Helder Coelho
“Quanto mais difícil for
o objectivo desejado, maior é o desafio proposto e a
sedução envolvida no embate.”
“What I am saying, I don´t think
of a plot and then put characters in it.
I start with different characters and see where they take
me.”
Elmore Leonard, in Be Cool, 1999.
Porquê essa “Atracção
Irressistível pela Complexidade”?
Do mesmo modo que o Leonard, a minha investigação
começa na procura de agentes com qualidades, personalidades
e vontades de transformarem o mundo que os cerca. Cada um
desses agentes pertence a uma multitude, encarregue de montar
um plano de acção com sentidos vários,
para enfrentar o complexo. Os agentes estabelecem aliados,
erguem redes de conhecimento, e tecem ainda redes de relações.
Deste caldo emergem novas ideias que são postas à
prova e disparam percursos sinuosos de descobertas futuras.
A linha invisível que cerca os saberes (leia-se disciplinas
científicas) está algures à beira do
desconhecido, operando como atractor irrecusável para
um explorador persistente e disciplinado. A busca de novos
conhecimentos é uma partida universal para um cientista
comum, e uma motivação extra e permanente para
qualquer viajante curioso. Quanto mais difícil for
o objectivo desejado, maior é o desafio proposto e
a sedução envolvida no embate. Ligar não
é suficiente, e quanto mais fundo for a indagação,
melhor o prazer de chegar à meta.
Qual a mais-valia da actividade artística
no processo de descoberta dos mecanismos da inteligência?
Surpreendentemente alta. Qualquer descoberta dos nossos mecanismos
funciona como activador positivo de novas explorações
já guiadas por esses bocados de conhecimento. O exercício
realizado, na Califórnia pelo robô pintor Aaron
de Cohen leva-nos a reflectir sobre os processos associados
às nossas escolhas quotidianas.
Temos razão quando sonhamos?
Não existe carta de navegação para os
sonhos. Apenas impulsos, inclinações, obsessões,
tal como na criação artística. Após
a partida, o sujeito é levado por padrões, num
voo alto e contemplativo, tal como o de uma águia.
E, facilmente, chega à conclusão que as melhores
ideias não são aquelas que temos, nem aquelas
que damos, mas as que suscitamos.
Como se pode ser individualista e benevolente
ao mesmo tempo?
Os lados pegam-se, como as dobras com cola de um envelope.
Por um lado, o esforço individual guia, matizando o
espaço de trabalho. E, por outro lado, cada indivíduo
ao falar alto empurra o colectivo para novas explorações.
A benevolência com o companheiro viajante apenas o ajuda
a sair dos impasses e a ganhar confiança para atravessar
as águas agitadas, onde as turbulências são
frequentes e as dificuldades imensas. A solidariedade em ciência
é boa conselheira e uma ajuda indispensável
para o progresso, o qual depende também do ambiente
do grupo. As inovações jorram quando as interacções
são frequentes e as redes sociais estáveis.
Acha possível um dia uma máquina
reproduzir o raciocínio humano?
Depende do que consideramos ser esse raciocínio. Não
existe um, mas uma grande diversidade de tipos. E, as máquinas,
emulam já muitos desses tipos, como por exemplo os
dedutivos, os indutivos, os abdutivos, os analógicos,
ou os baseados em casos. A intuição oferece
ainda dificuldades para ser reproduzida, mas estou convicto
que essa zona de complexidade será dominada. A criação
artística era também invicta! Prova-se que não
existem zonas fechadas.
É possível a inovação
sem a divergência?
É. Se só houvesse divergência, não
haviam interacções, amalgamentos ou fusões.
A vida constrói-se ora com convergências ou divergências,
e da tensão dialéctica entre estes opostos emergem
sulcos, rasgões fortes. A criatividade, sempre a contra-vapor,
empurra e arranha a realidade, impedindo a sua solidificação.
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