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#16 | 14 Novembro 05
 
 

Nasceu na Bélgica (Bruxelas) em 1969 e cresceu em Portugal (Lisboa e Évora). Iniciou a sua formação académica, como Geógrafo, em Lisboa (Universidade Nova de Lisboa), tendo-a completado (Universidade de Aberdeen) e continuado (Universidade de Londres) no Reino Unido. Como investigador trabalhou no Museu de História Natural de Londres, no Centro Nacional de Investigação Cientifica (CNRS) de Montpellier, na Universidade de Évora e na Universidade de Oxford. Actualmente é investigador do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid (CSIC), investigador associado do Centro de Estudos Ambientais da Universidade de Oxford e professor associado convidado do Instituto de Biologia da Universidade de Copenhaga. É autor de cerca de 60 artigos em revistas internacionais sujeitas a peritagem científica e editor associado das revistas científicas "Ecography" e "Journal of Biogeography".

O seu trabalho tem sido orientado no sentido de dar resposta a três perguntas de carácter fundamental: 1) Porque ocorrem as espécies animais e vegetais onde ocorrem? 2) Que processos afectam a ocorrência e persistência das espécies em escalas espaciais e temporais variáveis? 3) Poderão ser os padrões detectados ao nível de espécies individuais extrapoláveis para o conjunto, ou subconjuntos, da diversidade de formas de vida? Esta investigação tem sido utilizada no desenvolvimento de metodologias de selecção de áreas importantes para a conservação da biodiversidade e em avaliações do impacte potencial das alterações climáticas sobre as espécies e ecossistemas.

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Miguel B. Araújo
“O ‘ciclo destruidor’ é uma consequência da natureza humana e não da sociedade humana moderna.”

Qual a importância da razão dos outros?
Toda. Não existe pensamento que seja verdadeiramente original; isto é, um pensamento que seja independente do pensamento dos outros. Para progredir partimos sempre de uma base e esta constitui o fermento para novas ideias. Mesmo os grandes pensadores, os que a História associa a grandes descobertas, geraram progresso com base em ideias anteriores e frequentemente erradas. É neste contexto que gosto de recordar a frase de Claude Lévi-Strauss: "L'objectif reste le même; détruire le préjugé. Mais pour l'atteindre il faut s'ouvrir à la raison des autres".

Acredita na inversão do ciclo destruidor do Homem sobre a Natureza?
Não sou fervoroso adepto da dicotomia que apresenta. O ser humano é parte da natureza e não é o impacte que nela exerce que altera este facto. Há quem tenha colocado a questão do seguinte modo: "humans are both part and apart from nature" mas convém referir que o alegado ciclo destruidor tem acompanhado a humanidade desde que o Homo sapiens saiu de África. Ou seja, o “ciclo destruidor” é uma consequência da natureza humana e não da sociedade humana moderna.
Por exemplo, sabe-se que a colonização da América do Norte, por parte do ser humano, há cerca de 11.500 anos, terá estado na origem da extinção de 73% dos géneros de grandes mamíferos desta região (o bisonte gigante, o cavalo selvagem, o mastodonte, entre outros). O mesmo ter-se-á verificado na América do Sul, há 8.000 anos, com a extinção de cerca de 80% dos géneros de grandes mamíferos (armadilhos, capivaras gigantes, entre outros). A história repete-se na Austrália, no Havai, em Madagáscar, na Nova Zelândia e mesmo na Europa. Tendo em conta o conhecimento que temos destes factos é difícil não ser levado a concluir que é pouco provável que algum dia estejamos à altura de inverter o ciclo de alteração do ambiente que nos rodeia.
No entanto a questão que importará perguntar é qual o sentido dessas alterações? O nosso impacte sobre o planeta é tal que começamos a sentir alguns dos seus efeitos negativos. Durante muito tempo o ciclo de transformações operadas sobre o ambiente natural foi no sentido de melhorar a habitabilidade das regiões para o ser humano. É indiscutível que a Europa humanizada é mais confortável, para o ser humano, que a Europa das florestas naturais primaveris onde abundavam feras e doenças. A ruralização e urbanização da paisagem contribuiu para a degradação, muitas vezes irreversível, do património natural mas o objectivo de melhoria da qualidade de vida das pessoas foi, de grosso modo, alcançado. Actualmente começamos a sentir o “reverso da medalha” de muitas destas alterações. Existem doenças associadas à excessiva artificialização dos nossos modos de vida, existem problemas globais que podem comprometer o nosso modo de vida e existe uma tendência social de retorno à simplicidade da natureza. Talvez estes factos contribuam para que a humanidade inverta a intensidade, ou mesmo a direcção, do ciclo de degradação da natureza. Mas ainda é cedo para ser peremptório a este respeito.

Que mudanças na qualidade de vida vamos sentir daqui a 20 anos, devido as alterações climatéricas entretanto registadas?
Para responder à sua pergunta teria de possuir uma bola de cristal. O que lhe posso dizer é que existem modelos que prevêem mudanças nas condições climatéricas do planeta. As mudanças, quaisquer que sejam, geram desequilíbrios pontuais e estes requerem, para ser ultrapassados, processos de adaptação. Seremos capazes de nos adaptar às alterações climáticas previstas? Quero crer que sim – fizemo-lo no passado e não vejo razão porque não o possamos fazer no futuro – mas não creio que tal aconteça sem custos elevados. O montante destes custos dependerá, por um lado, da magnitude das mudanças (que não são independentes do quantitativo de emissões de gases com efeito de estufa) e por outro, da celeridade com que as medidas de adaptação forem adoptadas.

Porque é que o Mediterrâneo é tão sensível às alterações climatéricas, particularmente a Península Ibérica?
As mudanças comportam desafios e a questão é saber se esses desafios se traduzem em aumentos inevitáveis de vulnerabilidade ou se, pelo contrário, abrem novas oportunidades. Os modelos climáticos que dispomos prevêem um aumento generalizado das temperaturas na Europa durante o século XXI. No centro e norte da Europa prevê-se que esse aumento de temperatura seja, por vezes, acompanhado de aumentos de precipitação. Esse aumento de precipitação poderá aumentar a vulnerabilidade a cheias de verão e a conjugação do aumento de temperaturas com precipitação poderá causar o degelo de áreas montanhosas o que afectaria negativamente o turismo de alta montanha assim como a biodiversidade associada a estas as regiões. Todavia, o aumento de temperatura e precipitação terá também como consequência o aumento da produtividade primária bruta. Este facto poderá criar novas oportunidades para o turismo mas também para a agricultura e florestas nas regiões do centro e norte da Europa.
Ora, no Mediterrâneo, os modelos prevêem aumentos moderados de temperatura e diminuições de precipitação (por exemplo, um dos cenários aponta para reduções de precipitação de verão na ordem dos 27% para a Península Ibérica); por outras palavras, prevê-se um aumento generalizado da aridez. Tendo em conta que várias regiões do mediterrâneo se encontram, actualmente, em situações de défice hídrico – como é o caso particular da Península Ibérica – é difícil conceber que uma redução da precipitação ajude a criar novas oportunidades para o desenvolvimento das actividades humanas. É, assim, uma mudança que, a verificar-se, comporta vulnerabilidade e poucas, ou nenhumas, oportunidades.

Nunca perde uma oportunidade para se surpreender?
No dia em que o fizer, terei de mudar de ramo.

 

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