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#27| 30 Janeiro 06
 

Professora Assistente e Investigadora do grupo de Evolutionary Biology da Universidade de Leiden na Holanda.

Recebeu em 2003 o Prémio John Maynard-Smith para jovens investigadores, atribuído pela European Society for Evolutionary Biology

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Patrícia Beldade
"É importante que se reconheça o enorme potencial das técnicas de manipulação genética e o seu impacto no domínio científico, médico e económico."

Que sabedoria se encontra nos desenhos das asas das borboletas?
Os padrões de cores que decoram as asas das borboletas são um dos exemplos mais espectaculares de variação morfológica no mundo vivo. A diversidade de cores é enorme e existe a vários níveis: entre espécies, entre populações da mesma espécie, entre machos e fêmeas duma mesma população, entre indivíduos do mesmo sexo e até entre asas num mesmo indivíduo. Ao mesmo tempo, porque se formam numa camada de células única, os padrões das asas são relativamente simples em comparação com estruturas tri-dimensionais e por isso bastante acessíveis a experimentação. Desta forma, as asas das borboletas são um sistema muito adequado para tentar integrar métodos e conceitos de diferentes áreas da biologia (genética, desenvolvimento, evolução) na procura dum entendimento detalhado dos mecanismos subjacentes à variação biológica. Este entendimento é um dos principais desafios da investigação contemporânea na área da biologia.

Quais as limitações do poder criador da Natureza?
Na minha opinião esta pergunta, posta assim duma forma tão geral, ultrapassa o que a Ciência pode pretender responder. Com base nas formas biológicas que existem ou existiram, e no nosso conhecimento dos processos que geram essas formas podemos fazer predições de quais as formas prováveis e quais as que parecem “impossíveis”. Estas predições, no entanto, dificilmente podem ser extrapoladas para uma escala temporal infinita, já que dependem da variabilidade genética existente no tempo presente e das condições ambientais em que essa variabilidade é expressa. Predições a tempo infinito, porque escapam à possibilidade de ser testadas por experimentação, um passo fundamental no processo científico, são portanto mais interessantes do ponto de vista filosófico ou teológico e menos do científico.
Claro que com base na observação e no conhecimento de leis (mais ou menos) universais, é possível identificar o que possam parecer “limitações do poder criador da Natureza”. Organismos como um elefante capaz de voar com asas de mosca, por exemplo, são uma impossibilidade da física, pelo menos no ambiente que conhecemos que é o do planeta Terra. No entanto, limitações ou constrangimentos como este são, na minha opinião, de alguma forma triviais e menos interessantes do ponto de vista da investigação científica na área da biologia. Um outro exemplo que não é imediatamente explicável com base em conhecidas leis da física é o das patas das centopeias. Diferentes espécies podem ter um número diferente de pares de patas mas esse número é invariavelmente impar. Resta saber se esta observação é o resultado duma qualquer limitação imposta pela forma como o desenvolvimento das patas se faz, do facto da selecção natural dar vantagem a indivíduos com um número ímpar de pares de patas ou se simplesmente alterações genéticas que levam à produção de números pares nunca terem aparecido ou sido mantidas na natureza. Como este há outros exemplos, mas, na realidade, a observação da enorme diversidade biológica existente à nossa volta sugere mais um quase inesgotável “poder criador da Natureza” do que a existência de grandes “limitações”.

Qual a ligação entre a alteração genética e a variação morfológica?
Da mesma forma que nem todas as variações morfológicas resultam de alterações genéticas, as alterações genéticas também não têm necessariamente de produzir variações morfológicas nos animais em que surgem. Muitas das alterações na sequência do ADN, as chamadas mutações neutras, não resultam em alterações visíveis e muitas outras, porque são letais, acabam também por não contribuir para a variabilidade na população em que surgem. Mas algumas, claro, levam à produção de organismos com “formas diferentes” que, se sobreviverem e se reproduzirem melhor no ambiente em que vivem, acabarão por aumentar em frequência e eventualmente até substituir as formas que eram inicialmente mais comuns. Geralmente, claro, em vez da situação “extrema” de formas novas que completamente substituem outras, o que temos é um enorme número de formas mais ou menos diferentes que coexistem numa mesma população. Assim, a variação nas formas (morfológicas ou outras, como comportamentais ou fisiológicas) e no material genético são uma característica universal em populações naturais. Um dos exemplos desta variação entre indivíduos que nos é mais próximo é o da susceptibilidade para contrair certas doenças. Para esta característica, como para todas, as diferenças inter-individuais podem resultar de variações genéticas mas também do ambiente e da forma como o ambiente regula a informação contida no material genético (o ADN). O entendimento dos mecanismos que levam à produção de variação é, cada vez mais, um objectivo central da biologia moderna.

Que mecanismos genéticos estão na origem da selecção sexual?
Apesar deste assunto ter interessado biólogos desde há muito, pouco se sabe dos mecanismos genéticos envolvidos na selecção sexual. Na maior parte dos animais, enquanto os machos competem entre si por acesso a fêmeas, às fêmeas cabe a tarefa de escolher entre os machos disponíveis aquele que tem maiores possibilidades de produzir descendência “capaz”. Os comportamentos envolvidos nas diferentes etapas destes dois processos são distintos, como poderão ser os mecanismos genéticos que os determinam. Alguns dos genes responsáveis pela competição entre machos (e.g. genes envolvidos na produção de testosterona), pelo seu cortejo às fêmeas (e.g. mutações no gene fruitless da mosca do vinagre produzem cortejos alterados) e pela escolha final desta (e.g. genes envolvidos na percepção de sinais visuais, auditivos ou de olfacto emitidos durante o cortejo) são já conhecidos em casos específicos, mas estamos longe de ter uma dissecção completa das bases genéticas da selecção sexual. Esta é, no entanto, uma área de grande interesse actual.

Qual a sua posição sobre a manipulação genética?
Uma posição cuidadosa mas sobretudo não fundamentalista. A introdução de material genético duma espécie noutra é um fenómeno que ocorre na natureza. Avanços tecnológicos e conceptuais das últimas décadas permitiram ao Homem explorar este tipo de fenómeno e desenvolver técnicas para, de alguma forma, “controlar” a natureza em seu benefício. A manipulação genética de produtos agrícolas e pecuários é central na produção alimentar actual. Por exemplo, a inclusão de resistência a pesticidas em cultivares permite que se possam usar estes produtos para eliminar “ervas daninhas” sem destruir as plantas de interesse. Claro que há que ter cuidado para que tal estratégia não conduza ao abuso dos pesticidas que poderiam ter efeitos nefastos quer na natureza (e.g. “inundando” os campos destes produtos) quer nas pessoas (que no final ingerem as plantas tratadas). A absoluta necessidade deste tipo de cuidados, tão fundamentais quando se faz manipulação genética, é particularmente “mediática” quando se trata de manipulação que afecta o Homem directamente. A comunidade científica, como a sociedade em geral, é sensível a este tipo de preocupação e geralmente reconhece a necessidade de mecanismos reguladores como o são comissões de bioética e regras internacionais de “conduta experimental”. Mas é importante que não se caia no “fundamentalismo anti-manipulação” fácil e, frequentemente, desinformado, e que se reconheça o enorme potencial das técnicas de manipulação genética e do seu impacto no domínio científico, médico e económico.

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Fernando Carvalho Rodrigues
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