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# 34 | 20 Março 06
 

Professor de Biologia e Bioquímica na Universidade de Houston, Texas, EUA

O seu objectivo é compreender como a variação fenotípica é gerada por mecanismos de desenvolvimento e influencia o curso da evolução.
Para responder a estas perguntas emprega uma variedade de abordagens, empíricas, computacionais e teóricas, da biologia do desenvolvimento, genética, e biologia evolutiva. Como sistema experimental usa nemátodes relacionados com Caenorhabditis elegans.

Recentemente o seu trabalho tem incidido mais sobre aspectos teóricos da evolução da complexidade, da robustez e da reprodução sexuada.

Destacam-se dois artigos publicados na revista Nature: "The simplicity of metazoan cell lineages" em 2005 e "Sexual reproduction selects for robustness and negative epistasis in artificial gene networks" em 2006.

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Ricardo Azevedo
“O sexo tem que ter as suas compensações evolutivas.”

Que vantagens ofereceu o sexo quando apareceu?
Esta é uma pergunta difícil de responder porque a recombinação genética, o mecanismo essencial da reprodução sexuada e que permite aos organismos incorporar material genético estranho, evoluiu há cerca de três mil milhões de anos e deixou poucos vestígios nos organismos actuais.

Porque é que um peixe prescinde de uma bicicleta?
Calculo que esta pergunta críptica se refere ao aforismo feminista de autoria incerta segundo o qual uma mulher precisa dum homem como um peixe precisa duma bicicleta. Ou seja, pergunta-se que razão pode levar um organismo a prescindir da reprodução sexuada. Esta pergunta está relacionada com a anterior, mas é mais fácil de abordar porque encontramos à nossa volta vários exemplos de organismos que, por assim dizer, perderam interesse pelo sexo. Só em animais, ocorreu várias vezes, em insectos, crustáceos, rotíferos, peixes, anfíbios, répteis, etc. Acontece que, à primeira vista, a assexualidade tem várias vantagens sobre o sexo. Por exemplo, organismos assexuados não perdem tempo a procurar parceiros, nem se arriscam a contrair doenças sexualmente transmissíveis. E existe o chamado "custo duplo" do sexo, a observação de que uma população assexuada composta inteiramente de fêmeas capazes de produzir outras fêmeas directamente, teria uma taxa de crescimento per capita dupla da de uma população sexuada composta por machos e fêmeas. Ou seja, espera-se que, em competição directa, uma população assexuada seja capaz de substituir uma população sexuada em poucas gerações. Mas o que se observa contraria esta expectativa. A grande maioria das espécies assexuadas estudadas até hoje tiveram uma origem relativamente recente, o que implica que a assexualidade tem dificuldades em se estabelecer a longo prazo. Por outras palavras, o sexo tem que ter as suas compensações evolutivas. A busca das vantagens do sexo tem ocupado os biólogos evolutivos desde o tempo de Darwin.
Teorias promissoras têm sido propostas ao longo dos anos. Numa contagem recente, existem mais de 20 teorias em circulação, várias apoiadas por evidências, mas poucas mutuamente exclusivas. Mas a situação não é tão má como se pode inferir da minha descrição. É que no fundo várias das teorias são variações sobre uma ideia proposta há mais de um século pelo biólogo alemão August Weismann, segundo a qual a vantagem do sexo é que gera variação, tornando o funcionamento da selecção natural mais eficiente. A maior parte das teorias correntes, mas não todas, limitam-se a articular uma série de mecanismos específicos capazes de actuar da forma proposta por Weismann. Uma destas teorias, ou "sub-teorias", dá pelo nome de hipótese mutacional determinista, e propõe que populações sexuadas eliminam mutações desfavoráveis de forma mais eficiente do que as populações assexuadas. Passei grande parte do último ano a investigar esta teoria.

O que é que nos impede de nos tornarmos assexuais outra vez?
Apesar do regresso à assexualidade ser relativamente fácil em vários grupos de organismos, tal não acontece no nosso caso específico devido a uma peculiaridade genética dos mamíferos, chamada "imprinting" genómico, que consiste numa expressão diferencial de certos genes consoante são herdados da mãe ou do pai. Isto implica que uma célula produzida apenas pela mãe não é viável, uma das razoes que tornam a clonagem tecnicamente difícil em humanos. Curiosamente, quando o "imprinting" genómico foi descoberto, a razão para a sua existência permaneceu misteriosa até David Haig propor uma explicação evolutiva. Infelizmente a explicação confirma mais uma vez os piores receios feministas sobre o conflito entre os sexos _ mais uma boa razão pela qual não devemos seguir o exemplo da natureza para estruturar a nossa sociedade. Segundo Haig, o "imprinting" genómico resulta do conflito entre a parte do genoma do feto herdada da mãe e a parte herdada do pai pelos nutrientes disponibilizados pela mãe.
Do ponto de vista do pai, o feto deveria exigir o máximo de nutrientes possível, mesmo que isso prejudique a saúde da mãe. Como é óbvio, este "cálculo" é contrário aos interesses da mãe, que preferiria investir no feto de forma mais modesta, de modo a assegurar a possibilidade de se voltar a reproduzir no futuro. É importante notar que o conflito genómico proposto é puramente genético e portanto inconsciente. Vários exemplos de genes "imprinted" descobertos confirmam espectacularmente as previsões de Haig. Por exemplo, o gene Igf2 ("insulin growth factor 2") é expresso apenas no feto e estimula o seu crescimento. Normalmente, o feto exprime a cópia herdada do pai, mas não a da mãe. Quando se inactiva a expressão de Igf2 paterno na placenta em ratos, eles nascem com cerca de metade do tamanho normal. Esta observação é consistente com a ideia de Haig, que prevê que a mãe elimina a expressão do Igf2 para reduzir a taxa de crescimento do feto.
Estudos recentes sugerem que a teoria de Haig ajuda a explicar as causas da pré-eclâmpsia, uma complicação importante da gravidez em humanos.

O design dos seres humanos é inteligente?
Toda a gente que sofre de dores na coluna ou nos joelhos sabe que a resposta é não... só se foram desenhados por ortopedistas! Claro que o nosso design é espectacularmente complexo em vários aspectos, e que parece intuitivo que esta complexidade só poderia ser produzida por outros sistemas complexos. Durante séculos esta intuição levou muitos a postular a existência dum criador. Mas tudo mudou quando Darwin demonstrou que sistemas complexos podem evoluir gradualmente a partir de sistemas mais simples, através do mecanismo de selecção natural. Uma das demonstrações mais simples deste fenómeno é que para todos os supostos exemplos de eficiência, elegância, perfeição e graça na natureza, encontramos tantos mais exemplos de dispêndio, dissimulação, defeito e ferocidade. Os factos apontam para uma natureza dominada por outras qualidades demasiado humanas como o conflito, a crueldade, a improvisação, a tentativa-erro e o desenrascanço.

Quando se fala de robustez nos sistemas biológicos, qual é o termo de comparação?
Esta é uma excelente pergunta que é frequentemente ignorada por investigadores nesta área. Em princípio seria necessário comparar o sistema biológico em questão com todas as formas alternativas de realizar a mesma função, o que obviamente é difícil de fazer na pratica.
Mas a regra geral parece ser que os sistemas biológicos são realmente robustos perante vários tipos de perturbações, como as mutações. Por exemplo, em mais de 90% do genoma humano as mutações não têm efeitos detectáveis porque caem em regiões entre genes e sem função aparente _ o que se costuma chamar de "junk" DNA. Mesmo mutações que afectam a sequencia dum gene capaz de gerar uma proteína têm uma probabilidade elevada de não substituir o aminoácido, ou de substitui-lo por um aminoácido semelhante. E até mutações que eliminam completamente a função dum gene podem ter efeitos insignificantes se existir outro gene capaz de executar a mesma função. Este tipo de redundância é muito comum em organismos com genomas longos, como o nosso.
O problema do termo de comparação é importante em discussões sobre se a robustez dum sistema evoluiu por selecção natural, ou surgiu espontaneamente por auto-organização. Eu inclino-me para a primeira hipótese. No último ano investiguei esta questão usando modelos artificiais de organismos, baseados em interacções. Um dos resultados interessantes que obtivemos é que a robustez face a mutações pode evoluir como que por arrasto como resultado da reprodução sexuada.

Os actores da evolução forjam o seu próprio caminho?
Esta é uma pergunta fascinante. Ainda é discutível, mas algumas evidências apontam para uma resposta afirmativa. Por exemplo, em alguns organismos observa-se que stress ambiental (por exemplo, um aumento drástico de temperatura), conduz a um aumento na taxa de mutação ou a uma diminuição da robustez, o que pode causar uma maior capacidade de resposta evolutiva. O nosso trabalho recente sugere mais um exemplo.
Uma das condições necessárias ao funcionamento da hipótese mutacional determinista, referida anteriormente, é a existência duma propriedade da arquitectura genética chamada epistasia negativa. A epistasia negativa ocorre quando duas mutações desfavoráveis têm um efeito desproporcionalmente mais grave quando actuam em conjunto, relativamente aos seus efeitos isolados. Nas nossas simulações descobrimos que, não só a robustez face às mutações aumenta nas populações sexuadas, mas que este aumento da robustez tem como consequência indirecta a geração de epistasia negativa. Ou seja, os nossos resultados sugerem que a reprodução sexuada se pode auto-sustentar.

Tornamo-nos cada vez mais complexos ou mais simples?
Em termos evolutivos, isto é, transcendendo o tempo de vida dum só individuo, a resposta parece apontar para o primeiro caso. Se olharmos para a história da vida na terra é obvio que formas mais e mais complexas foram aparecendo sucessivamente. Olhando só para o registo fóssil, vemos primeiro bactérias, depois células
eucarióticas, depois animais, plantas e fungos multicelulares, etc.
O que é menos claro é se esse processo foi guiado pela selecção natural porque a complexidade é intrinsecamente vantajosa, ou se, pelo contrario, resultou dum processo passivo em que alguns organismos se tornaram mais simples e outros mais complexos. Esse é um dos problemas que me ocupa actualmente. Suspeito que a evolução da complexidade está relacionada com a evolução da robustez, mas ainda é cedo para especular em público.

Anteriores entrevistas:
Isabel Palmeirim
J. Miguel Villas-Boas
Carlos Fiolhais
Carlos Herdeiro
Miguel Branco

 
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António Coxito
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