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#31| 27 Fevereiro 06
 

Nasceu em Lisboa em 1956. Licenciou-se em Física na Universidade de Coimbra em 1978 e doutorou-se em Física Teórica na Universidade Goethe, em Frankfurt/Main, Alemanha, em 1982. É Professor Catedrático no Departamento de Física da Universidade de Coimbra desde 2000.
Os seus interesses científicos centram-se na Física Computacional da Matéria Condensada e no Ensino e História das Ciências. Participou em numerosas acções, conferências e colóquios, promovendo a ciência e a cultura científica.

Publicou mais de 20 livros, incluindo o manual universitário "Fundamentos de Termodinâmica do Equilíbrio", em co-autoria, na Fundação Gulbenkian; as obras de divulgação científica "Física Divertida", "Computadores, Universo e Tudo o Resto" e "A Coisa mais Preciosa que Temos" na Gradiva; o livro de ciência infantil "Ciência a Brincar", em co-autoria, na Bizâncio; vários manuais escolares de Física e Química desde o 8.o ao 12.o ano, em co-autoria, na Didáctica e na Gradiva; e "Roteiro de Ciência e Tecnologia", em co-autoria, na Ulmeiro.

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Carlos Fiolhais
“Há inovações que a princípio parecem inocentes mas depois são esmagadoras.”

Que importância dá à facilidade de comunicação para avaliar um investigador?
A avaliação é uma das grandes marcas da investigação científica: esta é talvez a actividade humana em que a crítica assume um papel mais central.
Um investigador deve ser avaliado em primeira linha pela investigação que realiza. A publicação de artigos e livros científicos deve passar pelo crivo da avaliação pelos pares ("peer review"). O índice de impacto da revista e a contagem de citações medem a qualidade dos trabalhos publicados. De certa maneira está-se a entrar aí com a facilidade de comunicação: se o artigo não for suficientemente claro o artigo ou não é publicado ou, se publicado, não é lido.
Outra medida do investigador é o número e qualidade dos discípulos que forma, o que por vezes tem a ver com a qualidade das aulas ou seminários que dá e, portanto, pela facilidade de comunicação que ele aí revela... Deve-se ser claro para os alunos.
Mas há mais: Hoje em dia, num mundo em que a cultura científica é reconhecida, pode e deve ser valorizada a facilidade de comunicação dos cientistas com o público em geral. Essa facilidade pode ser medida pelo número e qualidade dos artigos de divulgação de ciência, ou pelos programas de rádio, televisão ou páginas da Internet, ou ainda por projectos de extensão cultural (exposições, conferências, etc.). É bom que se seja claro não só para os colegas e para os alunos como para toda a gente. Mas pode ser-se um bom investigador sem se ser um bom comunicador com o público e pode ser-se um bom comunicador com o público sem se ser um bom investigador. Nos casos em que se é ao mesmo tempo um bom investigador e um bom comunicador com o público, tanto melhor, claro.

Podem os académicos distanciar-se do grande público?
Poder, podem, mas julgo que não devem. Não ganham nada com isso. Se formos a ver bem é o grande público que paga o trabalho dos académicos. É natural que exija em troca não só compensações materiais (a tecnologia, que é o “braço armado” da ciência) mas também compensações intelectuais (a ciência, que consiste em visões, explicações do mundo). Para isso tem de ser pequena a distância entre os cientistas e o público. Pode haver intermediários entre os dois - os media são insubstituíveis - mas esses intermediários devem encurtar a distância. O público quer, em geral, saber. Quem tem o saber deve dar-lho em doses sábias. De resto, as missões da universidade moderna não são só criar e transmitir localmente o saber, mas sim emiti-lo para a sociedade em seu redor, se possível até para longe. As universidades devem ser centros de cultura, incluindo nesta a cultura científica, a cultura proporcionada pela ciência.

O que é a verdade em ciência? E quais são as suas principais divergências pessoais relativamente a verdades estabelecidas?
Acho que não há verdade na ciência. Há, isso sim, uma procura permanente da verdade? Apetece-me fazer minha a sua pergunta: o que é de facto a verdade na ciência? A história da ciência mostra que a verdade é algo intangível, embora ela possa sempre ser perseguida. Mais do que a procura da verdade, a ciência é a procura do erro. Procuramos errar cada vez menos. O que fica, depois de descartados os erros mais óbvios, podemos chamar verdade. Mas é uma verdade provisória, pois pode haver erros subtis que ainda não vimos.
Não tenho grandes divergências pessoais contra verdades estabelecidas pois isso seria alguma arrogância da minha parte. No meu trabalho de investigação vou descobrindo alguns erros, mas são coisas pequenas.

Qual a relevância da divulgação científica fora das escolas para o progresso da ciência?
Subentende-se que a escola é fundamental para a divulgação científica.
Nada pode substituir a educação formal, a educação na escola, um instrumento inventado há milhares e milhares de anos pela humanidade. Mas a educação informal, feita fora da escola (nos media, ou em museus de ciência, etc.), é de facto um instrumento complementar importante. De resto, as pessoas costumam revelar em inquéritos que, em geral, é mais o que sabem sobre a ciência recolhido nos media do que recolhido na escola. A boa divulgação científica, transmitida por filmes, teatros, imprensa, televisão, Internet pode até “contaminar” a escola, combatendo alguma inércia desta. O progresso da ciência depende desse trabalho de divulgação feito fora das escolas mas que acaba por influenciar a escola. São precisos constantemente novos talentos, jovens que se interessem pela ciência. Mas não é só o progresso da ciência que está em causa quando se refere a divulgação científica, mas sim o progresso de toda a sociedade, para o qual o progresso da ciência contribui. Sim, os cientistas sabem que em ciência há progresso (nomeadamente quando se descobre um erro bem entranhado) e que na sociedade em geral há também progresso (a sociedade de hoje difere muito, para melhor, da antiga sociedade egípcia). Os cientistas são progressistas!

A inovação é mesmo necessária?
Evidentemente. É imprescindível ao tal progresso. Progresso significa que há uma diferença entre o amanhã e o ontem. Essa diferença surge por vezes muito nitidamente sob a forma de processos de inovação, de descobertas, pequenas ou grandes, que marcam o mundo. A inovação é uma das características do mundo moderno. E ela não acontece por acontecer. Acontece porque a ciência está viva... Quanto mais viva estiver a ciência, maiores serão as possibilidades de inovar. E há inovações que a princípio parecem inocentes mas depois são esmagadoras. Estou-me a lembrar-me por exemplo do transístor, o interruptor electrónico inventado no fim da guerra. No início, em 1947, era só um, criado por três físicos. Mas hoje em dia vivemos rodeados por milhares e milhares de transístores. Já não conseguimos viver sem eles, escondidos dentro dos nossos frigoríficos, das nossas televisões, dos nossos telemóveis, etc. E o mundo de amanhã, graças a inovações que estão por vir, é hoje dificilmente imaginável.

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Editor
António Coxito
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