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# 36 | 03 Abril 06
 

O Comandante Nuno Sardinha Monteiro é Oficial da Marinha Portuguesa, tendo-se licenciado em Ciências Militares Navais, na Escola Naval, em 1991. Após ter prestado serviço em diversos navios da Marinha Portuguesa, especializou-se em Navegação, também na Escola Naval, após o que foi colocado no navio-escola Sagres, como Chefe do Serviço de Navegação.
Entre 1997 e 2005 prestou serviço na Divisão de Navegação do Instituto Hidrográfico, onde, entre outras tarefas, chefiou o projecto de instalação da rede de estações DGPS portuguesas.
Em Março de 2000, concluiu, com distinção, o Mestrado em “Navigation Technology”, na Universidade de Nottingham, tendo-lhe sido atribuídos o prémio e a medalha do Royal Institute of Navigation britânico para o “most outstanding graduate of the MSc Course in Navigation Technology”.
Entre Abril de 2000 e Janeiro de 2005, doutorou-se na Universidade de Nottingham, com uma tese intitulada “Designing, configuring and validating the Portuguese DGPS Network” (Dezembro de 2004). Essa tese foi agraciada com o “Prémio Internacional Almirante Teixeira da Mota” de 2004, da Academia de Marinha, e com o “Prémio Internacional Almirante Gago Coutinho - 2004”, da Sociedade de Geografia de Lisboa.
Desempenha desde Setembro de 2005 a função de Professor de Navegação na Escola Naval.

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Nuno Sardinha Monteiro
“A Escola Naval, para além das obrigações académicas, tem o propósito da formação integral como militares, marinheiros e chefes.”

Que vantagens concretas se podem tirar da precisão dos sistemas de DGPS?
Actualmente, o GPS – Global Positioning System, só por si, já permite uma exactidão que serve o interesse da maioria dos utilizadores, pois os erros (de acordo com a documentação oficial americana) oscilarão entre os 13 e os 36m (95%), embora seja frequente conseguir-se uma performance ainda melhor. No entanto, para aplicações mais exigentes a performance do GPS é insuficiente, recorrendo-se, em quase todos os países desenvolvidos ao sistema DGPS – Differential GPS, que permite corrigir os erros do GPS. Posso citar, como exemplos de aplicações marítimas em que se torna necessário recorrer ao DGPS, entradas e saídas de portos, calibração de sistemas inerciais de navegação, dragagens, levantamentos hidrográficos, posicionamento de bóias e provas de manobrabilidade de navios, além de algumas aplicações militares navais (por exemplo, guerra de minas).
O princípio de funcionamento do DGPS consiste em colocar um receptor GPS num local de coordenadas conhecidas e comparar as coordenadas obtidas no receptor GPS com as coordenadas reais do receptor. A diferença de posição permite radiodifundir as correcções para os utilizadores nas proximidades, a partir das quais se consegue uma exactidão melhor do que 2m (95%).
No entanto, o benefício mais significativo do DGPS para os navegantes marítimos não é a melhoria da exactidão mas antes a monitorização permanente do estado de funcionamento dos satélites GPS. O sistema GPS não possui qualquer forma de avisar, em tempo real, os utilizadores da ocorrência de uma avaria ou falha num satélite. Isto significa que o GPS pode dar informações erradas durante períodos alongados, sem ter capacidade de avisar os utilizadores da disfunção. Esta lacuna do sistema é compensada pelas estações DGPS que monitorizam, 24 horas por dia, a qualidade dos sinais GPS visíveis e caso detectem alguma disfunção ou avaria num satélite notificam imediatamente os navegantes, permitindo assim retirar da solução de posicionamento o satélite avariado e aumentando significativamente a confiança na navegação.
Foram esses benefícios que levaram a Marinha Portuguesa a implementar no nosso país uma rede de estações DGPS, constituída por 4 estações transmissoras de correcções diferenciais (localizadas no Cabo Carvoeiro, em Sagres, na Horta e em Porto Santo) e por uma estação de controlo, localizada na Direcção de Faróis, a quem compete a operação e manutenção da rede DGPS nacional.

Porque é mais importante começar o trabalho de desenvolvimento das Cartas Electrónicas de Navegação a partir da criação de normas e só depois criar os produtos?
As Cartas Electrónicas de Navegação são uma ferramenta poderosa para quem navegue no mar e que, quando lidas num equipamento certificado (designado por ECDIS – Electronic Chart Display and Information System), podem substituir as tradicionais cartas de navegação em papel. No entanto, mais do que substituir as cartas de papel, as Cartas Electrónicas de Navegação constituem uma valiosa ajuda à navegação, pois facilitam imenso a execução da navegação e permitem fazê-lo com maior segurança. Apontaria 3 razões para a importância de se ter começado o trabalho de desenvolvimento das Cartas Electrónicas de Navegação pela criação de normas.
Em primeiro lugar, o facto de as Cartas Electrónicas de Navegação em conjugação com os ECDIS poderem substituir as cartas náuticas de papel, levou as instituições internacionais competentes (Organização Hidrográfica Internacional e Organização Marítima Internacional) a criar, logo à partida, todo um normativo legal a que esses produtos electrónicos deveriam obedecer, de forma a assegurar a qualidade do produto final.
Em segundo lugar, destinando-se as Cartas Electrónicas de Navegação a serem produzidas por um elevado número de produtores (nomeadamente, institutos hidrográficos governamentais) e a serem lidas em equipamentos de diversos fabricantes, era imperioso normalizar o produto final e só depois iniciar a sua produção. Caso contrário, correr-se-ia o risco de alguns equipamentos (ECDIS) não lerem algumas cartas electrónicas ou só lerem cartas em determinado formato.
Por último, até há alguns anos atrás, só os institutos hidrográficos nacionais é que produziam e distribuíam cartografia náutica, por as cartas em papel implicarem recursos significativos. No entanto, com o advento da cartografia electrónica passou a ser relativamente simples e barato produzir digitalizações de produtos náuticos e, depois, comercializá-los. Começaram, assim, a proliferar produtos electrónicos (a que, por uma questão de rigor, não poderei chamar cartas). Este foi outro aspecto que motivou as instituições internacionais competentes a criar todo um edifício normativo que permitisse delimitar bem o que é uma Carta Electrónica de Navegação e, assim, distingui-la de todos os sucedâneos produzidos sem a mesma qualidade e rigor.

Que soluções inovadoras concebeu para configurar os sistemas de DGPS?
O DGPS é um sistema maduro e que já se encontra instalado em cerca de 40 países. Portugal foi o último país europeu da vertente atlântica a instalar uma rede DGPS, pelo que foi possível beneficiar da experiência de outros. No entanto, não nos limitámos a copiar aquilo que tinha sido feito anteriormente. Investigámos e testámos de forma exaustiva as melhores maneiras de optimizar a performance do sistema, até porque, desde a instalação das estações DGPS na globalidade dos países desenvolvidos (finais da década de ’90), tinham ocorrido alterações significativas no sistema GPS (nomeadamente o fim da Selective Availability), que alteraram algumas premissas de base da técnica diferencial. Estes dois factores (o facto de termos ficado para o fim e essa alteração de funcionamento do GPS) criaram a oportunidade para que se re-equacionassem muitos aspectos relacionados com a configuração do sistema, de forma a optimizar a performance para os utilizadores. Importa acrescentar que as soluções de configuração que estudámos visaram sobretudo minimizar o tempo necessário para notificar os navegantes de avarias em satélites.
Essas soluções de configuração – e agora respondendo à pergunta de forma concreta – tiveram a ver com a taxa de transmissão das correcções, com o forma de enviar as correcções a cada satélite e com a parametrização das próprias estações. Relativamente a este último aspecto, gostaria de referir que para as estações funcionarem adequadamente é necessário parametrizar diversas funções e alarmes. E, como dizem os britânicos, “the devil is in the details”, ou seja, às vezes basta um desses parâmetros configurado de forma diferente para que duas estações reajam de forma completamente distinta, por exemplo em caso de avaria de um satélite.
Além desta vertente da configuração do sistema, outro aspecto a que nos dedicámos bastante, em Portugal, foi à validação e teste das estações DGPS, o que permitiu, entre outras coisas, determinar com rigor qual a verdadeira exactidão proporcionada pelo sistema DGPS (que se concluiu ser entre 0,5 e 1m junto à estação mais 0,2m por cada 100 km de distância à estação DGPS) e elaborar recomendações para os fabricantes de equipamentos DGPS, de forma a incorporarem determinadas funções e alarmes que permitam aos utilizadores tirar melhor partido do serviço.

Quais as desvantagens de ser dependente do GPS americano?
Nos últimos anos, multiplicaram-se as aplicações do GPS e existe um sem-número de actividades que dependem do GPS para a sua concretização. Existe, por isso, uma grande dependência relativamente ao GPS, no sentido em que não há, actualmente, alternativa ao GPS e se ele falhasse haveria inúmeros ramos de actividade que seriam seriamente afectados. Acresce que muitos desses ramos de actividade têm a ver com a segurança de pessoas e bens ou com a salvaguarda da vida humana: controlo ferroviário, controlo de semáforos, navegação e posicionamento de navios e aeronaves, localização de navios em perigo, localização do originador de chamadas de emergência, etc. Importa referir, também, que além da posição, o GPS fornece a hora com uma precisão notável, sendo usado, por exemplo, como referência temporal das transacções bolsistas e como base de tempo da internet. Existe, portanto, uma grande dependência relativamente ao GPS.
Dito isto, não considero que o facto do sistema ser operado e controlado pelos EUA (e mais concretamente pelo seu Departamento de Defesa) agudize significativamente esse problema de dependência. Isto porque o GPS representa uma enormíssima fonte de receitas para os EUA, que não quererão comprometer as mais-valias económicas desligando o sistema ou criando barreiras à sua utilização civil. Aliás, a última Directiva Presidencial sobre GPS, datada de Dezembro de 2004, enfatiza esse compromisso de continuar a disponibilizar o GPS, de forma contínua e gratuita, a todos os utilizadores, em todo o globo – mantendo, as forças armadas americanas e/ou aliadas, o privilégio de poderem negar a sua utilização num teatro de operações, mas, mesmo assim, com o compromisso de não afectar os utilizadores civis do GPS fora dessa área de operações.
De qualquer maneira, a previsível entrada em funcionamento, dentro de uma meia dúzia de anos, do sistema de radionavegação por satélites Galileo (que está a ser implementado pela Comissão Europeia) virá atenuar este problema. Em vez de se estar inteiramente dependente do GPS americano, passar-se-á a estar dependente de dois sistemas controlados por entidades distintas.

Quais as especificidades da formação na Escola Naval?
A Escola Naval, que foi fundada em 1782, tem o objectivo de formar os oficiais da Marinha de forma sistemática e abrangente, pelo que, para além das obrigações académicas normais de uma Universidade, tem ainda o propósito da sua formação integral como militares, marinheiros e chefes, garantindo-lhes o potencial necessário para assumirem as mais altas responsabilidades de comando no mar e em terra.
Dessa forma, além de dotar os futuros oficiais da formação académica imprescindível, a Escola Naval também se empenha na formação militar-naval, que permita aos alunos consolidar a capacidade de liderança e, acima de tudo, a interiorização da ética e do espírito de corpo no respeito pelos usos, tradições e costumes da Marinha.
Como professor de Navegação da Escola Naval, gostaria de salientar as especificidades relacionadas com a necessidade de prática no mar de todas as técnicas de navegação aprendidas nos bancos de escola. Para esse efeito, a Escola Naval dispõe de um conjunto de veleiros (NRP “Vega”, NRP “Polar”, “Bellatrix” e “Canopus”) e lanchas a motor (UAM “Condor” e lanchas “Mindelo”) que proporcionam uma oportunidade ideal para o treino e desenvolvimento de competências no âmbito da navegação, marinharia, governo e manobra, a que acresce o desenvolvimento de competências de liderança. Os embarques nessas unidades constituem uma situação desafiante, plena de realismo, onde o trabalho em equipa é vital.

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Editor
António Coxito
Produção
Ricardo Melo
Design
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