Alexandre Correia
"Todos os nossos cálculos
se tornam inúteis ao fim de 50 milhões de anos."
Porque é que a rotação
de Vénus se processa em sentido contrário à
dos outros planetas?
As teorias actualmente existentes sobre a formação
dos planetas indicam que estes devem rodar sempre no mesmo
sentido que o movimento orbital. Tal é observado no
nosso Sistema Solar para quase todos os planetas à
excepção de Urano, que roda “deitado”,
e de Vénus, que roda muito lentamente (um dia em Vénus
é igual a 243 dias na Terra) e totalmente ao contrário.
No entanto, acredita-se que a rotação actual
de Vénus, descoberta apenas em 1962, não é
primordial, mas sim o resultado de um longo processo evolutivo.
Devido à maior proximidade do Sol, este planeta vai
sofrer grandes influências da nossa estrela. Uma delas
é conhecida por efeito de maré gravitacional,
um fenómeno também existente na Terra, mas de
menor intensidade e provocado essencialmente pela Lua. Este
efeito tem como consequência principal a diminuição
da velocidade de rotação do planeta. Por outro
lado, Vénus possui uma atmosfera muito importante,
cerca de 90 vezes mais densa que a da Terra. As grandes variações
de pressão e temperatura existentes entre a noite e
o dia em Vénus originam um outro fenómeno conhecido
por efeito de maré térmica. A consequência
principal deste efeito é aumentar progressivamente
a inclinação do eixo do planeta até que
esta estabilize nos 180 graus (ou seja, quando o planeta fica
virado ao contrário). Assim, combinando estes dois
efeitos, as marés gravitacionais e as marés
térmicas, é possível passar de um planeta
inicialmente a rodar rápido e no mesmo sentido da órbita,
a um planeta que roda devagar e com o eixo virado para baixo.
É um astrónomo sem telescópio?
Até certo ponto pode-se dizer que sim. As minhas principais
ferramentas de trabalho são as equações
matemáticas da física e os computadores. Não
faço observações pessoalmente, mas contudo
estou dependente das observações que os meus
colegas fazem. Sem se ter observado primeiro que Vénus
rodava ao contrário, nunca faria sentido tentar explicar
as causas dessa rotação anormal. A ciência
actual é feita por um grande número de pessoas
cujo trabalho depende umas das outras. Se ninguém fizesse
as observações no meu lugar, teria de ser eu
a fazê-las.
Que relação existe entre
Física, evolução das espécies
e História?
A História é obviamente condicionada pela evolução
das espécies que por sua vez é condicionada
pelo meio físico na qual tudo se desenvolve. Se há
50 000 anos o homem de Neanderthal tivesse sido mais bem sucedido
que o homo Sapiens, hoje seriam eles que estariam aqui a dar
esta entrevista e não eu. Por outro lado, se há
cerca de 60 milhões de anos um fenómeno cataclísmico
(provavelmente o choque com a Terra de um meteorito de grandes
dimensões) não tivesse erradicado a maioria
dos dinossauros da superfície do nosso planeta, os
seres vivos de menor porte tais como os mamíferos dificilmente
se teriam desenvolvido. Nesse caso nem Neanderthal nem Sapiens
haveria para escrever a História. Por obra do acaso
físico e evolutivo, o homo Sapiens tornou-se a espécie
dominante no nosso planeta. Actualmente a única espécie
conhecida que parece poder ameaçar-nos somos nós
próprios. Nesse sentido, talvez se possa dizer que
a História começa quando a espécie homem
se tornou dominante. No entanto, o nosso domínio da
Física é ainda muito rudimentar e enquanto nos
limitarmos a viver apenas no nosso planeta estamos sempre
sujeitos a que um novo fenómeno cataclísmico
ponha fim à nossa existência. Se um dia conseguirmos
espalhar-nos pelo espaço, talvez se inaugure um novo
capítulo da nossa existência, uma espécie
de Pós-História.
Qual o significado do tempo de uma
vida humana?
O tempo é relativo. Esta célebre frase aplica-se
não só ao tempo medido por duas pessoas colocadas
em referenciais diferentes, mas também ao termo de
comparação que estabelecemos. Há fenómenos
na Natureza cuja duração é tão
breve que tornam um simples piscar de olhos uma eternidade...
Por exemplo, a duração de tempo da transição
entre os dois níveis hiperfinos de energia do átomo
de césio 133 no estado fundamental, utilizada para
contar o tempo nos relógios atómicos, é
9 mil milhões de vezes mais rápida que um segundo!
Porém, se compararmos a nossa vida com a idade do Sistema
Solar, sentimo-nos um átomo de césio, pois este
já existe há quase 5 mil milhões de anos...
Mas a Natureza é caprichosa e a teoria da relatividade
mostra-nos que se um átomo de césio viajar muito
próximo da velocidade da luz, então as transições
entre os seus dois níveis hiperfinos podem demorar
mais tempo que uma vida humana e até mesmo mais que
o Sistema Solar. É tudo uma questão de referencial!
Saber comunicar a ciência é
importante porque...
Só assim se consegue cativar o interesse dos mais novos
para que no futuro se tornem eles também cientistas.
No início da década de 80 passou na televisão
portuguesa uma série intitulada “Cosmos”,
da autoria do astrofísico Carl Sagan. Eu na altura
tinha 7 ou 8 anos, mas absorvia toda a informação
que podia. É difícil hoje estabelecer uma relação
directa causa-efeito entre essa série e o meu percurso
académico-profissional, mas seguramente foi um programa
que me influenciou bastante e que ainda hoje revejo com prazer.
Se não forem os cientistas a descodificar o trabalho
que fazem, dificilmente os outros o vão fazer.
Prevê o futuro?
Nunca tentei fazê-lo, mas acho que não seria
lá muito bem sucedido. De qualquer forma a Mecânica
Quântica já nos mostrou que é impossível
fazermos medições exactas daquilo que nos rodeia.
Assim, por muito boas que sejam as leis da física,
nunca se consegue ter o conhecimento absoluto de nada. Um
bom exemplo disso é o nosso Sistema Solar. A partir
das posições que os planetas ocupam hoje nas
suas órbitas, somos capazes de saber com relativa precisão
as suas posições nos próximos séculos
e até milénios. No entanto, este sistema é
caótico e todos os nossos cálculos se tornam
inúteis ao fim de 50 milhões de anos, mesmo
que utilizemos os melhores computadores!... |