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#24 | 09 Janeiro 06
 

Professor Associado com Agregação da Fac. Ciências da Univ. Lisboa (Departamento de Química e Bioquímica). Lecciona Espectroscopia Biomolecular e Biofísica Molecular na licenciatura em Bioquímica. Dirige o laboratório de Biofísica Molecular do Centro de Química e Bioquímica e dedica-se ao estudo de interacção de moléculas com interesse farmacológico com sistemas modelo de membranas celulares.
Premiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, Sociedade Portuguesa de Química e Comissão Nacional de Luta contra a Sida.

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Miguel Castanho
"O vírus da SIDA é como um ladrão que rouba carteiras a polícias."

Que beleza encontra no micro-cosmos?
O principal fascínio é tentar perceber como da física e química das interacções moleculares pode nascer esse mistério a que chamamos vida. O interior da célula é muito complexo mas as interacções entre as moléculas que compõem esse espaço são interacções físicas e químicas como quaisquer outras. Como é possível que princípios simples se articulem em sistemas complexos e daí resulte a vida?

Qual a validade do erro em Ciência?
A ideia que o método científico começa num problema (pergunta) e prossegue com a confirmação ou refutação da hipótese (resposta) é simplista. Na realidade, o processo de produção de conhecimento científico passa por colocar várias hipóteses possíveis e trabalhar num processo de exclusão de partes. Eliminar as respostas erradas para identificar a(s) resposta(s) certas. É este o processo mais comum e mais saudável, creio. Trabalhando com uma só hipótese temos a tentação de a adoptar como A resposta e não como UMA resposta. Esta tentação compromete a independência da resposta face aos desejos do experimentador.

O que é e qual a importância do comunicar a Ciência?
Comunicar ciência pode tomar vários aspectos distintos:
1) Dar a conhecer factos científicos (sem ter a ilusão que a divulgação científica substituirá o sistema de ensino na educação formal em ciência)
2) Dar a conhecer o que fazem os cientistas e como a sua acção produz conhecimento e inovação. Esta é uma faceta  muito esquecida e que provoca um enorme distanciamento entre cientistas e público em geral. O sistema de revisão inter-pares, "peer-review", é nuclear em ciência e é completamente estranho ao público, por exemplo. A forma como novo conhecimento pode ser transformado num produto (ou não) também é completamente desconhecida aos olhos do público. Não admira que a imagem pública do cientista seja de alguém excêntrico e isolado.
3) Lembrar os contributos da ciência para o desenvolvimento e grau civilizacional que atingimos. Pode parecer disparatado falar nisto de tão óbvio que é mas os mais atentos repararão que a ciência é encarada com desconfiança crescente e não falta quem ligue mais a tarots  que a fundamentação científica e quem ache mais aliciante o superficialismo mediático do que a argumentação factual.
Quanto à importância, gostaria de salientar que não comunicar ciência é desastroso mas divulgar mal também e é por isso que, tanto quanto possível, devem ser os cientistas a comunicar e divulgar ciência. A distinção entre produtores de conhecimento para um lado e divulgadores "profissionais" para outro é, no mínimo, arriscada. Cada cientista deve assumir a sua quota-parte de responsabilidade de comunicar o que faz. Boas razões para que os cientistas se dêem a esse trabalho:
1) Evitar erros de formulação e julgamento. Veja-se o que aconteceu à Física Nuclear; a ciência em si ficou associada a algo bélico e destruidor no imaginário colectivo e isso condicionou largamente o desenvolvimento da área científica, que regrediu sistematicamente nas últimas dezenas de anos. Foi a imagem pública que ditou as regras e os cientistas só podem resistir tentando colocar realismo na imagem pública das ciências.
2) Evitar uma fractura profunda entre a enorme massa dos utilizadores de tecnologia, que não a compreendem de todo, e os produtores de tecnologia. Dessa fractura não resultará nada de bom para o desenvolvimento social nem tecnológico, nem sobretudo para o desenvolvimento conjunto e harmonioso de ambos.
3) É um dever moral para com os contribuintes explicar o que andamos a fazer com os dinheiros públicos. A ciência fundamental (onde o processo de aquisição de conhecimento e inovação começa) é maioritariamente sustentada por fundos públicos. É bom para os cientistas que a sua actividade seja encarada como um bem público e um investimento que vale a pena.
4) Comunicar a ciência é a oportunidade de comunicar ATRAVÉS da ciência. A actividade científica é por si só um modelo de transparência, onde as decisões são tomadas com base na razão factual. Que bom seria termos uma democracia mais científica. Estaríamos com certeza mais próximos da tão apregoada e desejada "Sociedade do Conhecimento".

Qual a sua previsão para a descoberta de uma cura para a SIDA?
Não há. A cura não está à vista e não se espera para breve. Tem-se progredido bastante no sentido de tornar a SIDA uma doença crónica no futuro. No entanto, não se antevê ainda quando e como a cura se alcançará. Há muitos medicamentos em testes clínicos, alguns muito animadores, mas crê-se que só venham a ajudar a controlar a doença, isto é, aumentar a longevidade e qualidade de vida dos pacientes. Não se espera que sejam curas propriamente ditas.
A peculiaridade da SIDA em relação a uma hipotética vacina que tarda em aparecer, é que o vírus é como um ladrão que rouba carteiras a polícias. Quantos mais polícias na rua para o apanhar, maior a probabilidade de o apanhar mas também mais carteiras tem o ladrão para roubar e continuar a prosperar. É um balanço de efeitos contrários. O vírus ataca células do sistema imunitário; prospera em células que contribuiriam para o atacar.

O que o atrai nos peixes?
Confesso que a pergunta me apanha de surpresa. Nunca tinha pensado nisso. Não sei. É uma paixão antiga e não guardo memória de como nasceu. Sempre esteve lá. Atrevo-me a dizer dos peixes, o que a poetisa Fernanda de Castro diz de uma rosa no final de um dos seus poemas:
«(...)
se a verdade
é só necessidade
inexorável, lenta, laboriosa,
que sábia explicação
tem esta frágil, esta inútil rosa?»

Editor
António Coxito
Produção
Ricardo Melo
Design
Luís Silva
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