento.

Que portas abrem à investigação a aprovação da utilização de células estaminais em experiências científicas?
Antes de responder a esta questão, convêm explicitar o que são células estaminais, para que se perceba a sua importância e potencial utilidade. Células estaminais são células chamadas indiferenciadas, que não se especializaram ainda, e que por isso têm o potencial de darem origem a diversos tipos de células, com funções muito especificas no organismo. Existem diferentes tipos de células estaminais, com maior ou menor capacidade de especialização: algumas células estaminais podem originar todo e qualquer tipo de células no organismo, enquanto outras podem apenas dar origem a apenas alguns tipos de células. Percebe-se assim que as primeiras despertem um interesse muito maior, dado o seu potencial. As questões éticas à volta das células estaminais surgem porque as células com maior potencial (das que foram descobertas até ao momento) são as células estaminais embrionárias, isto é, aquelas que se encontram em embriões nos primeiros dias de vida. Para se obterem estas células é necessário destruir os embriões, e é daí que surge toda a problemática à volta destas células. Por outro lado, células estaminais que possam ser retiradas de outros tipos de tecidos sem implicarem a destruição do organismo, terão uma aceitação muito maior, por não interferirem com questões éticas.
Convêm também explicar o que se passa nas doenças neurodegenerativas, como por exemplo na doença de Alzheimer ou Parkinson – certos tipos de neurónios (células nervosas, altamente especializadas e que não são capazes de se dividirem) morrem, deixando de desempenhar as funções que lhes competiam. Com a progressão destas doenças, um número cada vez maior de neurónios vai sendo perdido, e os sintomas clínicos vão-se acentuando. Como os neurónios não são capazes de se dividirem, ao contrário do que acontece com outros tipos de células no organismo, não há hipótese de repopular as zonas onde ocorre a morte destes tipos de células. Assim, fica mais fácil perceber que as células estaminais têm um enorme potencial, se conseguirmos produzir, a partir delas, neurónios idênticos àqueles que foram sendo perdidos. Há ainda um caminho longo a percorrer para que se consiga controlar o processo de diferenciação das células estaminais de forma a produzir certos tipos de células neuronais, extremamente especializadas. Será muito importante prosseguir o estudo das células estaminais, para que eventualmente possam vir a ser utilizadas no tratamento de diversas doenças em que ocorra morte celular, como as doenças neurodegenerativas. Mas as células estaminais podem ter muitas outras aplicações médicas, pelo que muitas portas se abrirão pelo estudo destas células.

Podemos conter as doenças neurodegenerativas?
Penso que um dia a ciência permitirá prever, evitar, e tratar este tipo de doenças. Não é possível prever quando isso virá a acontecer, mas acredito que será possível lá chegarmos.
Neste momento, grande parte dos tratamentos existentes visam, principalmente, conter os aspectos sintomáticos, e muito debilitantes destas doenças. Será importante um dia sermos capazes de prever o aparecimento das doenças, através de testes cada vez mais sensíveis, e actuar atempadamente para prevenir o seu desenvolvimento e mesmo reverter os danos já causados.

O pânico sugerido pelos media em relação ao H5N1 serve os interesses dos laboratórios?
Não penso que seja conveniente especular sobre esses interesses, ou criar “teorias de conspiração”, por isso custa-me sequer contemplar essa ideia. Neste momento, não existem razões para grandes alarmismos. Compete às autoridades e à sociedade civil terem uma atitude responsável, evitando o pânico mas tomando as medidas preventivas necessárias para prevenir uma indesejável pandemia.

O seu comprometimento com o estudo das doenças neurodegenerativas é essencialmente académico, ou preocupam-no realmente o bem-estar das pessoas?
Para mim não faz sentido estudar qualquer doença sem ter em mente que se trata de um problema real, que afecta seres humanos, e que um dia nos pode afectar a nós próprios. O meu interesse académico é muito grande, porque me sinto genuinamente interessado em perceber os mecanismos moleculares na origem destes problemas. Desde cedo que senti que gostava de continuar a aprender e a testar os limites do conhecimento, e a investigação permite-me estar nessa posição. Mas o trabalho que faço está intimamente relacionado com problemas de saúde muito graves, num número crescente de pessoas. Na minha breve carreira como investigador, tenho sido contactado por diversos pacientes ou familiares de pacientes, que me escrevem com uma humildade imensa, na esperança de que eu os possa ajudar, ou dar novidades pelas quais tanto anseiam. Estes momentos fazem-nos parar, pensar, e sentir que não se trata apenas de um estudo académico. Existe uma responsabilidade real para com estas pessoas, e para com a sociedade em geral, já que as implicações deste tipo de doenças vão muito para além dos pacientes e das suas famílias. Preocupa-me, sem dúvida, o bem-estar das pessoas, e tenho a esperança de poder contribuir para que possamos, em conjunto, caminhar para o desenvolvimento de novas terapêuticas.

Anteriores entrevistas:
Nuno Sardinha Monteiro
Maria Dornelas
Rui Loja Fernandes
Bruno Sousa
Francisco Santos

 
Editor
António Coxito
Produção
Ricardo Melo
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Luís Silva
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