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# 35 | 27 Março 06
 

Nasceu no ano em que o Homem foi pela primeira vez à Lua e entrou para a escola quando as sondas Viking pousaram em Marte. Um ano mais tarde os pais cometeram o «erro» de lhe oferecer três volumes monstruosos sobre astronomia (muitas centenas de páginas quase sem ilustrações), os quais conseguiu acabar de ler por volta dos nove anos.
Nas férias regressava à Serra do Açor onde ouvia o avô materno contar estórias populares sobre as constelações, enquanto à noite observava o céu escuro salpicado de luzes. Mais tarde passou muitas consoadas com os sem-abrigo de Lisboa, à procura da Estrela de Belém.
Hoje é colaborador do Centro de Estudos dos Ambientes Terrestre e Planetários, em Paris, França. Cresceu a sonhar com o envio de um rover a Marte, mas mudou de ideias. Agora quer enviá-lo a Titã, uma lua de Saturno.

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Fernando Simões
“Gostaria de colocar um pé na superfície gelada de Titã.”

Quais as suas passagens favoritas de ficção científica?
Habitualmente interesso-me mais pelas ideias, conteúdo e enredo da história, do que pelos efeitos especiais espectaculares. Por essa razão prefiro o filme 2001, Odisseia no Espaço em detrimento de Guerra das Estrelas. Utilizando o mesmo critério posso afirmar que me inspira mais o livro Titan, de Stephen Baxter (editora Harper Collins Publishers na versão original, pois não sei se está editado em Portugal), do que Contacto, de Carl Sagan. Se o autor for capaz de esmagar a minha imaginação tanto melhor, porque aprecio aqueles momentos inesperados em que sou completamente ultrapassado por ideias revolucionárias.
Quem conhecer o livro de Baxter perceberá facilmente o que pretendo dizer.

O que é para si cooperação?
Num mundo globalizado em que a competição é cada vez mais intensa, eu continuo a acreditar que a cooperação é um elo fundamental na relação entre pessoas e nações, entre povos e culturas. Para mim, competição e cooperação são princípios importantes que se complementam. Por exemplo, enquanto trabalhei na Agência Espacial Europeia desenvolvi um instrumento científico para detectar água e fazer estudos da estratigrafia do subsolo de Marte. Numa primeira fase o instrumento foi seleccionado para a próxima missão da ESA ao planeta vermelho. Porém, depois foi excluído, tal como muitos outros, devido à drástica redução de massa disponível para instrumentação científica. Neste momento volta a ser possível enviar o sensor para Marte caso exista um verdadeiro interesse da parte das instituições portuguesas em financiar o projecto. Tudo isto é possível graças à colaboração internacional dentro da ESA. O mais interessante é que um dos maiores cientistas planetários americanos me fez o convite para enviar o instrumento a bordo da próxima missão da NASA. Claro que ele não desenvolveu a técnica, mas eu também não tenho meios para lançar o instrumento para o espaço. Trata-se aqui de uma ajuda recíproca em que ambas as partes ficarão a ganhar. Neste momento o financiamento nacional está difícil, mas vou continuar a lutar para não perder esta oportunidade, se calhar única nos próximos anos, para a indústria e cientistas portugueses. Veremos se somos capazes de cooperar internamente para financiar este projecto, porque a cooperação não é só com o estrangeiro, mas dentro do nosso próprio país. O grande problema é que, muitas vezes, é mais fácil cooperar com um parceiro no outro lado do planeta do que com o nosso vizinho. Se a inoperância, indecisão e desresponsabilização nacionais vencerem, vou «cooperar» só com parceiros internacionais e seguir um outro caminho.
Um exemplo paradigmático de cooperação na área espacial é a missão Cassini-Huygens: se não existisse compromisso da NASA relativamente à sonda Huygens, muito provavelmente o Congresso dos Estados Unidos teria cancelado o projecto Cassini. Por outro lado, a ESA não tinha à época recursos próprios para enviar sozinha a sua própria sonda planetária a Titã.

Qual o significado da bandeira portuguesa em Titã?
Esta questão é muito interessante e pode ser vista de múltiplas perspectivas. Por um lado, Portugal faz parte da ESA, logo também descemos e pousámos em Titã. Por outro, quando a missão foi desenvolvida e a sonda lançada o nosso país ainda não era um estado membro da organização, logo não contribuímos para o projecto. Em minha opinião, o mais importante é o que faremos agora. Os cientistas do projecto publicaram os primeiros estudos sobre Titã e estamos a terminar a formatação dos dados, os quais serão públicos em Julho de 2006. A partir dessa altura qualquer pessoa pode utilizar os dados livremente, pelo que desejo ver muitos portugueses envolvidos no estudo de Titã... Para ver quantas bandeiras, quantas ideias novas, nós seremos capazes de «colocar» em Titã.

O que podemos aferir do conhecimento da existência de água em Marte?
Poderemos aprender sobre muitas coisas. Para a maioria das pessoas Marte é o planeta que mais se assemelha ao nosso. Existem muitas evidências de que o planeta vermelho teve água em grandes quantidades no passado, atendendo à morfologia da superfície. Porém, tal não sucede nos nossos dias e ninguém sabe ao certo porquê. A água pode estar armazenada no subsolo ou ter escapado para o espaço. Além disso, a presença de água é relevante em muitas circunstâncias, nomeadamente para o estudo do clima, da geologia e das temáticas associadas à vida. De facto, para a maioria dos cientistas, a água é um ingrediente imprescindível para o desenvolvimento da vida, pelo que surge assim, logicamente, este interesse adicional para procurar água em Marte.
O mais interessante é que todos estes assuntos estão relacionados. Por exemplo, a sonda que desenvolvi para detectar água em Marte está já a ser utilizada por uma empresa nacional para outras aplicações. Deste modo, o interesse do tópico sobre a água em Marte está a começar a dar frutos aqui na Terra e desejo ardentemente que o projecto seja bem sucedido, porque mostrará que Marte está mais perto de nós do que parece, provando assim também que a tecnologia espacial pode ser útil lá bem longe, mas também aqui ao nosso lado.

Se a Lua foi o primeiro marco para as estrelas, quais os próximos?
Pelos vistos, e de acordo com as visões americana, chinesa e europeia para o espaço, o próximo passo será novamente pela Lua, com o grande objectivo de chegar a Marte. Claro que o impacto de revisitar a Lua não é aquele que mais estimula o nosso imaginário, mas serve de base para uma colonização permanente do espaço. De momento já temos homens e mulheres a viverem a centenas de quilómetros da superfície da Terra e por períodos de vários meses, mas eles ainda estão umbilicalmente ligados ao planeta que observam bem de perto. Tal como no tempo das grandes viagens marítimas, creio que a humanidade irá começar dentro de algumas décadas a explorar pessoalmente «terra desconhecida», os corpos celestes mais próximos. Primeiro novamente a Lua, depois Marte, finalmente rumo às estrelas. Por mim, gostaria de colocar um pé na superfície gelada de Titã.

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Editor
António Coxito
Produção
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