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#21| 19 Dezembro 05
 

Nasceu em 1969 em Marco de Canavezes. Licenciou-se em Engª Química na FEUP em 1992 e depois foi conhecer o Mundo. Estudou termodinâmica e petróleos na Dinamarca onde descobriu o design e a arquitectura moderna, as estampas japonesas, e que o jazz pode ser uma música popular. Doutorou-se aí em 1995 e seguiu a pista dos hidrocarbonetos até Paris onde no Instituto Francês do Petróleo percebeu que a liberdade que necessita para trabalhar e ser feliz dificilmente se poderiam encontrar numa empresa. Deixou bons amigos em França. Continua a adorar fotografia e mergulho, a passear por Paris como se fosse a sua casa e a empanturrar-se de jurançon, fois-gras e banda desenhada cada vez que ali volta. A colaboração tem sido tão produtiva que ganhou o prémio da APDF para a melhor colaboração Luso-Francesa em 2003. O primeiro filho trouxe-o de volta a Portugal e o casamento levou-o até Aveiro onde encontrou uma Universidade que o faz sentir como se vivesse dentro de uma revista de arquitectura. Criou aqui um grupo de investigação multidisciplinar que teve o impulso inicial através de um prémio de estímulo à investigação da Gulbenkian e cujas áreas de trabalho vão da exploração e transporte de petróleo à biotecnologia, passando pelo ambiente. Tem 3 filhos, uma casa desenhada pelo Arqt. Adalberto Dias com vista para a ria e uma oliveira no jardim.

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João Coutinho
"Manda o espírito científico que se mantenha a mente aberta, mas não tanto que o cérebro tombe pela abertura."

Porque é que as leis da termodinâmica são imutáveis?
Esta talvez não seja a questão correcta. Uma lei define-se, pode provar-se incorrecta ou de aplicação restrita e continuará imutável. As leis de Newton, apesar das suas limitações e de terem sido ultrapassadas pela relatividade são também imutáveis. A questão em relação à termodinâmica é porque é que achamos, como dizia Einstein, que esta é talvez a única teoria física de natureza geral que nunca será ultrapassada (note-se que esta citação não é apócrifa e pode ser encontrada em Albert Einstein: Philosopher-Scientist, Paul Schillp ed. na pag. 32 da edição de 1949). Creio que isto tem a ver com o facto da termodinâmica assentar em duas leis muito simples: o principio da conservação da energia (1ª lei) e a degradação contínua dessa energia através do aumento progressivo da entropia do universo (2ª lei). A termodinâmica é a ciência da energia. O conceito da energia nasce com ela em meados do século XIX e estas duas leis surgem da tentativa de compreender o funcionamento de máquinas térmicas, como sejam as máquinas a vapor. Em cima destas duas leis construiu-se todo um edifício abstracto bastante complexo mas que é todo ele coerente como qualquer teoria física que se preze e resulte da interacção de múltiplos investigadores em todo o mundo. A solidez da termodinâmica é tão grande, portanto, quanto a das suas leis básicas. Estas, surpreendentemente, são leis empíricas derivadas de uma forma indutiva e não dedutiva. Não há uma demonstração teórica da validade de qualquer uma destas leis, o que há são séculos de tentativas para demonstrar que são falsas ou de validade limitada e uma resistência tenaz destas leis a todos os ataques (um dos mais antigos e recorrentes sendo a tentativa de produzir uma máquina de movimento perpétuo). Surpreendentemente, foram das únicas leis da física clássica a resistir à relatividade e à física quântica mantendo-se válidas mesmo nestes extremos onde por vezes o senso comum mostra as suas limitações. Chegaremos um dia a aquecer as mãos com gelo? Manda o espírito científico que se mantenha a mente aberta, mas não tanto que o cérebro tombe pela abertura. Entretanto, o Universo continua a envelhecer de uma forma airosa, aumentando a entropia mas mantendo a energia. Quantos de nós poderão dizer o mesmo?

Quais as analogias entre o funcionamento de um motor de combustão e o nosso corpo?
Lavoisier foi o primeiro a compreender que uma combustão não era senão a reacção entre uma substância combustível e o oxigénio com formação do óxido respectivo e libertação de energia. Foi também o primeiro, em colaboração com Laplace, a desenvolver equipamentos para medir o calor libertado nessas reacções, os calorímetros. Teve também a intuição genial de que o que se passava a nível de uma organismo não era mais do que um lento processo de combustão e em colaboração com alguém cujo nome, como diria Cervantes, não queremos recordar, testar essa hipótese em experiências que foram imortalizadas nas aguarelas de Marie Anne Lavoisier. Temos portanto esta ideia básica, com mais de 200 anos, de que a fonte de energia do nosso organismo é uma combustão controlada de alimentos (em particular dos hidratos de carbono) com libertação de CO2 e H2O. A quantidade de energia dissipada por dia é, como se sabe, de cerca de 2000 calorias, ou em linguagem mais científica 2000 Kcal, aproximadamente 8 MJ. Para se ter uma noção da quantidade de calor pense-se que para levar um litro de água da temperatura ambiente à ebulição necessitamos de 75 Kcal. A energia que a combustão que se processa no nosso organismo liberta todos os dias permitiria assim levar à ebulição 5 garrafões de 5 L de água cada. A nossa potência de aquecimento é semelhante à de uma lâmpada de 100 W. A semelhança com um motor de combustão ou uma qualquer máquina térmica são óbvias, ambos obtêm a sua energia a partir de uma reacção de combustão. Um queimando hidratos de carbono e outro hidrocarbonetos, ambos produzindo CO2 e H2O. As semelhanças terminam aqui porque a maneira como a energia é usada em cada um dos casos difere já de forma substancial.

Quais as vantagens do petróleo como fonte de energia?
A sua disponibilidade; podemos pensar que é um recurso finito mas as quantidades disponíveis têm sido e continuam a ser gigantescas. O seu baixo custo; apesar da alta actual o preço da energia e matérias-primas derivadas do petróleo, continua a ser tão baixo que torna difícil o desenvolvimento de alternativas energéticas, como matérias-primas para substitutos de polímeros, por exemplo. A facilidade de transporte e exploração que lhe é conferido por ser um líquido. Temos reservas de combustíveis fósseis de dimensões gigantescas no estado sólido (areias betuminosas e carvão) e gasoso (gás natural) mas cuja exploração e transporte é significativamente mais difícil e dispendiosa. A sua complexidade, que permite que de uma única fonte de matérias-primas se retire uma diversidade imensa de compostos que estão já aí naturalmente disponíveis ou que podem ser obtidos a partir dele com pequeno esforço. A enorme densidade energética; não há muitas substâncias que disponham de tanta energia concentrada num pequeno volume. Terá os seus pontos fracos mas as vantagens são imensas... E, já agora, se a origem abiogénica do petróleo, ou pelo menos de parte dele, fosse verdade? E se afinal o petróleo fosse uma fonte de energia renovável?

Em que consiste o sangue artificial?
O sangue, conforme nos lembram imensas campanhas ao longo do ano, é um bem escasso e perecível. Os múltiplos tipos de sangue e as doenças contagiosas só vieram agudizar uma solução de si já muito difícil. Isto sem esquecer problemas de ordem ética ou religiosa. Em situações de crise, como um acidente ou cirurgia, não necessitamos forçosamente de um fluido a circular no nosso organismo que desempenhe todas as funções do sangue mas apenas algo que possa temporariamente proceder à oxigenação dos tecidos; em suma, necessitamos de um vector de oxigénio e nada mais. Isso pode ser conseguido através de outras substâncias que não a hemoglobina natural. Há várias abordagens ao problema de conseguir um fluido para oxigenação do organismo durante uma crise. As mais complexas passam por formas modificadas de hemoglobina; no outro extremo temos a utilização de substâncias simples mas com uma grande capacidade de solubilização do oxigénio. É sobre estas, em particular sobre os perfluorocarbonetos, que o meu grupo de investigação tem trabalhado. Os perfluorocarbonetos são substâncias análogas aos hidrocarbonetos que constituem o petróleo mas em que os átomos de hidrogénio foram substituídos por átomos de flúor. Têm uma capacidade de dissolver oxigénio tão elevada que é possível respirá-los como se respira ar. Chama-se a isto ventilação líquida e é praticada em prematuros com o sistema respiratório ainda insuficientemente desenvolvido. No organismo, são injectados sobre a forma de uma emulsão aquosa. Como já deve ter ficado claro, a ideia não é andar por aí com o sangue substituído por estes compostos mas que numa situação pontual se possa fazer a oxigenação do organismo utilizando estes compostos artificiais que não têm nenhuma das limitações apontadas acima para o sangue natural.

Como é que se manifesta o vício da leitura em si?
Por uma necessidade física de ler. Sou daqueles leitores compulsivos que à falta de um livro lêem qualquer coisa que esteja ao alcance, nem que seja uma lista telefónica. Tenho que ter sempre um livro por perto, leio vários ao mesmo tempo e vou alternando com a variação dos meus humores diária; numa viagem levo sempre vários atrás, salvo se vou para um sítio que já conheço, onde sei que me vou deixar embarcar numa orgia aquisitiva, ficando com material suficiente para toda a estadia como acontece quando visito Paris, Londres ou o Rio de Janeiro. Visito livrarias como quem visita velhos amigos. Nestas alturas acabo sempre a arrastar para casa umas dezenas de volumes até ao limite de capacidade das malas e frequentemente com mais de metade das aquisições já lidas e prontas a tomar o seu lugar na estante da biblioteca lá de casa.

O que o levou a ser investigador?
O acaso, o desejo de conhecimento, um espírito independente e a necessidade de liberdade. A investigação não foi algo que procurei activamente como percurso de vida. Foi uma oportunidade que surgiu no final da minha licenciatura e que respondia a dois sonhos de juventude relacionados com o petróleo e a termodinâmica, num momento em que a minha perspectiva era seguir uma carreira tradicional dentro da engenharia, envolvendo-me com a gestão. Aqui, o desejo de saber mais, de acumular e construir conhecimento e de cumprir um sonho foi mais forte, foi o princípio do prazer a sobrepor-se ao da realidade. No final do doutoramento continuava a perspectivar uma carreira numa empresa, à semelhança dos meus colegas que iam terminando o doutoramento, e não uma carreira universitária de investigador, daqui a minha ida para o Instituto Francês do Petróleo que tomei como uma porta para o mundo empresarial. O trabalho no IFP, no entanto, ensinou-me que eu gostava demasiado de ser independente, de traçar o rumo dos meus passos e seguir o meu próprio caminho (o meu grupo de investigação chama-se PATH) para aceitar ordens ou ser confinado aos estreitos limites de um projecto ou dos resultados a serem alcançados segundo uma direcção preestabelecida. Trabalhar numa instituição como o IFP acabou por me fazer descobrir que a minha verdadeira vocação, nesta altura da minha vida, era a de investigador universitário.

 

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