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#13| 24 Outubro 05
 

Nasceu em Setúbal, a 9 de Dezembro de 1957.
É actualmente professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, regendo as cadeiras de Filosofia da História e da Cultura e de Filosofia da Política e do Direito (licenciatura).
Desenvolve desde 1978 uma intensa actividade no movimento associativo ligado à defesa do ambiente, tendo sido _ de 1992 a 1995 _ presidente da mais importante associação ambientalista nacional, a QUERCUS - Associação Nacional de Conservação da Natureza.
Publicou mais de duas centenas de estudos, abordando temas filosóficos, político-estratégicos, e ambientais.
Livros mais recentemente publicados: A Revolução Federal: Filosofia Política e Debate Constitucional na Fundação dos E.U.A (Lisboa, Edições Colibri, 2002). O Federalista, de Hamilton, Madison e Jay, tradução, introdução e notas coma colaboração de João C. S. Duarte (Lisboa, Edições Colibri, 2003); O Desafio da Água no Século XXI. Entre o Conflito e a Cooperação (coordenação científica, Lisboa, Editorial Notícias, 2003). Reflexões sobre a Arte de Vencer, de Frederico II da Prússia («Estudo Introdutório», Lisboa, Edições Sílabo, 2005), Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável. Um projecto para Portugal (em co-autoria, Lisboa, Pandora, 2005), Metamorfoses. Entre o Colapso e o Desenvolvimento Sustentável (Mem Martins, Publicações Europa-América, 2005), Cidadania e Construção Europeia (coordenação, Lisboa, Museu da Presidência da República/Ideias e Rumos, 2005).

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Viriato Soromenho-Marques
“O saber precisa de ser duro como o mais forte dos guerreiros.”

A Filosofia ensina a olhar para o ambiente?
Durante dois mil anos a Filosofia pensou a unidade da Natureza, no âmbito de disciplinas tão diferentes como a Ontologia e a Metafísica, ou as filosofias do Conhecimento e da Religião. Hoje perdemos quase totalmente a concepção de Natureza em totalidade. Vivemos por entre representações fragmentares, sectoriais da Natureza. O próprio conceito de Ambiente – que indica a(s) Natureza(s) numa relação arriscada com a humanidade – partilha dessa viragem para o modelo da fragmentação.
Essa mudança de perspectiva ficou a dever-se à vitória da revolução tecnocientífica, de que a filosofia moderna foi a principal autora. O desaparecimento de uma concepção de “Natureza” tem como causa o facto de, para o operar técnico, que é por essência analítico, espartilhado e sectorial, já não fazer falta uma “visão do mundo” (Weltanschauung). O que interessa hoje é a produtividade cega, o trabalho como fim em-si-mesmo, enquanto transformação do que é dado naturalmente (mesmo a “natureza humana”...).
A Filosofia intervém como um exercício fundamental na demanda pela genealogia e pelo foco de fuga desta situação crítica a que chegámos. A crise do Ambiente obriga-nos a repensar a Natureza, pois a sua falta é dolorosa e indirecta. As catástrofes ambientais indicam-nos a presença poderosa de uma Natureza, sempre mais complexa do que as nossas representações, e que durante trezentos e cinquenta anos tudo fizemos para silenciar.

Quais as possibilidades do saber?
A tarefa do saber é a de ser o guardião e o garante da continuidade da aventura humana a caminho da noosfera e da abertura dos horizontes da complexidade. O saber deve ser vigoroso, resiliente e ter um pacto fundamental com as “pulsões de vida”, no sentido freudiano.
A sombra mortífera do saber é a amargura perante o mal e a barbárie. O saber às vezes pergunta-se, perante o espectáculo desmesurado do festim da mediocridade que governa o mundo: “Será que vale mesmo a pena?”. Essa pergunta é terrível, sobretudo porque abre a porta à vacilação. Por essa porta poderá entrar um dia o triunfo da simplificação extrema: a autofagia e a auto-destruição da odisseia humana.
O saber não precisa só de ser sábio. Precisa de ser duro como o mais forte dos guerreiros.

A história do ambiente tem becos sem saída?
Não sabemos se a humanidade irá ser capaz de domesticar as forças entrópicas que estão à solta, e que foram por si própria libertadas. Há cinquenta anos, em textos diferentes e talvez sem mútuo conhecimento, Bertrand Russell e Hannah Arendt interrogavam-se, seriamente, sobre se o frenesim tecnológico em que estamos mergulhados não iria terminar na maior passividade de sempre. Essa interrogação é hoje mais séria do que nunca.
O que sabemos é que a «questão ambiental» é hoje o problema fulcral. Os alinhamentos fundamentais terão de ser feitos em torno do ambiente. O resto, incluindo as questões sociais e económicas, ou se harmonizam (é isso o desiderato do conceito de desenvolvimento sustentável) com as questões ambientais, ou entraremos numa espécie de «Idade do Gelo» do Espírito.

Considera preferível a actual hegemonia norte-americana ao anterior equilíbrio frio?
A guerra-fria está enterrada e só posso desejar que aí permaneça. Julgo que a pergunta parte de um pressuposto utrapassado. Até 1999 poderíamos antecipar um futuro vigoroso para os EUA. Esse país tinha margem de manobra para organizar a passagem de um «momento unipolar» para uma nova ordem multipolar. Essa situação perdeu-se completamente com a Administração George W. Bush. Hoje o poder e a influência norte-americanas estão mais baixas do que nunca. Veja-se o modo como o Presidente norte-americano aceitou eleger um chefe tribal, Osama Bin Laden, como seu inimigo, em vez de o reduzir à sua real insignificância! Esta administração foi e é uma desgraça para a América e o Mundo. As suas consequências vão durar indefinidamente. Bush é uma espécie de mistura entre duas catástrofes americanas: a Guerra Civil e a Grande Depressão. Depois dele a América e o Mundo não serão os mesmos.

Como são as suas paisagens da fé?
Se tiver de encontrar uma designação para mim próprio neste domínio, então sou um agnóstico. O que não tem nada a ver com o ateísmo, que é para pessoas que vivem num mundo ainda mais limitado do que aquelas que fecham Deus na clausura dos seus dogmas.
Há muito anos, numa revista francesa dedicada ao tema dos celibatários, perguntava-se na capa: “Celibatário, sim, mas com quem?” O mesmo acontece com o agnosticismo. Ele tem a marca da matriz religiosa de origem. Reconheço abertamente que sou um agnóstico de proveniência católica e isso marca, certamente, a minha visão do mundo.
A minha principal diferença com o Catolicismo, e outras correntes do Cristianismo, todavia, é a seguinte: a condição humana até hoje nada fez para merecer Deus, ainda menos um Deus pessoal que por ela se teria sacrificado como pessoa, como um de nós.
Deveríamos fazer tudo para merecer Deus, para ir ao fundo da nossa humanidade, para além de nós próprios, em vez de nos matarmos para ter o exclusivo da sua Palavra Revelada.

 

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