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#28 | 6 Fevereiro 06
 

Professor Auxiliar Convidado e Investigador do Departamento de Física da Universidade de Aveiro.

Descobriu o mistério da rotação de Vénus, que gira sobre si próprio em sentido contrário ao de todos os outros planetas.

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Alexandre Correia
"Todos os nossos cálculos se tornam inúteis ao fim de 50 milhões de anos."

Porque é que a rotação de Vénus se processa em sentido contrário à dos outros planetas?
As teorias actualmente existentes sobre a formação dos planetas indicam que estes devem rodar sempre no mesmo sentido que o movimento orbital. Tal é observado no nosso Sistema Solar para quase todos os planetas à excepção de Urano, que roda “deitado”, e de Vénus, que roda muito lentamente (um dia em Vénus é igual a 243 dias na Terra) e totalmente ao contrário. No entanto, acredita-se que a rotação actual de Vénus, descoberta apenas em 1962, não é primordial, mas sim o resultado de um longo processo evolutivo. Devido à maior proximidade do Sol, este planeta vai sofrer grandes influências da nossa estrela. Uma delas é conhecida por efeito de maré gravitacional, um fenómeno também existente na Terra, mas de menor intensidade e provocado essencialmente pela Lua. Este efeito tem como consequência principal a diminuição da velocidade de rotação do planeta. Por outro lado, Vénus possui uma atmosfera muito importante, cerca de 90 vezes mais densa que a da Terra. As grandes variações de pressão e temperatura existentes entre a noite e o dia em Vénus originam um outro fenómeno conhecido por efeito de maré térmica. A consequência principal deste efeito é aumentar progressivamente a inclinação do eixo do planeta até que esta estabilize nos 180 graus (ou seja, quando o planeta fica virado ao contrário). Assim, combinando estes dois efeitos, as marés gravitacionais e as marés térmicas, é possível passar de um planeta inicialmente a rodar rápido e no mesmo sentido da órbita, a um planeta que roda devagar e com o eixo virado para baixo.

É um astrónomo sem telescópio?
Até certo ponto pode-se dizer que sim. As minhas principais ferramentas de trabalho são as equações matemáticas da física e os computadores. Não faço observações pessoalmente, mas contudo estou dependente das observações que os meus colegas fazem. Sem se ter observado primeiro que Vénus rodava ao contrário, nunca faria sentido tentar explicar as causas dessa rotação anormal. A ciência actual é feita por um grande número de pessoas cujo trabalho depende umas das outras. Se ninguém fizesse as observações no meu lugar, teria de ser eu a fazê-las.

Que relação existe entre Física, evolução das espécies e História?
A História é obviamente condicionada pela evolução das espécies que por sua vez é condicionada pelo meio físico na qual tudo se desenvolve. Se há 50 000 anos o homem de Neanderthal tivesse sido mais bem sucedido que o homo Sapiens, hoje seriam eles que estariam aqui a dar esta entrevista e não eu. Por outro lado, se há cerca de 60 milhões de anos um fenómeno cataclísmico (provavelmente o choque com a Terra de um meteorito de grandes dimensões) não tivesse erradicado a maioria dos dinossauros da superfície do nosso planeta, os seres vivos de menor porte tais como os mamíferos dificilmente se teriam desenvolvido. Nesse caso nem Neanderthal nem Sapiens haveria para escrever a História. Por obra do acaso físico e evolutivo, o homo Sapiens tornou-se a espécie dominante no nosso planeta. Actualmente a única espécie conhecida que parece poder ameaçar-nos somos nós próprios. Nesse sentido, talvez se possa dizer que a História começa quando a espécie homem se tornou dominante. No entanto, o nosso domínio da Física é ainda muito rudimentar e enquanto nos limitarmos a viver apenas no nosso planeta estamos sempre sujeitos a que um novo fenómeno cataclísmico ponha fim à nossa existência. Se um dia conseguirmos espalhar-nos pelo espaço, talvez se inaugure um novo capítulo da nossa existência, uma espécie de Pós-História.

Qual o significado do tempo de uma vida humana?
O tempo é relativo. Esta célebre frase aplica-se não só ao tempo medido por duas pessoas colocadas em referenciais diferentes, mas também ao termo de comparação que estabelecemos. Há fenómenos na Natureza cuja duração é tão breve que tornam um simples piscar de olhos uma eternidade... Por exemplo, a duração de tempo da transição entre os dois níveis hiperfinos de energia do átomo de césio 133 no estado fundamental, utilizada para contar o tempo nos relógios atómicos, é 9 mil milhões de vezes mais rápida que um segundo! Porém, se compararmos a nossa vida com a idade do Sistema Solar, sentimo-nos um átomo de césio, pois este já existe há quase 5 mil milhões de anos... Mas a Natureza é caprichosa e a teoria da relatividade mostra-nos que se um átomo de césio viajar muito próximo da velocidade da luz, então as transições entre os seus dois níveis hiperfinos podem demorar mais tempo que uma vida humana e até mesmo mais que o Sistema Solar. É tudo uma questão de referencial!

Saber comunicar a ciência é importante porque...
Só assim se consegue cativar o interesse dos mais novos para que no futuro se tornem eles também cientistas. No início da década de 80 passou na televisão portuguesa uma série intitulada “Cosmos”, da autoria do astrofísico Carl Sagan. Eu na altura tinha 7 ou 8 anos, mas absorvia toda a informação que podia. É difícil hoje estabelecer uma relação directa causa-efeito entre essa série e o meu percurso académico-profissional, mas seguramente foi um programa que me influenciou bastante e que ainda hoje revejo com prazer. Se não forem os cientistas a descodificar o trabalho que fazem, dificilmente os outros o vão fazer.

Prevê o futuro?
Nunca tentei fazê-lo, mas acho que não seria lá muito bem sucedido. De qualquer forma a Mecânica Quântica já nos mostrou que é impossível fazermos medições exactas daquilo que nos rodeia. Assim, por muito boas que sejam as leis da física, nunca se consegue ter o conhecimento absoluto de nada. Um bom exemplo disso é o nosso Sistema Solar. A partir das posições que os planetas ocupam hoje nas suas órbitas, somos capazes de saber com relativa precisão as suas posições nos próximos séculos e até milénios. No entanto, este sistema é caótico e todos os nossos cálculos se tornam inúteis ao fim de 50 milhões de anos, mesmo que utilizemos os melhores computadores!...

Anteriores entrevistas:
Gabriela Gomes
Miguel Castanho
Fernando Carvalho Rodrigues
Nuno Crato
Patrícia Beldade

 
 
 
 
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