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#19| 05 Dezembro 05
 

Nasci em Portugal, em 1960, filho de pais chineses. O meu avô foi um dos primeiros imigrantes chineses a fixar-se em Portugal.
Concluí uma licenciatura em Física na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e um doutoramento em Astronomia e Física, na Universidade de Boston.
Na década de 80 fui professor do Ensino Secundário.
Actualmente sou Professor Associado no Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Director do Observatório Astronómico de Lisboa.
A minha área de Especialização e Investigação é a Formação de Estrelas e o Meio Inter-estelar.
Tenho dividido o meu tempo entre o trabalho de investigação científica em Astronomia e Astrofísica e o ensino e treino de jovens estudantes nesta área. Dedico-me também a iniciativas de divulgação científica, com palestras públicas e apoio ao ensino básico e secundário. Ultimamente a gestão do Observatório Astronómico de Lisboa tem levado uma grande fatia de tempo, num esforço muito grande para manter a oferta de um serviço público de excelência em prol da cultura científica e do desenvolvimento.
Tenho participado em vários órgãos científicos do Observatório Europeu do Sul (ESO), como representante de Portugal.
Considero muito importante a interdisciplinaridade e valorizo muito a compreensão das diferentes culturas que constituem para mim uma riqueza da Humanidade. Nessa perspectiva, tento estabelecer “pontes” entre a filosofia e a civilização ocidentais e as orientais.

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João Lin Yun
“Uma mente que se treina no raciocínio científico traz grandes benefícios ao seu dono.”

O que é que de infantil preside ao fascínio pela Astronomia?
Mais do que “infantil”, a esse fascínio pela Astronomia, eu chamaria “primordial”! A Astronomia vai de encontro à nossa necessidade primordial de compreender o Universo.
A Astronomia, através da contemplação e descoberta do Universo gigantesco, é possivelmente de todas as ciências a que mais se aproxima deste ideal de reencontro com o misterioso, com o Universo que nos transcende, com as nossas origens, que as pessoas, consciente ou inconscientemente tanto anseiam... E quem sabe, a contemplação das leis do Universo, pode ajudar a preservar uma das características principais que fazem de nós seres humanos: o deslumbramento de sermos tão pequenos e efémeros num Universo que se rege por leis de grande beleza estética, e a consciência de que é um Universo que faz sentido, gostemos ou não do papel que nele desempenhamos.

Gosta de ensinar?
Muito! A primeira actividade profissional que descobri que gostava muitíssimo de fazer foi dar aulas. Essa descoberta aconteceu quando o fiz pela primeira vez, no ensino básico e secundário, durante a década de 80. Para além de ser sempre interessante relacionar-me com as mentes irrequietas dos jovens, é também muito gratificante para mim ver a satisfação das crianças e jovens quando aprendem efectivamente, aquele brilho nos seus olhos, o espanto nos seus rostos, a alegria de perceber as coisas!
Mas ensinar é claramente uma profissão de vocação e não é uma profissão fácil. Por isso, aproveito para relembrar a grande responsabilidade e dignidade que ser professor representa. Quando escolhemos ser professores, escolhemos ser responsáveis por uma parcela, maior ou menor, da vida de muitos seres humanos jovens que podem construir um País mais desenvolvido e mais justo. Por isso, quando escolhemos ser professores, escolhemos uma profissão de elevada dignidade e impacto social, que nos pode trazer uma das melhores sensações: a de contribuirmos para a descoberta, o fascínio, a aprendizagem, o futuro dos novos cidadãos do nosso mundo. Para isto acontecer, o ensino tem de ser fortemente apoiado e dignificado por toda a sociedade, pois perder a batalha do ensino significa o sub-desenvolvimento científico, económico e social para Portugal.

Porquê seguir uma carreira em Ciência?
Em primeiro lugar, é importantíssimo que se escolha fazer uma coisa que se gosta. Partindo desta hipótese, de que alguém gosta de Ciência, porquê seguir uma carreira em Ciência? Pois por muitas razões, das mais evidentes às mais subtis.
Começo pelas primeiras: o mundo em que vivemos é um mundo permeado de ciência. Não existe quase nada nas nossas sociedades contemporâneas que não tenha a ver com ciência. Pastas de dentes, forno de micro-ondas, telemóveis, vacinas, transportes, a lista é interminável. Para podermos estar o mais à vontade possível no nosso mundo e fazer escolhas correctas e vantajosas, torna-se importante saber o máximo de ciência. Quem não domina um mínimo de novas tecnologias vê dificultadas as suas possibilidades de arranjar um bom emprego. Além disso, as carreiras científicas têm um prestígio social elevado. Inquéritos à escala mundial revelam que os cientistas são das classes profissionais em que mais cidadãos confiam, à frente dos jornalistas e dos empresários, para já não falar dos políticos que figuram em último lugar!
Depois há as vantagens mais subtis de se obter um treino científico. Uma mente que se treina no raciocínio científico (e que não se feche às outras dimensões, instintivas e emocionais, que compõem a vida psíquica humana) traz grandes benefícios ao seu dono. Confere-lhe a capacidade de análise de situações que caracteriza a inteligência, a capacidade de abstracção que lhe permite uma vida psíquica mais rica, e o rigor e a honestidade que as regras científicas naturalmente exigem. Finalmente, quem segue uma carreira científica, normalmente fá-lo porque possui uma curiosidade muito grande, deseja compreender o mundo que o rodeia e o prazer dessa compreensão muitas vezes não tem preço.

Em que medida o estudo da Astronomia pode contribuir para a libertação humana?
Para além do enorme incentivo que a Astronomia tem dado ao desenvolvimento científico e tecnológico, existem outras razões fundamentais, que tornam a Astronomia tão importante: a sua capacidade de dar prazer e a sua contribuição para a libertação humana!
Sabemos hoje que o cérebro humano se desenvolve melhor, aprende melhor quando os assuntos que lhe são apresentados são interessantes. Sabemos também que o cérebro humano é sedento de conhecimento. O estabelecimento de sinapses, conexões entre os neurónios, parece ser uma actividade fundamental para a vida e que envolve um mecanismo de auto-recompensa que inclui o prazer: o prazer do conhecimento, o prazer da descoberta.
Ora os temas do Espaço, pelo fascínio que encerram, motivam crianças e adultos para a aprendizagem. Basta assistir a uma palestra pública de Astronomia para verificar o brilho nos olhos daqueles que estiveram presentes. Saem dela enriquecidos, os seus cérebros ainda digerindo a informação que receberam sobre assuntos enigmáticos de que sempre quiseram saber um pouco mais. Saem enriquecidos, os seus corações algo reconfortados, algo desconcertados pelo infinito por cima das suas cabeças.
É comum reconhecer que conhecimento é libertador (talvez por isso, as ditaduras nunca foram amigas da divulgação do conhecimento). E a Astronomia certamente que nos ajuda a libertarmo-nos. Por exemplo, ajuda-nos a libertarmo-nos do medo, do medo do destino pré-determinado por estrelas ou cometas. Devolve-nos o poder de intervir nas nossas vidas, deixamos de estar à mercê dos elementos cósmicos ou dos ditadores.
Através da Astronomia, no tempo de Galileu, teve lugar o começo do fim do controle da Igreja sobre os pensamentos das pessoas. E embora Giordano Bruno tivesse sido queimado na fogueira, também aqui foi mais uma vez o Universo quem riu por último. Em Portugal, os investigadores em Astronomia esforçam-se hoje para conseguirem não ser uma espécie ameaçada de extinção, e não tenho dúvidas de que mais tarde ou mais cedo, será de novo o Universo quem levará a melhor. E na música da risada poderosa do Universo, dançarão todos os amantes desta bela Ciência que é de todos nós: a Astronomia.

Qual a verdadeira situação da Ciência em Portugal?
Não serei talvez a pessoa mais indicada para responder a esta pergunta. Com os dados que tenho, posso apenas exprimir o que sei, e sobretudo nas áreas que me são mais próximas.
Portugal partiu de uma situação de extremo sub-desenvolvimento científico mantido durante a maior parte do século XX. Nos últimos dez ou quinze anos do século XX, graças a fundos comunitários e a algumas pessoas com mais visão, o desenvolvimento científico em Portugal acelerou fortemente (possivelmente a primeira vez desde a época dos Descobrimentos em que a Ciência da altura, aplicada sobretudo às navegações devido à sua grande importância, era apoiada pelos reis). Devido a esse investimento, Portugal recuperou bastante começando a aproximar-se dos números de outros países mais desenvolvidos da União Europeia. Os números melhoraram efectivamente mas as mentalidades e estruturas melhoraram menos. A investigação científica em Portugal é feita maioritariamente nas universidades e estas, em geral, mantêm mentalidades e estruturas desadequadas, sistemas um pouco feudais onde hierarquias ocas e interesses individuais por um lado, ou a indiferença e apatia por outro, tolhem por vezes o dinamismo e inovação dos mais jovens. Por outro lado, o investimento público feito no final do década passada foi fortemente reduzido em 2002, pelo que é incerto nestes tempos actuais de fortes contenções, qual o futuro do desenvolvimento científico em Portugal. É que em Portugal, ao contrário do que se passa em países mais desenvolvidos e de maior dimensão, as empresas ainda pouco investem em Ciência e por isso também não retiram os benefícios que poderiam recolher desse investimento.
O investimento público permitiu a formação e qualificação de recursos humanos (doutorados) tendo neste ponto sido bastante bem sucedido. Infelizmente, não é ainda claro como irá Portugal aproveitar esses recursos humanos de grande qualidade, arriscando-se a perder para o estrangeiro grande parte destes recursos. A Comissão Europeia disse já que a Europa necessita de pelo menos meio milhão de cientistas nos próximos anos. Os Estados Unidos da América têm preenchido as suas necessidades com estudantes provenientes maioritariamente da Ásia. A Alemanha contrata já muitos especialistas de Informática provenientes da Índia. Irá Portugal deixar perder os seus mestres e doutores?

Quão cara pode sair a ignorância?
Creio ser já bastante conhecida a frase de um prémio Nobel da Economia de Harvard (de cujo nome não me recordo): “Se acham cara a educação, experimentem quanto vos custará a ignorância”. A esta frase juntaria a de Benjamim Franklin: “Investir em conhecimento é o que traz maior rentabilidade”.
A ignorância tem custos enormes, mais uma vez dos mais óbvios aos mais subtis. Para além de implicar atraso e sub-desenvolvimento económico, bloqueia o acesso dos cidadãos a uma satisfação mais profunda, a uma realização pessoal mais humana.
A Comissão Europeia deu um sinal claro de que a prioridade dos fundos estruturais deve deixar de ser o betão (projectos de infra-estruturas físicas como estradas e edifícios) e passe a ser a qualificação e os recursos humanos (aposta na inovação, desenvolvimento tecnológico e aumento de competitividade).
Mais do que nunca, torna-se claro que se não quisermos limitarmo-nos a ser um país de baixas qualificações em que os nossos filhos e netos podem encontrar emprego apenas na indústria hoteleira, há que combater a ignorância, investir em recursos humanos, na sua qualificação, na educação e investigação. Mais do que despender em infra-estruturas pesadas, gastar dinheiro com as pessoas passou finalmente a ser algo a encorajar, como primeira prioridade, como um investimento para garantir o futuro. Equipamentos sem pessoas que os saibam utilizar, sem know-how, ficam inertes, sub-aproveitados e esses sim representam dinheiros mal-gastos.
Combater ou não a ignorância, através de medidas realmente eficazes de educação e qualificação, representa a escolha do mundo que queremos para Portugal. Queremos o mundo do sub-desenvolvimento e do trabalho não-qualificado, onde todos os empregos são no turismo, a servir os habitantes dos países que esses sim ousaram investir na qualificação das pessoas, no desenvolvimento, na ciência e na tecnologia? Ou o mundo de cidadãos qualificados, produtores de conhecimento e de empregos mais criativos e mais conducentes a uma realização pessoal genuína e humana?

 

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