Nuno Crato
"A escola deseduca a curiosidade
quando não educa a persistência e o gosto pela
cultura."
A curiosidade, educa-se?
Julgo que sim, como tudo na vida. A curiosidade parece ser
uma característica natural das crianças e dos
jovens. Nascemos a perguntar o porquê das coisas. É
bom que continuemos a fazer perguntas pela vida fora.
Na vida adulta, contudo, não basta fazer perguntas
a torto e a direito, de maneira semelhante à das crianças.
É preciso aprender a fazer as perguntas certas, isto
é, a fazer perguntas que permitam pesquisar respostas.
Há uma ideia romântica sobre a curiosidade dos
cientistas e, em geral, dos grandes criadores. Num relato
a posteriori, simplificado, parece que o segredo
dos grandes génios está em fazer perguntas inovadoras,
descomprometidas. E que essas perguntas caem do ar. Julgo
que nada é mais falso. As perguntas inovadoras são
fecundas quando são perguntas educadas, de pessoas
que sabem escolher entre inúmeras questões possíveis
aquelas que podem conduzir a algum lado. E, finalmente, foram
fecundas porque essas pessoas souberam perseverar na procura
de respostas.
Esta ideia romântica de que as rotinas e as automatizações
se opõem à inovação é uma
ideia enganadora e perigosa. Leva os jovens e os educadores
a pensar que as rotinas são prejudiciais e que só
é útil o conhecimento significativo e contextualizado,
como agora se diz. Quando a realidade é que sem automatismos,
sem rotinas e sem esforço nada se consegue atingir.
Diz-se por vezes que a curiosidade natural é deseducada
pela escola, porque esta estupidifica e domestica as pessoas
através do trabalho rotineiro. Em certa medida, julgo
que é o contrário. Quando a escola não
ensina devidamente a ter persistência nas perguntas
e a não desistir delas, mesmo quando elas dão
muito trabalho, está a prestar um mau serviço
ao futuro adulto e à sua capacidade para fazer perguntas
educadas sobre o mundo. Ou seja, a escola deseduca a curiosidade
quando não educa a persistência e o gosto pela
cultura.
Isto não quer dizer, no entanto, que não seja
importante desenvolver a confiança em si próprio
e o raciocínio autónomo. Uma coisa é
um bom professor, que ensina questionando e levando os seus
alunos ao diálogo, à conjectura e à análise
crítica. Outra coisa é um mau professor, que
se limita a fornecer informação e o faz de forma
desinteressante, puramente abstracta e inútil. O primeiro
ajuda o aluno a enfrentar os desafios da vida. O segundo leva-o
a encarar a escola e o conhecimento como algo inútil.
Qual o bottom line cultural
para a linguagem de divulgação científica?
Não sei responder de forma conclusiva. Mas parece-me
que há duas preocupações centrais na
linguagem de divulgação. Uma é a simplicidade,
outra a honestidade. Sem simplicidade, sem clareza, não
se consegue transmitir a mensagem que se deseja. Mas a simplicidade
não deve dar a entender que as coisas são mais
simples do que o são, nem deve fomentar o aparecimento
de conceitos enganosos. Chamo a esta segunda ideia honestidade,
por falta de um termo mais preciso.
Há uma diferença central entre as preocupações
da divulgação científica e as de certos
intelectuais que julgam que quanto mais complicada e hermética
for a sua linguagem, mais profundos eles são. Na realidade,
esta ideia absurda revela desprezo pelo público e presunção.
E, habitualmente, revela ainda mais, revela a falta de clareza
de pensamento.
Os termos científicos estrangeiros,
deviam ser traduzidos ou explicados?
Depende. Em muitas áreas da investigação,
os cientistas não se preocupam em traduzir todos os
termos ingleses que a comunidade científica internacional
usa. Não se preocupam, pois sabem que estão
a usar termos que poucas pessoas entendem e que aqueles que
os entendem os lêem em inglês. Traduzir termos
pouco usados, que, por vezes, nem na língua inglesa
estão bem estabelecidos, presta-se a confusões.
Mas há outros termos que são de uso generalizado
e que acabarão por se incorporar na linguagem comum.
Julgo que esses devem ser traduzidos e correctamente incorporados
na nossa língua.
Nada como discutir as coisas em concreto. «ADN»,
por exemplo, julgo que é uma má tradução,
pois devia usar-se «DNA», que é o termo
internacional. Nem um nem outro são naturais na língua
portuguesa. O primeiro é o acrónimo de ácido
desoxirribonucleico; o segundo, do mesmo ácido, mas
de acordo com a expressão inglesa. Se o nome do ácido
fosse conhecido, talvez fosse melhor usar «ADN».
Não o sendo, sendo o acrónimo indiferente do
ponto de vista da referência, por que não usar
o termo internacionalmente mais conhecido?
Já «space probe», por exemplo, deve ser
traduzido por «sonda espacial», ou expressão
equivalente, tal como «governance» deve ser traduzida
por «governo» ou «governação»,
evitando um anglicismo inútil. Na tradução
deve ter-se particular cuidado, para não induzir em
erro. Por exemplo, «scientific evidence» deve
ser traduzido por «provas científicas»
ou «dados científicos», evitando a errada
tradução por «evidência».
O discurso poético, pode ser
útil para a linguagem de divulgação científica?
Julgo que sim, mas dentro de certos limites. É muito
habitual dizer-se que a divulgação científica
deve usar metáforas e paralelos com situações
do dia a dia. Acredito que esses recursos sejam úteis,
mas eu prefiro evitá-los, pois podem ser enganadores.
As metáforas e outras figuras de estilo de nível
semântico podem ser indispensáveis na literatura
e na poesia, mas creio que devem ser usadas com cuidado na
divulgação. Um poeta pode dizer que «o
amor é fogo que arde sem se ver», mas se um divulgador
disser que «a energia dos raios gama é fogo que
arde sem se ver», que adianta com isso? O princípio
geral, parece-me, é sempre o de ser o mais claro possível,
sem induzir em erro.
”Será que é
triste que as pessoas se desinteressem de debates sobre «a
ética da ciência e a ciência da ética»,
enquanto se interessam por observar as maravilhas do céu
através de telescópios?”
Se estou correctamente recordado, está a citar uma
frase que escrevi há alguns anos. O que então
queria dizer é que há muita gente, e muita gente
intelectual, que está desgostada de especulações
vagas e palavrosas. Mas que isso não significa desinteresse
pela cultura e pelo conhecimento. A prova é que há
muita gente interessada na cultura científica e no
contacto o mais directo possível com a ciência
e as observações científicas. E isso
é bom sinal. |