CASO NÃO CONSIGA VISUALIZAR CORRECTAMENTE ESTA NEWSLETTER CLIQUE AQUI
 
#26 | 23 Janeiro 06
 

Professor Associado com Agregação de Matemática e Estatística no Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa. Licenciou-se em Economia no ISEG. Doutorou-se em Matemática Aplicada nos Estados Unidos e trabalhou depois nesse país muitos anos, como investigador e professor universitário. O seu trabalho de investigação incide sobre processos estocásticos e séries temporais com aplicações várias, nomeadamente climatéricas e financeiras.

Em paralelo com o seu trabalho académico, está empenhado na divulgação científica. Colabora regularmente na imprensa e é co-autor de Trânsitos de Vénus (Gradiva, 2004), autor de Zodíaco: Constelações e Mitos (Gradiva, 2001), co-autor de Eclipses (Gradiva, 1999) e de outras obras de divulgação.

A Sociedade Europeia de Matemática atribuiu-lhe em 2003 o Primeiro Prémio do concurso Public Awareness of Mathematics pelo seu trabalho de divulgação da matemática.

email
site

Nuno Crato
"A escola deseduca a curiosidade quando não educa a persistência e o gosto pela cultura."

A curiosidade, educa-se?
Julgo que sim, como tudo na vida. A curiosidade parece ser uma característica natural das crianças e dos jovens. Nascemos a perguntar o porquê das coisas. É bom que continuemos a fazer perguntas pela vida fora.
Na vida adulta, contudo, não basta fazer perguntas a torto e a direito, de maneira semelhante à das crianças. É preciso aprender a fazer as perguntas certas, isto é, a fazer perguntas que permitam pesquisar respostas.
Há uma ideia romântica sobre a curiosidade dos cientistas e, em geral, dos grandes criadores. Num relato a posteriori, simplificado, parece que o segredo dos grandes génios está em fazer perguntas inovadoras, descomprometidas. E que essas perguntas caem do ar. Julgo que nada é mais falso. As perguntas inovadoras são fecundas quando são perguntas educadas, de pessoas que sabem escolher entre inúmeras questões possíveis aquelas que podem conduzir a algum lado. E, finalmente, foram fecundas porque essas pessoas souberam perseverar na procura de respostas.
Esta ideia romântica de que as rotinas e as automatizações se opõem à inovação é uma ideia enganadora e perigosa. Leva os jovens e os educadores a pensar que as rotinas são prejudiciais e que só é útil o conhecimento significativo e contextualizado, como agora se diz. Quando a realidade é que sem automatismos, sem rotinas e sem esforço nada se consegue atingir.
Diz-se por vezes que a curiosidade natural é deseducada pela escola, porque esta estupidifica e domestica as pessoas através do trabalho rotineiro. Em certa medida, julgo que é o contrário. Quando a escola não ensina devidamente a ter persistência nas perguntas e a não desistir delas, mesmo quando elas dão muito trabalho, está a prestar um mau serviço ao futuro adulto e à sua capacidade para fazer perguntas educadas sobre o mundo. Ou seja, a escola deseduca a curiosidade quando não educa a persistência e o gosto pela cultura.
Isto não quer dizer, no entanto, que não seja importante desenvolver a confiança em si próprio e o raciocínio autónomo. Uma coisa é um bom professor, que ensina questionando e levando os seus alunos ao diálogo, à conjectura e à análise crítica. Outra coisa é um mau professor, que se limita a fornecer informação e o faz de forma desinteressante, puramente abstracta e inútil. O primeiro ajuda o aluno a enfrentar os desafios da vida. O segundo leva-o a encarar a escola e o conhecimento como algo inútil.

Qual o bottom line cultural para a linguagem de divulgação científica?
Não sei responder de forma conclusiva. Mas parece-me que há duas preocupações centrais na linguagem de divulgação. Uma é a simplicidade, outra a honestidade. Sem simplicidade, sem clareza, não se consegue transmitir a mensagem que se deseja. Mas a simplicidade não deve dar a entender que as coisas são mais simples do que o são, nem deve fomentar o aparecimento de conceitos enganosos. Chamo a esta segunda ideia honestidade, por falta de um termo mais preciso.
Há uma diferença central entre as preocupações da divulgação científica e as de certos intelectuais que julgam que quanto mais complicada e hermética for a sua linguagem, mais profundos eles são. Na realidade, esta ideia absurda revela desprezo pelo público e presunção. E, habitualmente, revela ainda mais, revela a falta de clareza de pensamento.

Os termos científicos estrangeiros, deviam ser traduzidos ou explicados?
Depende. Em muitas áreas da investigação, os cientistas não se preocupam em traduzir todos os termos ingleses que a comunidade científica internacional usa. Não se preocupam, pois sabem que estão a usar termos que poucas pessoas entendem e que aqueles que os entendem os lêem em inglês. Traduzir termos pouco usados, que, por vezes, nem na língua inglesa estão bem estabelecidos, presta-se a confusões.
Mas há outros termos que são de uso generalizado e que acabarão por se incorporar na linguagem comum. Julgo que esses devem ser traduzidos e correctamente incorporados na nossa língua.
Nada como discutir as coisas em concreto. «ADN», por exemplo, julgo que é uma má tradução, pois devia usar-se «DNA», que é o termo internacional. Nem um nem outro são naturais na língua portuguesa. O primeiro é o acrónimo de ácido desoxirribonucleico; o segundo, do mesmo ácido, mas de acordo com a expressão inglesa. Se o nome do ácido fosse conhecido, talvez fosse melhor usar «ADN». Não o sendo, sendo o acrónimo indiferente do ponto de vista da referência, por que não usar o termo internacionalmente mais conhecido?
Já «space probe», por exemplo, deve ser traduzido por «sonda espacial», ou expressão equivalente, tal como «governance» deve ser traduzida por «governo» ou «governação», evitando um anglicismo inútil. Na tradução deve ter-se particular cuidado, para não induzir em erro. Por exemplo, «scientific evidence» deve ser traduzido por «provas científicas» ou «dados científicos», evitando a errada tradução por «evidência».

O discurso poético, pode ser útil para a linguagem de divulgação científica?
Julgo que sim, mas dentro de certos limites. É muito habitual dizer-se que a divulgação científica deve usar metáforas e paralelos com situações do dia a dia. Acredito que esses recursos sejam úteis, mas eu prefiro evitá-los, pois podem ser enganadores. As metáforas e outras figuras de estilo de nível semântico podem ser indispensáveis na literatura e na poesia, mas creio que devem ser usadas com cuidado na divulgação. Um poeta pode dizer que «o amor é fogo que arde sem se ver», mas se um divulgador disser que «a energia dos raios gama é fogo que arde sem se ver», que adianta com isso? O princípio geral, parece-me, é sempre o de ser o mais claro possível, sem induzir em erro.

”Será que é triste que as pessoas se desinteressem de debates sobre «a ética da ciência e a ciência da ética», enquanto se interessam por observar as maravilhas do céu através de telescópios?”
Se estou correctamente recordado, está a citar uma frase que escrevi há alguns anos. O que então queria dizer é que há muita gente, e muita gente intelectual, que está desgostada de especulações vagas e palavrosas. Mas que isso não significa desinteresse pela cultura e pelo conhecimento. A prova é que há muita gente interessada na cultura científica e no contacto o mais directo possível com a ciência e as observações científicas. E isso é bom sinal.

Editor
António Coxito
Produção
Ricardo Melo
Design
Luís Silva
Subscrições/cancelamento
Esta mensagem está de acordo com a legislação Europeia sobre o envio de mensagens comerciais: qualquer mensagem deverá estar claramente identificada com os dados do emissor e deverá proporcionar ao receptor a hipótese de ser removido da lista. Para ser removido da nossa lista, basta que nos responda a esta mensagem colocando a palavra "Remover" no assunto. (Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu; Relatório A5-270/2001 do Parlamento Europeu)