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#03 | 18 Agosto 05
 
Professor Associado do IST, Departamento de Matemática, Secção de Lógica e Computação

Interesses de investigação :
Teoria da Computação
Novos Paradigmas da Computação

Membro da Sociedade Portuguesa de Matemática
Membro da Associação Portuguesa de Egiptologia
Membro do Grémio Literário
Estudos de Línguas e Cultura Clássicas
Estudos de Língua e Cultura Hebraica
Estudos de Egípcio Médio
Estudos de Teologia na Universidade Católica de Lisboa

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José Félix Costa
“Sou completamente contra o Homem Final: O PORCO.”

O que é que há para além do "falar por falar"?
Esta questão foi amiúde respondida pelas grandes lojas maçónicas. É examinada em inúmeros ensaios da Grande Loja Regular de Inglaterra. Tal como, de um modo mais científico e independente, Carl Jung expressa amiúde, falar produz dois conteúdos semânticos: a semântica imediata da língua natural (Português, no nosso caso) e a semântica mediata, simbólica, resultado de uma vida simbólica do EU, que no mundo em que vivemos, e da forma como o poder simbólico se exprime, é muito pouco subida. Duas soluções são possíveis: regressão completa, por abstracção do poder simbólico, a uma linguagem científica ou a adopção de um dos grandes sistemas simbólicos construído pelo Homem através dos tempos (e.g., o do Templo Cristão).

Porque é que considera tão importante o conhecimento do Grego, do Latim e do Hebraico?
O gosto pela decifração, e a decifração, torna-nos mais inteligentes: o egípcio hieroglífico desenvolve aptidões. Tal como a estética é importante em ciência e o estudo da retórica nos torna capazes de comunicação sem precedentes, também em ciência, o estudo dos clássicos, nas línguas originais Latim e Grego, desenvolve capacidades. Para 'descobrir' o hebraico (bíblico) é necessário conhecê-lo: uma experiência matemática ímpar.
Quem aprende línguas vivas consultando gramáticas? O conhecimento dos sistemas gramáticos obriga-nos a reflectir sobre as línguas que falamos, a origem das palavras, etc.
Muito pouco aprendeu o Homem em milhares de anos,
se nos assomarmos além dos limites da ciência. Quase todos os paradigmas foram edificados no mundo antigo e, tal como o homem medieval, mais não há que uma eterna recapitulação, que hoje, perdendo-se o rasto dos antigos, não mais está ligada aos alicerces da cultura do Homem. Para além do mais, o Homem tem de preservar a sua cultura: lutarei contra a ideia de um Homem Final, acabado e reduzido pelo poder. Como se diz, há um prazer inesgotável em redescobrir o passado. Prazer aqui é prémio e não finalidade.

O que é que os antigos egípcios sabiam que nós ainda não saibamos?
Por que razão devo eu responder a tal questão? Questão que pode muito bem ser reformulada nos seguintes termos «O que é que os antigos sabiam que nós ainda não saibamos?» Provavelmente muito pouco. «O que é que os antigos egípcios sabiam que nós desaprendemos?» Muito. Se nos considerarmos à altura dos sábios, então deixámos de saber estar: perdemos a atitude, perdemos a sua capacidade de contemplação -- aquele envolvimento dos céus e da terra que Van Gogh nos transmitiu com a sua «Noite Estrelada»: uma ligação cósmica dos luzeiros do céu às cheias do Nilo, uma atitude moral anterior à Lei de Moisés, que o leitor pode muito bem estudar lendo o extraordinário ensaio de Miriam Lichtheim, «Moral Values in Ancient Egypt». Para nós ficaram os papiros e a Literatura. A decifração dos textos hieroglíficos (por exemplo) constitui um esforço intelectual que nos pode levar da origem da linguagem à formação de conceitos e ao estabelecimento de uma protogramática (que difere fundamentalmente da nossa), talvez ligada a uma outra maneira de pensar.
Quanto aos antigos, talvez o último homem verdadeiramente estóico tenha sido Catão (o Antigo) e a última mulher verdadeiramente estóica tenha sido Antónia, filha de Marco António. Todos nós somos epicuristas.
Desta maneira, «Os antigos egípcios sabiam ser de um modo que não somos mais capazes de ser». Então, pois, «Sabiam mesmo mais do que nós».

Acha possível um dia uma máquina reproduzir o raciocínio humano?
Quando tal acontecer nem o Homem será Homem nem a máquina será máquina. Sim e não são ambas respostas que não agradam a nossos olhos. Por um lado, a decadência sugere que o Homem é menos Homem, portanto, mais máquina. Por outro, o entendimento do Livre Arbítrio em Neurofisiologia leva-nos a pensar também que, afinal, o Homem é menos Homem e mais escravo.
A conexão cósmica permite-nos «rejeitar», e a rejeição cava um abismo entre o Homem e estes subprodutos do poder simbólico. Como disse, sou completamente contra o Homem Final: O PORCO (e.g., o «Último Homem» de Alexandre Kojève).

Quais as vantagens da interdisciplinaridade no desenvolvimento concreto da sua investigação académica?
Se é certo que Newton foi responsável pela grande síntese da ciência do século XVII, então também é verdade que Newton se conta entre os últimos grandes alquimistas. Jacob Bronowski, num dos seus ensaios invulgares, explica que há duas ciências: uma ciência mediata que perante a dor nos faz recorrer a um bom médico, que perante sintomas nos manda fazer análises detalhadas, que perante resultados clínicos estabelece diagnósticos e, consequentemente, prescreve tratamentos; uma ciência imediata que nos faz recorrer à panaceia. Todos nós partilhamos um pouco de ambas as atitudes. Mas não gosto! Não gosto de ver um cientista que na sua ciência é tão racional e que fora dela é tão irracional senão mesmo desumano.
Numa outra atmosfera desenvolveu-se a ideia das duas culturas: um humanista com pânico da Matemática (por exemplo) e um matemático com pânico da Literatura, principalmente quando retrata com realismo o mundo em que vivemos. Portanto, deixem-me ser como sou, um subproduto de ambas as culturas.
De um ponto vista prático, é certo que o foco é seguramente elemento da arquitectura da ambição, embora às vezes a própria ciência pregue as suas partidas: um ponto de vista pode ser muitas vezes trilhado por duas ciências na fronteira -- a unificação pode ser o golpe de génio capaz de levantar teorias que suplantam paradigmas anteriores. O foco excessivo é contraproducente.

É possível a inovação sem a divergência?
Verdadeira «inovação»?
Kuhn faz saber que não. Eu concordo, concordo com ele bem como com os demais filósofos da ciência nas vizinhanças do «não». Mas o tema é difícil! Podíamos escrever um ensaio. A História da Ciência ensina-nos que a divergência pode ser maior ou menor. Por exemplo, a divergência entre Boltzmann e o poder era grande: levou-o ao suicídio. O mesmo a respeito de Van Gogh. Há, no entanto, inovação de um outro tipo: ela filtra-se para um submundo onde permanece na sombra e, quando se dá por isso, foi já aceite (sem o deveras ter sido). No mundo hodierno, a propaganda atenua os efeitos da divergência: as pessoas estão dispostas a aceitar tudo.

É um homem feliz?
Não. Talvez pudesse ter sido. Conhece o «Livro dos Mortos»? É um livro muito antigo repleto de nomes: o primeiro nome que nele surge é Adão, o último é o meu.

 

 
 
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